1 de setembro de 2007

Favor não atirar nos estudantes

Da trajetória (digamos, por enquanto, "normal") de um ser humano que consegue escapar com vida, ainda que ferido, de balas perdidas, impostos jogados na lata do lixo, burrice coletiva, problemas no fundo olho, micoses, motoristas bêbados, comida estragada, a parte chamada adulta, que vai dos 30 aos 60, mais ou menos (sei que há controvérsias) é a mais reacionária de todas as poucas restantes (infância, adolescência e velhice).

O ser humano adulto é um mala de plantão, um moralista incorrigível. Deixa de ser o rebelde adolescente marxista (alguém conhece outro filósofo que tenha feito uma leitura tão precisa do capitalismo, e o fez na juventude, do que o jovem Marx?) para ser um sujeito amargurado, com opinião formada sobre tudo, tirada dos pastiches da revista Veja e do Jornal Nacional. O sujeito quando jovem tem a coragem de mudar o mundo, ainda que não mude. Mas vai às ruas pedir por uma vida justa, uma educação decente, um transporte público que funcione, defendendo, inclusive, os adultos que perderam a coragem de fazer o mesmo e ainda reclamam do jovem que o defende.

O adulto, depois que atinge o que ele considera como sendo seu status social, depois que deixa de beber vodka pra tomar uísque oito anos, ao incitar a violência contra jovens que o defende, está, sem talvez perceber, atirando em si próprio. Mas é normal essa cegueira, esse respeito súbito ao medo: "miedo de subir, miedo de bajar", como canta o uruguaio Jorge Dexler. Por sorte, logo um adulto fica velho e os velhos voltam a perder o medo e se tornam revolucionários novamente.

Por isto, caro policial, prezado jornalista, simpático adulto, juiz moralista, você mesmo, que pensa ser o mercado a salvação do mundo, que morre de medo de dizer o que sente e pensa, que abandonou o caderninho de poemas da juventude, você, prezado policial, carrancudo general, por favor, relaxem, vão conhecer mais sua própria história, curta mais o sol na pele, não vá hoje ao trabalho e não peça desculpas, diga que não pode ir e pronto. Ou você se julga tão importante assim que por sua falta o mundo subitamente deixará de girar?

Foram os adultos que inventaram o relógio e a palavra medo. E sobre nossos túmulos, disse o jovem poeta Drummond, nascerão flores amarelas e medrosas. Aliás, os poetas só são interessantes quando jovens, depois se transformam em versejadores burocratas, com medo de romper com a linguagem prosaica dos cálculos, dos horários, dos compromissos que não levam nada e ninguém a lugar nenhum.

Viva a preguiça, viva a malícia macuinaímica, abaixo os projetos mal alinhados com as revoluções necessárias, aquelas que levam a mudanças de paradigma e que deveriam acordar os homens dessa alucinação coletiva em crenças por si mesmo inventadas. Pela institucionalização do Apagão, únicos dias nessa ilha dos aterros onde os vizinhos tiveram tempo de se conhecer, onde não havia luz nem motores elétricos ligados, nem e-mails para responder, porém, ninguém foi menos feliz por isso.

Parem com essa mania de chamar a polícia para tirar os alunos da escola. Afinal, os adultos brigam tanto com os filhos para freqüentarem as escolas, que quando eles decidem ficar lá, acham ruim. Vá entender esses adultos. Por sorte, ser jovem não tem idade, por mais contraditório que isso possa parecer. Por isso, por favor, não atirem nos estudantes.

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