31 de janeiro de 2009

O que eles leem?

Nesta semana, o prefeito Dário Berger enviou à Camara de Vereadores da Capital, em sessão extraordinária, projetos que modificam a estrutura administrativa do município. Um dos pontos da reforma vincula a gestão pública da cultura, através da Fundação Franklin Cascaes, a um tipo de supersecretaria que engloba também turismo e esporte.

Se o prefeito e os vereadores que aprovaram o projeto (temporariamente anulado pela justiça) fossem mais ao cinema, frequentassem mais livrarias, visitassem mais exposições, fossem mais ao teatro, enfim, conhecessem a produção cultural da cidade, saberiam que a ideia de juntar cultura, esporte e turismo é extemporânea e absurda.

A Franklin Cascaes tem facilidades de captação de recursos (por ser fundação) que a secretaria por si não dispõe, porque a dotação da secretaria está vinculada ao orçamento geral do município. O problema é que políticos têm pavor da palavra cultura, e, é óbvio, que usarão toda a estrutura da Franklin apenas com a finalidade de obter recursos para projetos de turismo. Afinal, que outro interesse teriam?

O senhor Mário Cavalazzi foi tão infeliz na ideia da junção quanto no modo de expressar a justificativa pela urgência de sua aprovação. Ele disse que primeiro aprovaria a proposta e depois conversaria com os produtores. Ué? Sempre me pareceu que a democracia acontecesse justamente pela ação oposta. Primeiro conversa, ouve, debate, e só depois propõe o consenso. Mas é claro que pessoas que não têm intimidade com arte e cultura não teriam também nenhuma habilidade em debater.

De qualquer modo, não dá para esquecer que o prefeito, na sua primeira gestão, havia prometido a criação de um fundo municipal de cultura, o lançamento de editais públicos para a área e a criação de um programa municipal de cultura. Isso nunca aconteceu e, pelo seu jeito bronco de ser, jamais acontecerá, porque precisaria conversar muito com os produtores para chegar a um projeto inteligente.

Mais do que a vontade do secretário e do prefeito em ignorar os produtores e artistas, me espantou também a adesão em massa dos vereadores na aprovação do projeto. Sinal inequívoco de que nem mesmo o que eles aprovam eles leem.

Diário Catarinense, 31 de janeiro de 2009

24 de janeiro de 2009

Paisagem quase lunar da Guarda do Embaú.

O Inventalínguas

Roland Barthes, numa das suas magistrais aulas (essa, especificamente, chamou de Leçon), comenta sobre a língua como prisão. Ele diz que ao nascermos as coisas já tem nomes. Não somos nós, neófitos na língua, que batizamos os objetos ou os sentimentos. Objetos talvez tenham sido mais fáceis de nomear. Mas sentimentos? Estes são tão difíceis que até hoje muita gente discute suas semânticas. São capazes de dizer: “amor pra mim é isso, paixão pra mim é aquilo”. Não há uma ideia precisa do que chamamos o que sentimos, ao contrário das coisas. Mesa é mesa, cadeira é cadeira, estão lá, associados, unha e carne. Se alguém disse: coloque a maçã sobre a mesa, pouca dúvida haverá sobre a ordem. Porém, se disser eu amo fulana” será possível ser coberto de questões do tipo: “mas é amor de verdade?”, “que tipo de amor”?

Em algum instante do mundo, como no próprio primeiro instante, alguém teve a felicidade de dar nome às coisas. O sujeito estava lá, olhando pro céu e pensou: céu. Dali por diante, todos sabem que céu é aquilo. O único lugar, segundo Barthes, onde é possível trapacear essa prisão, é na literatura. Podemos chamar mesa de “plunt” e o leitor que goste ou não. Literatura não é agrado, a literatura não existe para explicar, a literatura não é jornalismo nem tese, nem ensaio. A literatura é lugar onde podemos mandar às favas os acordos ortográficos feitos nos gabinetes. Se o povo é o inventalíngua, como disse o poeta Maiakovski, por que não ouviram a voz das ruas para dar sentido à nova ortografia? Se apenas 11% dos brasileiros sabem ler e compreender o que estão lendo, e ainda assim numa confusão ortográfica que vai do poético ao risível, o que será agora? Levamos anos brigando com os hífens, os acentos, as crases, e agora teremos que reaprender a língua?

Melhor é voltar à literatura, fazer como João Ubaldo e Saramago que se julgaram velhos para reaprender a escrever. Do mesmo modo, na literatura, trapacearei a língua e continuarei a colocar as tremas e o acento na palavra ideia. Infeliz do sujeito que ideia tirou-lhe o traço que dá plasticidade a uma coisa tão sem valor ultimamente: as ideias. Portugueses, brasileiros, chineses, caboverdianos, timorenses, moçambicanos, angolanos continuarão com seus modos de falar, por sorte, porque se alguma coisa ainda me comove nesse mundo é justamente a diversidade.

Diário Catarinense, 24 de janeiro de 2009

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...