30 de junho de 2007

Lívia olha o futuro.


CONTRA A LEI DE INCENTIVO À CULTURA, A FAVOR DE UM FUNDO DE VERDADE

Para que o leitor compreenda como funciona a Lei de Incentivo à Cultura, tentarei ser breve na explicação. Anualmente, o governo estadual com o malsucedido Funcultural faz uma renúncia fiscal em prol de projetos culturais desenvolvidos pela sociedade. Se o projeto, após passar por uma avaliação do Conselho Estadual de Cultura, for aprovado não significa que terá o recurso para concluí-lo. Antes disso, é preciso pedir a um empresário devedor de ICMS para que ele avalie mais uma vez seu projeto e, ao invés de o empresário pagar o imposto, se gostar da sua cara, investe no seu projeto.

Investir não é bem a palavra, porque afinal o dinheiro não é dele, mas do povo que paga imposto, ou estou errado? Então fica uma pergunta que até hoje nem empresários nem governo conseguem responder. Que diacho o empresário tem que ser curador de projetos culturais? Parece óbvio que se um projeto foi aprovado por um conselho (composto de indicados pelo governo e pela sociedade civil organizada) ele é apto (se o bom senso fosse algo levado em conta por aqui) a pegar o dinheiro e usá-lo em seu projeto. Depois disso deveria prestar contas ao Tribunal de Contas e apresentar à sociedade.

Mas o que acontece, e por isso sou contrário à idéia, é que se o seu projeto for aprovado pelo Conselho, você vai ao empresário, o convence a dar um dinheiro que já é seu (entendem a paranóia?) e ele deposita numa conta única do governo. Pela Lei que rege o Funcultural a conta dever ser especial, mas o governo não faz questão de cumpri-la. Depois disso, você ainda tem que aguardar a boa vontade do governo para que libere o recurso.

Em resumo, o proponente de um projeto cultural, cujo conselho avaliou positivamente, deixa de ser artista para ser captador de recursos para um fundo administrado pelo governo. Sei que parece piada, mas juro que é assim que funciona. Além disso, o governo só tem a tendência de liberar os recursos para os projetos de seu interesse. Isso tem um nome: sacanagem.
Fora isto, é óbvio que projetos polêmicos, contestadores, ou que não tenham apelo comercial são sumariamente rejeitados pelo empresário, que não gostará de ter seu nome aliado a uma peça de teatro, ou filme, ou um livro que seja de vanguarda, mesmo que o conselho já o tenha aprovado. Sem contar que o governo se acostumou mal, porque deixa de investir naquilo que é obrigação, como comprar livros para bibliotecas, lançar seus editais legais, restaurar patrimônio público, etc.. E é claro que os empresários preferem, por interesses que conhecemos bem, transferir seu imposto para projetos do governo, tornando a competição pela captação algo extremamente desigual.

O motivo pelo qual o governo é contra um fundo direto de verdade, onde os projetos aprovados pelo conselho tenham o dinheiro na sua conta, é que ele perderá os milhões para seus projetos, que deveriam sair da dotação orçamentária (hoje inexistente para a cultura) e não de um fundo que deveria ser destinado à produção, divulgação, incentivo e distribuição de cultura da sociedade civil.

O problema todo é que os técnicos do governo na área, que insistem nesse modelo que só é bom para o próprio governo, mas cruel com a sociedade, nunca foram visto no cinema, numa livraria ou numa peça de teatro local. A não ser, é claro, a pedido do governo, nas apresentações do balé Bolshoi, que recebeu três milhões de reais sem passar pelo conselho, e no balé da Dinamarca, duas atrações genuinamente catarinenses, e por isso merecedoras de cada centavo do imposto de seus cidadãos.

Enquanto isto, as bibliotecas estão sem livros, os editais não são cumpridos, o patrimônio público se deteriora e o governo ainda diz que o investimento para a cultura aumentou. Sim, é verdade, mas para seus sócios, não para a sociedade.

25 de junho de 2007

PELO FIM ABSOLUTO DA CENSURA

Se não me engano, nós estamos no ano de 2007 e vivemos em uma sociedade regida por uma constituição que diz em seu artigo 5o , inciso IV: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Mas alguns magistrados não entendem ainda, e tomam decisões contrárias ao princípio mais primordial de uma comunidade: o direito de se dizer o que se pensa.
Fora o já tão comentado “caso Roberto Carlos” e alguns casos absurdos de políticos processarem blogues de jornalistas por causa dos comentários de visitantes (notem que não é nem por opinião do jornalista) no seu sacrossanto direito de criticar funcionários públicos despreparados (ainda que eleitos), agora surge uma condenação que atenta violentamente contra a Constituição.
Falo do caso do neto de um personagem de uma peça de teatro ter processado por danos morais a editora que publicou a obra porque outros personagens da mesma peça não gostavam dele. Parece argumento de um livro de Franz Kafka. Imaginem agora se os descendentes do comandante alemão, Amon Goeth, contemporâneo de Oskar Schindler, processasse Steven Spilberg por retratar o comandante da “SS” como criminoso. Seria o fim de toda manifestação artística, independente do juízo estético que se dê a obra. Felizmente, nenhum tribunal sério aceitaria tal denúncia, porque ainda existe gente suficiente capaz de distinguir ficção de realidade. Porém, em Santa Catarina não só foi aceita, como condenaram os autores e a editora por danos morais a serem pagos ao neto do personagem; e solicita que o editor retire da peça todas as menções ao avô, além de proibir a circulação da mesma. O neto, ao que parece, deve estar profundamente abalado ao saber que no século passado existiam pessoas que não gostavam do avô.
Até onde meu parco conhecimento literário atinge, não existe uma única peça de teatro no mundo que não seja considera como sendo de ficção. Portanto, é uma invenção, ainda que baseada em fatos que supostamente tenham acontecido, como no filme A lista de Schindler. A peça aludida é uma mentira, e como bem argumentou Pablo Picasso: “A ficção é uma mentira que nos ensina a ver melhor a realidade”.
A sentença traz ainda argumentos que chegam a ser hilários, como este: “Na verdade, este tipo de narrativa requer maior cuidado do escritor, porquanto a criação de obra de ficção com personagens reais gera o risco de deturpar sua verdadeira história”. Primeiro, se juizes começarem a pedir a escritores que tenham cuidado, não existiriam nunca mais autores Flaubert, Gabriel Garcia Marquez, Oswald de Andrade, Machado de Assis ou José Saramago. Segundo, o magistrado se contradiz ao confirmar que se trata de uma peça de ficção (logo, destituída de culpa), mas pede sua “verdade”. Pergunto: como exigir verdade de uma ficção? Além do mais, acreditar numa “verdadeira história” é o mesmo que dizer que só existe um fato de uma história, o que não faz mais sentido há tempo.
Quando começam proibir que escritores escrevam, ou que o façam apenas de um determinado modo, alguma coisa de podre está por acontecer. Obviamente os réus entraram com recurso e a Constituição vai prevalecer, esperamos. E quem deve fazer algo contra esse atentado à Carta Maior é o leitor, porque se essa moda de censura voltar, quem vai perder é ele, pois corre o risco de não ter mais nem esse jornal ou a opinião contrária a decisões absurdas como a relatada. É importante que todos saibam que isso não é ficção, essa sentença existe e é uma ameaça a toda liberdade de expressão, inclusive a sua, caro leitor.

17 de junho de 2007

PARAR PARA PENSAR

Diferente do poeta Paulo Leminski, que só sabia pensar andando, eu queria ter o poder de parar de pensar. Aliás, o mesmo poeta disse que ninguém escreve bem, mas sim pensa bem. A única vez que paro de pensar é quando durmo. Pelo menos, esse pensamento determinado, consciente, retilíneo, porque sonhar – diferente de todas as crenças no inconsciente freudiano (ao qual dele penso apenas como graça) – não é parar de pensar, mas apenas pensar sem querer pensar. A vida é sonho?, pensou um certo Calderón de la Barca.
Já Renée Descartes quando escreveu (ou pensou?): "penso, logo existo", esqueceu daquelas coisas que existem e não pensam, como caixas de madeira, bolas de boliche, panos de limpar óculos ou cachimbos de espuma do mar. Colocamos onde, na catalogação mental a que somos submetidos, essa espécie de taxionomia obrigatória que a todo instante nos pede para comparar uma coisa com outra? Pensar, mais do que existir, é comparar?
Para o filósofo sinocoreano Tsung Li Ming, se houvesse pecado que devesse ser severamente punido pelos deuses (se existisse deus, ele gostava de salientar), haveria um único: o ato de comparar. Mas como viver sem colocar as coisas uma ao lado da outra – mesmo que apenas no pensamento (pensar é viver?) – e escolher uma delas? Se houvesse no mundo da música apenas essas duplas de cantores bregas, como Salomão e Salaminho, Bronco e Mascarpone, por exemplo, é bem provável (ainda no mundo das idéias) que eu gostaria deles. Mas depois da invenção do jazz, a comparação é inevitável. Por isso é que gosto se discute. Como gostar do que não se conhece? Como não gostar de algo sobre o qual você só conhece aquilo? Pensar é perguntar?
Engraçada é a expressão "parar pra pensar", oposta à lógica de que em algum momento alguém consegue "parar de pensar". Mas talvez seja possível mesmo, basta olhar os representantes políticos eleitos, no executivo e no legislativo. Não tenho dúvida de que quem os elegeu não parou para pensar no que estava fazendo, ou talvez tenha mesmo parado de pensar e por isso, sem ter com o que comparar, escolheu esses caras que, sinceramente, não pensam no que fazem, ou fazem sem pensar?
Pensar é também sinônimo de pesar, confirmando minha analogia quase impensada ao verbo comparar. Para comparar é preciso pesar. E quando algo pesa apenas para um lado – o que muita gente chama de "imparcialidade" – tende a ficar penso, assim como a Torre de Pisa, que como a caixa de de madeira, e desmentindo Descartes, existe sem pensar que é pensa.
Filosofar talvez seja o exercício de pensar sobre o pensar. Seja parando para fazê-lo, seja caminhando, como o poeta, o que faz alguém pensar que para pensar é preciso parar? Alguns filósofos atestam que não se pode pensar sobre o pensar, porque isso significa dizer que quando alguém está pensando pensa em alguma coisa de fora do pensamento e nunca sobre o próprio pensar.
Pensar é experiência tão fascinante quanto viver? Simultaneamente, talvez (é importante essa dúvida), as duas coisas, pensar e viver, não caibam numa mesma cabeça. Alguns escolhem viver, outros pensar. E parando para viver um pouco, e não para pensar (e se pensar é perguntar), pergunto: por que é dizem que pensando morreu um burro?

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...