25 de outubro de 2008

Como viver só

Lembro de ter escrito, em algum destes sábados, sobre as conferências do filósofo Roland Barthes, às quais denominou Como viver junto. Por algum motivo, havia relido uma entrevista feita pelo escritor H.G. Wells com o ditador Joseph Stálin, e comentava a idéia de viver junto não no sentido, digamos, bíblico da coisa, mas no fato de o ser humano ser necessariamente gregário, entre outras questões.

Houve uma época em que a economia era movida pelos casamentos. Estado, Igreja e empresários apoiaram a construção de uma nova família, porque significava aumento de gente no mundo para consumir. Junto com isso, a "nova casa" própria (sonho quase moral alimentado pela tríade citada) incrementava a economia, fazendo felizes os que fabricam eletrodomésticos, as imobiliárias, as construtoras, e toda a cadeia de consumo. Mas um fator novo, nas últimas décadas, tem invertido um pouco essa lógica. Muitas pessoas, por motivos dos mais variados, inclusive até por convicção, vivem sós.

Criado em uma família enorme, com tios, primos, irmãos e agregados, sempre vivi em casa cheia, porém, no último ano, experimento a sensação de viver só. Mas deveria existir uma escola para os recém-sós. Panos de prato, por exemplo. Quando a diarista veio a primeira vez, perguntou-me onde eu os guardava, e eu acreditei que havia uma árvore que dava panos de prato. E a cera? A última lata que eu havia visto foi aquela que usei a tampa para fingir de volante para brincar de motorista. E Q-boa? Alguém sabe o que é isso? Roupa? Como as roupas se lavam? E as louças?

A primeira mudança substancial da vida de um recém-solteiro é o conteúdo do carrinho de supermercado. Saem as velas, os materiais de limpeza, o leite, os panos de toda ordem, e entram as bebidas, os bons azeites de oliva, as massas importadas, os cremes pós-barba mais caros, os DVDs, os CDs e as cerejas.

Viver só é divertido. Não há cobranças por horário, ninguém lhe reclama presença, pede socorro de madrugada, ou ronca ao seu lado. Mas para viver só, é preciso estar atento a duas coisas fundamentais. A primeira, jamais se esquecer de levar a toalha na hora do banho, e, a segunda, sempre deixar uma muda de roupa na mala, pois mais dia menos pode aparecer aquele vontade quase atávica de fugir de casa e abandonar-se, finalmente, a si mesmo.

8 comentários:

Cachorro que Late disse...

bom tema esse.

o supermercado do só é só supérfluos. um só necessita de supérfluos como nenhuma família grande. compensa pelas quatidades. um só pistache, um só bom vinho, um só bom filme, garantem uma boa noite de sono... só.

Anônimo disse...

esquisito, marca que minha conexao vem de "Cournon, Auvergne'. nao nao, estou em le mans, sarthe, pays de la loire e ai, quando vai aparecer por aqui com a srta luna?

com essa crise e todos esses azeites de oliva e massas importadas...

beijo, mariana.

Anônimo disse...

Se o que sempre mais admirei em ti foi antes o quanto tentas, e nunca o consegues, dissimular a imensa ternura que tens pelo vasto mundo,esse teu texto é uma daquelas crônicas que vale a pena e a dor de estar vivo.

Karl

Anônimo disse...

estar só nos causa realmente esta sensação de liberdade do esquecimento.....por vezes nos vemos dando nomes ao travesseiro tentando abraça-lo de forma diferente atrás do beijo do sono tranquilo em mais uma noite solitária.
O DIFICIL DA SOLIDÃO ME PEGOU EM ESPAÇOS TRANSITÓRIOS NÃO LUGARES TIPOS HOTÉIS ONDE AS FRONHAS SÃO TROCADAS CADA DIA LEVANDO O NOME E PERFUME QUE DAMOS AOS NOSSOS TRAVESSEIROS ANTESE DE DORMIR NESTES LUGARES QUE INSISTEM EM NÃO SER LUGARES..MAS TÚNEIS CHEIO DE PESSOAS QUE ESBARRAM-SE NOS ELAVADORES OU NO CAFÉ DA MANHÃ..
UM ABRAÇO;
LAU SANTOS

Viviane Mendonça disse...

Também ando praticando essa vida solitária, bacana, apesar de nem sempre confortante......o fato de estar só, nos remete o quanto importante é estar bem consigo mesmo, para justamente não ter que sair correndo.....e abandonar-se. Permaneço aqui e com saudades de ti e de nossas prosas que viram versos.....

besos.

Viviane

La Vanu disse...

oioioi, que a solidão enlouquece...

http://www.youtube.com/watch?v=OOp0QFAnTS4&feature=related

Bj

Daniel Olivetto disse...

antes só que mal acompanhado de si mesmo [diria um amigo esquizofrênico]

bem, nem sei mais...

abraço, canalhaaaa

Anônimo disse...

Às vezes acho mais fácil comprar leite do que vinho português.

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