16 de agosto de 2008

As razões da espera

A espera não tem razão, porque esperar é quase como não viver. Se eu esperar um dia ganhar sozinho em alguma loteria (uma espera estúpida, sendo que não jogo), posso perder o que me sobra viver sem o suposto dinheiro. Não construirei a escola na qual os professores receberão bem pelo ofício e que o pré-requisito para ser aluno seja a indignação. Não comprarei o cachimbo de nome Calabash, feito de espuma do mar, só existente em algum sítio da Turquia e na boca de Sherlock Holmes. Também não visitarei Badgá e Cusco, nem mascarei folhas de coca em Machu Pichu, muito menos voltarei aos becos que Pablo Picasso percorreu para chegar aos Quatro Gatos. A espera, vejam só, é cheia de nãos.

Do mesmo modo que não poderei (por esperar seja o que, ou quem quer que seja) fazer isso ou aquilo, adquirir ou pertencer, ou ter o que o "não" me concede. Sim, posso sentir o que não me é possível. Mesmo sem ter dinheiro, e não preciso de muito, como dizia Wally Salomão, sentirei a luz do sol, conversarei com os amigos, comerei o macarrão à bolonhesa do Alcindo da Cantina servido pelo Beto e cobrado pelo Alemão, arrumarei o cabelo contra o vento sul, caminharei toda a extensão da Hercílio Luz vendo os velhinhos que já perderam a noção do tempo à espera da indesejada das gentes chegar. Verei as meninas à espera do que nem elas mesmas sabem o que é; o rapaz aquele que pede esmolas, cujo direito de ir e vir não lhe pertence pelo pouco troco que recebe, e que por isso nada espera. Enfim, vejam só como a espera é cheia de sins.

A sabedoria, diziam os latinos, era se despir de todo medo e de toda expectativa. Se não há medo de perder nem medo de ganhar não há nem mesmo o que esperar. Enquanto se espera uma vitória temendo uma derrota todo o sentido da espera é também todo o sentido de uma vida para a maioria de nós. Talvez seja impossível viver sem esperar seja o que for: desde a espera para que o dia amanheça rápido até para que logo anoiteça. Quanto intervalo, quanta coisa se deixa de fazer quando se espera, pelo medo e pelo medo da espera. Sim, esperar é quase a mesma coisa que temer.

Esperar a vida na barriga ou esperar a morte, esperar o amor ou esperar que o amor acabe. Esperar pelo amigo que não vem, esperar que ele vá. Esperar a própria hora de não ver a hora que a espera chegue logo. A espera, vejam só, está em todas as palavras, não há como se livrar dela, e talvez reste apenas vivermos uma espera apenas digna, sem a ansiedade inerente a ela mesma. A espera é uma droga, a espera é o oásis, é o bem e o mal, é a dialética transformada em palavra. Nela residem ao mesmo tempo o verbo assistir do auxílio e o assistir de apenas ver o mundo passar.

Quem espera sempre alcança, dizem os que não sabem que tão logo o desejo esteja ao nosso alcance todo o sentido do esperar se evapora, não restando mais aquilo que se esperava ao alcançar, ainda que outro desejo o espere. Estou cansado de tanto esperar, do mesmo modo que não me canso de te esperar. Contraditório, eu sei. É por isso que espera não tem mesmo razão. A espera é uma caixa de contradições, e é nisso que reside a beleza da sua razão.

4 comentários:

La Vanu disse...

Bruggemann, pendurei um pedaço do teuu texto no meu varal...dá uma olhada lá, se vc não aprovar, eu despenduro:
http://admiradoresdevarais.blogspot.com/

Fábio Brüggemann disse...

aprovadíssimo, uma honra. obrigado. bj.

Ana Cláudia Menezes disse...

Lindo o seu blog, Fábio.

Um abraço,
Ana

Cachorro que Late disse...

eu que não me sento nesse apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar ;)

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