19 de janeiro de 2008

Para que serve o cronista?

A primeira resposta, pragmática, avisa que no jornal impresso não cabe mais o furo, e que por isso o leitor precisa mais da opinião sobre o fato do que sobre o fato em si. Os acontecimentos, não todos, apenas aqueles a que chamamos notícia, estão antes na internet e na televisão. Sobrou ao jornal impresso a opinião. Por vários motivos, entre eles: pouca gente sabe ler, tem tempo pra ler, gosta de ler, tem grana para comprar jornal (mesmo custando apenas R$ 2), a leitura é uma atividade restrita à maioria da população brasileira. O que sobra, uma espécie de elite leitora, quer opinião, imagino, porque já teve a notícia antes.

Mas será que vale essa primeira resposta? Afinal, antes da tevê e da internet já existiam os cronistas. Sinal, talvez, de que o leitor não se contenta apenas com o fatos. Mas houve um período, do final dos anos 80 do século passado, até o final dos 90, que os jornais impressos ainda guardavam a crença na notícia. Hoje, eles se diferenciam apenas pelas matérias investigativas financiadas pelo próprio veículo e pelos seus formadores de opinião. A notícia hoje chega aos jornais. Houve uma época em que os jornais procuravam por elas.

Mas o cronista, independentemente dessas transformações, continua a falar de si mesmo sem a menor cerimônia, como se sua vida fosse exemplar e especial. E não é, sabemos disso. Mas o leitor escreve dizendo que gosta (ou não gosta) tanto daquela lamúria melancólica, da história da mãe, da viagem com a filha, quanto da crítica aos costumes e aos idiotas no plantão dos governos. Seria o modo, a linguagem (onde, talvez, a crônica se aproxime um pouco da literatura, ainda que nunca venha a sequer encostar nela) com a qual o cronista comenta que interessa? Seria o acontecimento? Seria, ainda, a curiosidade do leitor sobre a vida do cronista? Seria nada disso?

Ainda que não saiba para que serve, o cronista segue com suas idiossincrasias, cata vocábulos, reinventa a língua, envia mensagens subliminares à mulher que não gosta dos prelúdios, se espelha, aguarda, crê em mudanças, enfim, de um modo ou de outro quer agradar o leitor. Mas, espera aí, pergunta o cronista. Afinal, quem é o leitor? Ele tem matizes de compreensão, de gosto, temas e tem uma extensão vocabular alheia ao cronista. Ainda que o leitor seja múltiplo, que leia apenas o que lhe interessa, que cata notas aqui e ali para avalizar sua própria opinião, que procura polêmicas, dissidências, recorta e cola pedaços de jornal numa pasta preta, fica enfurecido com algo sobre o qual discorda, passa pelo cronista na calçada e diz: continue assim, meu filho. Enfim, o leitor, como conjunto, não existe, mas é para ele que o cronista escreve, criando uma relação um tanto esquizofrênica, de culpa, cobrança, encantamento e crédito. Uma relação de alguém que não sabe para que veio ao mundo com aquele que não existe como unidade, ainda que seja escrito no singular: o leitor.

De qualquer modo, me orgulho dos meus oito (sim, outro dia alguém confessou timidamente ser o oitavo). Faça frio ou sol, seja contra ou a favor, sempre escreve ao cronista para agradecer, reclamar, elogiar, ou apenas para dizer que naquele dia ele não estava lá muito inspirado. Chego ao fim sem responder para que serve o cronista, mas talvez compreenda a fundamental existência do texto lírico-crítico no universo estranho, violento, às vezes doce, importante, noutras melancólico em que vivemos nas páginas do jornal impresso. Fica a pergunta: quem é o leitor?

12 de janeiro de 2008

O mundo alheio

Filósofos, no mundo dos gregos, eram mais do que pensadores. Eles praticavam medicina, toda sorte de experimentos científicos, escreviam a saga de sua geração, contavam a quantidade de planetas e astros, inventavam fórmulas matemáticas para explicar ou pensar o mundo, enfim, possuíam uma formação eclética e heterogênea.

Não é à toa que ainda dependemos muito de suas primeiras investigações.

Hoje, pais, tios e professores, desde a primeira infância, perguntam à criança, coitadinha, o que será quando crescer. Ela não pode querer ser bombeiro ou motorista de táxi, porque isso não dá dinheiro nem orgulho na hora do pai ou a mãe contar ao vizinho, como se ninguém no mundo precisasse de bombeiros ou condutores. Mas alguma coisa a criança tem que responder. E quando fala médico, advogado ou engenheiro, a família ri orgulhosamente alienada.

O objetivo da formação acadêmica hoje é formar sujeitos especialistas. Do cara que saber apertar exclusivamente um parafuso de seis polegadas, porém não consegue compreender o funcionamento daquele de duas polegadas (desculpem pela hipérbole necessária), até o outro que coloca e tira o coração escangalhado de um peito aberto mas não sabe quem escreveu Dom Casmurro, a sociedade hoje é composta de alienados, na expressão cunhada por Marx, porque desconhecem o alheio.

Sabemos muito bem o resultado de uma operação matemática simples, porém, somos incapazes de compreender o quanto talvez seja importante saber um pouco mais (e saber mais às vezes é saber menos) sobre a vida dos macacos. Esses nossos antepassados são capazes de nos mostrar que a espécie humana é mesmo uma evolução (ainda que às vezes "perder" seja evoluir) dos símios. Chimpanzés, quando disputam a liderança de seu grupo, são bem humanos.

Eles sobem nas árvores e distribuem frutos para outros macacos, mas tão logo alcançam a condição de líder abandonam seu altruísmo temporário. Com políticos é a mesma coisa.

A ausência de uma formação mais abrangente tem fabricado seres humanos especialistas notáveis, porém, alheios ao objeto de estudo do outro. Os outros, como escreveu Sartre, são o inferno. Criam-se, assim, linguagens específicas para determinadas tarefas que são incompreendidas por outros profissionais que realizam outras tarefas específicas. A educação moderna está formando cidadãos desinteressados em outros cidadãos que realizem tarefas cujo resultado lhe é útil, porém, não lhe interessa conhecer o processo. Muitos vão ao cinema, mas não sabem como se faz um filme. Sobem e descem elevadores, porém desconhecem seu funcionamento.

Admiram aviões modernos, mas ainda se espantam quando suas rodas levantam do chão.

A alienação é o pior hábito do homo xopins. O destino coletivo depende da partilha do conhecimento individual. Como votar sem conhecer? Como dizer sim sem conhecer? Como negar sem conhecer? Como mudar esse mundinho cada vez mais violento sem perguntar sobre suas causas? E o alheamento, talvez, seja a primeira delas.

2 de janeiro de 2008

O futuro não tem futuro

Buenos Aires - O futuro não tem muito futuro. Ele existe como linguagem, unicamente. Se considerarmos que cada milésimo de tempo corrido, (também uma figura de linguagem) ao invés de se transformar no futuro tão desejado, se veste mesmo é de um incômodo presente, fica mais fácil aceitar premissa tão despótica, ou fascista, como aquela que um outro amigo reclamava do poema de Manuel Bandeira que dizia assim: "Quando a Indesejada das gentes chegar / (Não sei se dura ou caroável), Talvez eu tenha medo. / Talvez sorria, ou diga:/ - Alô, iniludível!".

  • Por quê, então, nos apaixonamos tão intensamente por uma coisa que não existirá jamais, a não ser como linguagem? Compramos bilhetes de loteria, fazemos planos da casa própria, juntamos panelas, programamos jantares e orgias, aguardamos nove meses para ver a cara do rebento, que depois, num átimo de tempo, tem, sim, um futuro, alargado, encompridado num enorme presente.

    Tiramos retratos para aprisionar o passado, ou para nos vermos no futuro e dizer saudosos: "ah, que bom era aquele tempo". Mas que incapacidade enorme temos de deixar escapar aquele instante entre o "olha o passarinho" e o clique da máquina, uma exclamação ao presente, e dizer que aquele ínfimo momento era o único disponível? Ao invés disso, só pensamos em como ficará nossa cara no futuro daquela fotografia, ou em como daremos enormes gargalhadas ao nos vermos com roupas e cabelos tão fora de moda.

    O mestre Paulinho da Viola cantou: "Eu sou assim, quem quiser gostar de mim eu sou assim. Meu mundo é hoje, não existe o amanhã pra mim". Versos sábios o do sambista, que vive intensamente um presente da maneira mais humana, demasiadamente humana possível: cantando.

    Mas viver sem pensar no futuro é impensável para todos. Alguma coisa parece inevitável planejarmos, ainda que a iniludível ronde, e a gente a afugente com três toques sutis na madeira mais próxima. Quando menos percebemos, tateamos nossas mãos, penteamos o cabelo, olhamos no espelho as rugas que não são mais futuro, mas presente, e dizemos com certo alívio: "estamos vivos, apesar de tudo, veja bem, estamos vivos".

    O futuro pode ser uma folha de alface dobrada e de forma muito cuidadosa entregue pela mulher de nome Marina. Que mensagem encerra a folha? Que líquido a fez folha para um sempre quando? Que mensagem está escrita na sua língua de alface, ou na minha língua que nunca encontrou a sua? Tais questões, linguagens de enorme utopia, são a única virtude do futuro, porque é na pergunta sem resposta imediata que guardamos uma promessa de futuro. Aguardar respostas, único sentido de imaginar que num determinado presente, ainda remoto, possamos dizer: "Agora, sim, entendi". Mas mal descobrimos uma resposta, criamos outra pergunta, pois, já disse isso um dia destes, como viver sem perguntar? Enquanto isto, seguimos desejando um feliz ano novo, que é o que todos queremos. Mas o que é, afinal, ser feliz?

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...