30 de agosto de 2008

E os programas dos programas?

Começaram os programas eleitorais gratuitos no rádio, na televisão e nas ruas. Mais do que tentar convencer a população a votar, o princípio básico dos programas é iludir. Desde que o convencimento deixou de ser concebido com teor político e programático (quando o comício público ainda era o palco principal das eleições), passando para o universo da propaganda, os candidatos cada vez menos são donos de sua própria vontade e mais da ilusão marqueteira.

Da cor do terno ao tipo de corte do cabelo, da espessura da armação do óculos ao tipo de interjeição a ser usada em cada ocasião, o que predomina nos programas é a vontade do publicitário, não a divulgação de seus programas políticos. Os candidatos, desconhecendo o universo dos estúdios, das trucagens, das velozes ilhas de edição, ficam sujeitos à lábia do comerciante e se esquecem que o que devem divulgar são suas idéias, não aparências. Mas é claro que nem todos têm idéias para serem divulgadas, no que facilita muito a aceitação das trucagens.

Na história das eleições sempre foram usadas musiquinhas como truque de convencimento. Agora, aquilo que os colonizados adoram chamar de jingles, é o principal negócio de uma campanha. Os partidos reclamam, brigam, fazem alianças por míseros segundos na televisão e no rádio e usam esse tempo para quê? Tocar musiquinha.

Porque não ocupam o tempo para ensinar, por exemplo, aos eleitores, qual o papel de um vereador, ou para explicar que um prefeito não pode fazer tudo o que promete? Seria bem mais didático e útil à democracia, além de honesto. Sei que os publicitários se amarram nesse truque, porque a propaganda é o negócio da alma, não o contrário como todos pensam.

Os programas mais se parecem com comercial de margarina do que qualquer outra coisa. Começam com aquela seqüência de imagens lindas, trucagens incríveis, rostos de todas os matizes, gente vestida de tudo quanto é tipo, para mostrar pluralidade, e... nada. Ou os caras não têm mais idéias, o que é fácil de constatar, ou , o que é cruel constatação, fazem apenas aquilo que o eleitor quer ver.

Os candidatos morrem de medo de dizer no que acreditam, porque muitas vezes, dizer o que pensam é ir contra a vontade do eleitor. O produto não se encerra em suas virtudes, ele tem que parecer ser virtuoso. E para isso, nada melhor, crêem os marqueteiros, os candidatos e, o pior, os próprios eleitores, do que apostar no que não surpreende. Por conta disso, idéias ou programas com conteúdos radicais (que deveriam ir às raízes) nenhum deles têm coragem de fazer, porque a idéia do risco de perder voto é tenebrosa.

Desse modo, o programa do DEM, por exemplo, ou o do PT, em nada se diferenciam, nem no seu ideal nem na sua forma. Aliás, o formato é denunciador da falta de criatividade de soluções, ou mesmo que fosse o caso, de um debate profundo sobre as questões que afligem a cidade. Talvez os únicos programas onde se pode compreender alguma coisa ou concluir sobre a real capacidade deste ou daquele candidato, sejam os debates propostos pelas emissoras. O TRE deveria propor, ao invés dos programas gratuitos do modo como são feitos, a idéia dos debates. Talvez, desse modo, não perderíamos tanto tempo tentando compreender o que essa gente quer dizer com seus programas tecnicamente incríveis, mais de conteúdo cada vez duvidoso.

23 de agosto de 2008

Ciceroneando Vanessa

No começo desta semana, ciceroneei a publicitária e roteirista Vanessa, paulistana, que, como tantos, ficou encantada com a Ilha de Nossa Senhora dos Aterros. No primeiro passeio pelo centro histórico, admirou-se com a pouca altura dos prédios antigos (do que ainda resta desse acervo) e com sua singeleza arquitetônica. Passamos pela agência dos Correios, o Palácio Cruz e Sousa, a Catedral em reforma, e pelo pequeno acervo do casario envolto à Praça XV, misto de arquitetura colonial com peças modernistas. Pelas edificações novas, Vanessa não teceu comentários. Foi um silencio simbólico do óbvio. A arquitetura pós anos 1960 não difere em nada de qualquer cidade em qualquer lugar do mundo. Hoje, o que diferencia uma cidade de outra, o que lhe concede charme, o que chama a atenção, o que lhe torna única, é sua diferença arquitetônica e cultural, mais que sua natureza. Veja uma foto do centro de Cingapura e não haverá diferença alguma de Florianópolis.

Depois fomos ao aterro da Baía Sul. Avisei-a com cuidado que tudo aquilo ali, os camelódromos, os vazios, os estacionamentos, os restos de palmeira do projeto de Burle Marx, a distância do mar, o merdário bem na entrada da ponte, um monumento bizarro da maçonaria, a sujeira e o cheiro (misto de maresia e urina), o caixote do centro de eventos, o sambódromo, a vida de costas ao mar, tudo mesmo, um dia havia sido mar.

Ela quase não acreditou, e disse que a idéia de pisar sobre algo tão abandonado lhe dava medo, misturado ainda à idéia de que o mar, talvez um dia, pudesse querer recuperar o que foi seu. Disse a ela que não temesse, porque, infelizmente, a sabedoria humana capaz de fazer parecer terra firme aquilo que um dia foi líquido não é a mesma que fez transformar mar em merda.

Falando nisso, Vanessa contou a história de Tampa, na Flórida, que um dia já foi um pântano. Alguém, talvez seu padrasto com algum sotaque uruguaio, se não estou bem enganado, lhe disse quando ainda era pequena: Olha só, os norte-americanos conseguiram transformar um monte de merda em ouro. No Brasil, disse ele, tudo que é outro eles transformam em merda. A analogia serve para o aterro da Baía Sul.

Daniel é amigo de Vanessa, e paulistano igual. Mora há pouco menos de dois meses no Estreito, onde trabalha. Confidenciou, depois de uma cervejas, que nunca mais quer voltar a São Paulo. Tanto um quanto o outro acham a Ilha dos Aterros uma maravilha, da ponte Hercílio Luz às praias, do aparente sossego ao centro histórico, do silêncio à aparente segurança. Chego a conclusão que a Ilha dos Aterros é uma cidade aparente. Por trás da sua exuberante natureza esconde-se um dos piores índices de saneamento básico entre as capitais brasileiras, oculta-se uma das piores atuações públicas no que diz respeito à cultura. Diante de tanta beleza, vive uma das elites mais bregas do País, incapaz de se ver fora da sua própria ostentação, e que para mantê-la, não se furta de comprar licenças ambientais, subornar funcionários públicos e destruir mangues, poluir mananciais de água, construir prédios sem personalidade, enfim, fazer do que é público sua praia particular.

Esqueci de dizer que antes de tudo, tomamos um chope gelado na Kibelândia. Vanessa olhou para o pouco da lajota histórica que ainda se mantém ali, próximo da casa onde nasceu Victor Meirelles, e disse: que lindo. O resto, eu disse, virou asfalto. Aqui, tudo o que é belo se transforma. Ou em aterro, ou em piche, ou em merda. Vanessa foi embora no dia seguinte, porque tinha que ir. Mas ainda acha a Ilha dos Aterros uma maravilha. Perto de São Paulo, talvez seja. Mas se usarmos isso como consolo, que cidade teremos num futuro bem próximo?

16 de agosto de 2008

As razões da espera

A espera não tem razão, porque esperar é quase como não viver. Se eu esperar um dia ganhar sozinho em alguma loteria (uma espera estúpida, sendo que não jogo), posso perder o que me sobra viver sem o suposto dinheiro. Não construirei a escola na qual os professores receberão bem pelo ofício e que o pré-requisito para ser aluno seja a indignação. Não comprarei o cachimbo de nome Calabash, feito de espuma do mar, só existente em algum sítio da Turquia e na boca de Sherlock Holmes. Também não visitarei Badgá e Cusco, nem mascarei folhas de coca em Machu Pichu, muito menos voltarei aos becos que Pablo Picasso percorreu para chegar aos Quatro Gatos. A espera, vejam só, é cheia de nãos.

Do mesmo modo que não poderei (por esperar seja o que, ou quem quer que seja) fazer isso ou aquilo, adquirir ou pertencer, ou ter o que o "não" me concede. Sim, posso sentir o que não me é possível. Mesmo sem ter dinheiro, e não preciso de muito, como dizia Wally Salomão, sentirei a luz do sol, conversarei com os amigos, comerei o macarrão à bolonhesa do Alcindo da Cantina servido pelo Beto e cobrado pelo Alemão, arrumarei o cabelo contra o vento sul, caminharei toda a extensão da Hercílio Luz vendo os velhinhos que já perderam a noção do tempo à espera da indesejada das gentes chegar. Verei as meninas à espera do que nem elas mesmas sabem o que é; o rapaz aquele que pede esmolas, cujo direito de ir e vir não lhe pertence pelo pouco troco que recebe, e que por isso nada espera. Enfim, vejam só como a espera é cheia de sins.

A sabedoria, diziam os latinos, era se despir de todo medo e de toda expectativa. Se não há medo de perder nem medo de ganhar não há nem mesmo o que esperar. Enquanto se espera uma vitória temendo uma derrota todo o sentido da espera é também todo o sentido de uma vida para a maioria de nós. Talvez seja impossível viver sem esperar seja o que for: desde a espera para que o dia amanheça rápido até para que logo anoiteça. Quanto intervalo, quanta coisa se deixa de fazer quando se espera, pelo medo e pelo medo da espera. Sim, esperar é quase a mesma coisa que temer.

Esperar a vida na barriga ou esperar a morte, esperar o amor ou esperar que o amor acabe. Esperar pelo amigo que não vem, esperar que ele vá. Esperar a própria hora de não ver a hora que a espera chegue logo. A espera, vejam só, está em todas as palavras, não há como se livrar dela, e talvez reste apenas vivermos uma espera apenas digna, sem a ansiedade inerente a ela mesma. A espera é uma droga, a espera é o oásis, é o bem e o mal, é a dialética transformada em palavra. Nela residem ao mesmo tempo o verbo assistir do auxílio e o assistir de apenas ver o mundo passar.

Quem espera sempre alcança, dizem os que não sabem que tão logo o desejo esteja ao nosso alcance todo o sentido do esperar se evapora, não restando mais aquilo que se esperava ao alcançar, ainda que outro desejo o espere. Estou cansado de tanto esperar, do mesmo modo que não me canso de te esperar. Contraditório, eu sei. É por isso que espera não tem mesmo razão. A espera é uma caixa de contradições, e é nisso que reside a beleza da sua razão.

14 de agosto de 2008

Depois do sucesso de Lívia na bacia,
faço aqui o lançamento mundial
do segundo filme da série:
Lívia e o sentido da vida.

9 de agosto de 2008

  • Uma bomba sobre o Japão

    Hoje faz 63 anos que a cidade de Nagasaki foi destruída pela segunda bomba atômica lançada pelos Estados Unidos, matando aproximadamente 74 mil pessoas. Três dias antes, em 6 de agosto, muito cedo, enquanto boa parte da população de outra cidade, Hiroshima, ainda acordava, o presidente norte-americano autorizava o lançamento da primeira bomba, matando 140 mil pessoas. As duas armas acabaram com a vida de 250 mil pessoas, contando os efeitos posteriores da radiação, que mata até hoje.

    A crueldade do ataque não tem precedente. Aquelas pessoas que acordavam no Japão naqueles dias não escolheram participar da guerra, apenas nasceram naquele território. Não estavam uniformizadas, nem preparadas para qualquer batalha. Não foi, portanto, um ato de guerra, mas um massacre terrorista. E sendo assim, o maior de toda a história. Alguém foi punido? Não. O presidente norte-americano naquele começo de agosto chamava-se Harry Truman, e, ao que consta, morreu, em 1972, sem nenhum constrangimento por ter sido, possivelmente, o sujeito que mandou matar mais gente na história da humanidade.

    É curioso que a imagem mais conhecida dos ataques não tenha sido a de alguém mutilado, carbonizado, ferido que seja, até porque não existem registros do instante, a não ser do alto, e feita pelos próprios terroristas. O governo norte-americano priorizou a divulgação da imagem do vôo do avião B-29, conhecido como a fortaleza voadora. A fotografia imortalizada pelos vencedores, porque é sabido que a escrita da história é contada por eles, é do piloto Paul Tibbets à janela da aeronave batizada de Enola Gay, em homenagem à sua mãe Enola.

    Todo o simbolismo do ataque é amenizador. Do nome da mãe no avião, passando pelo adjetivo "alegre", ao "carinhoso" apelido da bomba, "Garotinho", tudo programado para fazer com que ninguém sinta culpa. O navegador do vôo, Theodore van Kirk, disse que levou uma Bíblia no avião, mas que nunca se arrependeu pelo que fez. Teve a desfaçatez de dizer que, se não tivesse feito isso, muita gente morreria. Pelo jeito, para ele, os que morreram nem eram gente. Talvez nunca tenham dito a Kir que a guerra já havia terminado, e que os milhares de japoneses assassinados não eram soldados e não estavam em guerra.

    A crueldade não pára por aí. Escolheram Hiroshima e Nagasaki por serem cidades rodeadas de montanha. Este detalhe geográfico, previam os executores da bomba, ampliou os efeitos da destruição. Mais do que uma vingança pelos ataques a Pearl Harbour, pouco mais de três anos antes, e mais do que a tentativa de acabar com uma guerra que já havia terminado, o que os Estados Unidos fizeram foi massacrar da forma mais violenta já vista mais de 250 mil pessoas, cuja única diferença com Paul Tibbets, sua mãe Enola, o navegador Theodore van Kirk e o presidente Truman era os olhos um pouco puxados.

    Hoje, apenas três países se recusaram a assinar um tratado para banir de vez do planeta a bomba atômica. Entre eles, os Estados Unidos. A cultura mais do que enraizada de seus cidadãos ainda acredita que Paul Tibets é um herói, só porque fez a homenagem mais imbecil e desumana que alguma mãe deve ter recebido em vida, e pelo seu sorriso sem graça na janela do B-52, quando pousou após o ataque. Os habitantes de Hiroshima e Nagasaki, há 63 anos, nem tiveram tempo de perguntar, como Pablo Neruda teve: "Sabes, porém, de onde vem a morte, se de cima ou de baixo?".

Diário Catarinense, 9 de agosto de 2008

2 de agosto de 2008

Não se faz política sem cultura

  • Cultura não é só política (e me refiro à aristotélica), é muito mais. Mas é impossível fazer política ou ser político sem cultura. O modo como um cidadão vota, como ele se candidata a um cargo público (muitas vezes achando que é privado), como se discutem as regras, tudo isso é cultura. A frase mais equivocada, e talvez a mais ouvida em época de eleições, é: "não gosto de política". Mal sabe esse falante, que seu enunciado, mesmo negando, é também um ato político. Portanto, não há como negar algo que se faz, mesmo sem saber que faz. Por isso que política é cultura, ainda que cultura não seja apenas isso.

    Mesmo assim, nos poucos debates feitos até agora, quase nada se falou de cultura. Mas a estas alturas, apesar de mais uma vez poder constatar o desprezo que a classe política tem pela classe artística, não é de estranhar. Um Estado que tem uma Lei de Incentivo escancaradamente inconstitucional e perversa, porque obriga produtores a serem captadores de recursos para o próprio governo, e que ainda acha feliz a bizarrice de ter numa mesma secretaria as funções do estímulo ao esporte e ao turismo, não é mesmo de se estranhar. Também não isentarei de culpa os próprios produtores que ainda enviam projetos e captam estes recursos. Dizem que é desespero, mas avalizar ilegalidades em nome do desespero é o primeiro passo para a barbárie.

    No plano municipal, o prefeito Dário Berger se elegeu com a proposta de criar um fundo municipal de cinema e lançar os editais de apoio à cultura. Estas eram as reivindicações, e são ainda, dos artistas e produtores. Transformar a política de apoio à cultura numa questão de estado e não de governo é tão pouco que parece absurdo que isso não tenha se concretizado. Mas nem esse pouco foi feito em três anos. A Lei Municipal de Incentivo à Cultura foi modificada sem que a classe fosse ouvida, e o único edital (ao teatro) também foi publicado sem a anuência dos interessados.

    Mas políticos têm pavor da palavra cultura, mal sabendo que esse mesmo pavor é em si mesmo cultura. Por isso é que nos debates não se toca no assunto, até porque eles nem têm idéia do que fazer, porque seus partidos não têm quadros para pensar sobre, porque intelectual e poder, como disse o poeta Drummond, são coisas quase incompatíveis, porque o intelectual de verdade sempre vai achar que o que ele mesmo está fazendo talvez ainda não seja o correto, porque intelectual é cheio de dúvidas. Políticos não. Eles trazem uma certeza em seus botões que é de admirar, porém, se arrepiam com a palavra cultura. Por isso é que Florianópolis não tem uma secretaria de cultura. Por isso é que Santa Catarina tem uma pasta onde se joga no mesmo saco o esporte e o turismo. Por isso é que ainda se perpetua essa lei abominável e inconstitucional no plano estadual, e que ninguém faz nada, nem o Ministério Público, nem o Tribunal de Contas e, pasmem, nem mesmo os mais interessados nela, que são os artistas e produtores.

    Talvez tudo isso seja reflexo de centenas de anos de um comportamento clientelista, onde os artistas pediam "uma ajuda" ao governo de plantão, ao invés de reivindicarem uma política democrática e coletiva, e o governo "dava", mesmo que apenas aos mais chegados. A cidade cresceu muito nestes últimos trinta anos, mas parece que apenas fisicamente, como um garoto crescido e sem juízo. Talvez seja a hora de qualificar o debate. Propostas existem. Falta apenas o principal, a compreensão de que não se faz política sem cultura.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...