25 de abril de 2009

Digressões sobre o sentir

Quando alguém diz “sinto muito” está querendo dizer que nada sente. É apenas uma desculpa para dizer que não sente nada, que chegou ao ponto que nada pode fazer a não ser dizer que “sente muito”. Dizer que sente, muito ou pouco – já que não existe medida para o sentir – não é sentir, é apenas dizer. Quando alguém diz “sinto muito” é isto que sinto: uma espécie de piedade disfarçada, porque não há mais nada a sentir a não ser “sentir muito”, de preferência com um sorriso de Pilatos lavando as mãos.

Quando alguém diz que não sabe o que sente não quer dizer que não sabe o que sente, mas quer dizer mesmo que não sente nada, porque se sentisse mesmo alguma coisa, diria: “eu sinto”, nem muito nem pouco, apenas: “sinto”. Ou nada diria, o que é melhor. Sentir é abstrato. Num dia sentimos, por exemplo, saudade, e no outro dia nem lembramos mais, seja de alguém, seja de um fato, seja de um objeto. Não sei se sinto saudade (será que quero dizer que não sinto nada, pela minha própria tese digressiva?) de alguém ou do modo de ter estado junto.

Se calcular a centimetragem do sentir já é algo tão inútil quanto contar estrelas, ainda que seja poético fazê-lo, talvez seja mais fácil calcular o tamanho do autoengano quando dizemos, quase por impulso, moda, estilo, ou só porque é simpático dizer, que um dia (sabe-se lá quando) sentiremos saudade. Saudade não é uma escolha. Não sabemos nunca quando ela apertará, nem quando teremos vontade de chorar de tanto senti-la.

A saudade, seja de um terreno baldio, seja de um dia cinzento, seja do sótão da casa onde dormíamos de porta aberta porque não havia medo de balas perdidas, não tem mesmo medida nem hora. Mas o que dizer de uma saudade que sinto do futuro? De alguém cujos movimentos não conheço e nunca senti seu cheiro? De alguém cujo sentimento é só palavra? Não sei muito bem o sentido deste sentir, por isso não posso dizer “sinto muito” ou que não sei o que sinto, mesmo que seja o máximo da contradição. Sentir é contradizer. Sentir é só sentir, mas eu sinto.

18 de abril de 2009

Natureza não tem dono

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, usando de uma prerrogativa que lhe cabe, que é o de defender o meio ambiente e a Constituição, disse que prenderia quem ferisse o Código Florestal Brasileiro. No que lhe dou toda razão. Defender a Constituição não é um ato ditatorial, como afirmou num discurso maniqueísta o governador, muito pelo contrário. Ditadura é ferir princípios constitucionais.

Propor um código a priori inconstitucional, e ainda por cima, pelo menos em parte, poluente, é uma maluquice sem fim, beirando a ideais separatistas. Não sou favorável ao centralismo total, principalmente no que diz respeito à distribuição de renda, mas a Constituição deve ser respeitada, seja por quem está no governo, seja por quem não está. Se não for desse modo, daqui a pouco terá governador propondo a aberração da pena de morte em seu estado para atender uma suposta “necessidade regional”.

Os discursos dos deputados estaduais repudiando o ministro, em defesa do código que aprovaram (muitos nem o leram, e votaram porque o rei mandou; outros, considerados de esquerda, vergonhosamente se abstiveram), foi a coisa mais patética que assisti na tevê da AL. Alguns chegaram a comentar o colete que o ministro usava, sem entrar no mérito da questão, porque obviamente não têm capacidade para tal.

Santa Catarina é o Estado que mais desmata no país. Será que é só coincidência o fato de ser também um dos que mais sofre por desastres ambientais? A natureza não pertence aos agricultores, mas a todos. Portanto, da parte que me cabe destes rios e matas, eu quero que suas plantações e cortes de madeira fiquem bem longe, por favor.

A defesa da devastação da natureza em prol de um sistema arcaico de plantação é análoga a defesa que os senhores de engenho usavam contra os abolicionistas. É tão paradoxal que agora “ambientalista” e “ecologista” são palavras pejorativas, como foi no passado “abolicionista”. É preciso compreender que se não quisermos mais desastres devemos repensar os paradigmas de produção e consumo agrícola. Alguns artigos do código catarinense favorecem apenas aos donos de terra, especuladores, e gente que não está nem aí com o ar que respiramos, apenas com o lucro que terá ao poluir a natureza. E ao que me consta, ela é de todos, não de meia dúzia de senhores de terra.

11 de abril de 2009

Crítica e público

Existe uma diferença sempre latente entre o gosto geral, do público (mesmo que não saibamos definir bem o que seja “público”, pela sua heterogeneidade) e da crítica (igualmente). Ainda assim, é comum, principalmente em festivais de música, dança ou cinema, o voto popular ser diferente do voto da crítica.

Do mesmo modo que não dá para generalizar o gosto do que chamamos de “público”, existe um gosto médio, de uma maioria. Ele é formado pela comunicação de massa, principalmente a televisão. Se a Ivete Sangalo aparece todos os finais de semana na tevê, por que a maioria que a assiste gostaria de ouvir música melhor? Ninguém pode gostar do que não conhece.

O problema da formação do gosto, e por isto a máxima de que o gosto não se discute não tem sentido, é que alguém só pode gostar de algo se primeiro conhecer, e, em segundo lugar, gostar do que é consenso. Afinal, poucos gostam de se sentir sós, inclusive na divisão do gosto.

Os meios de comunicação de massa não fazem a menor questão de que a maioria das pessoas tenha uma boa formação intelectual ou cultural. A tendência, seja nas rádios, seja nas tevês, nas revistas, nas livrarias, é ter cada vez mais do mesmo. E esta tendência é que faz com que o público se distancie da crítica, porque o crítico procura, garimpa, vai ouvir o que não toca na rádio, o lado B, como se dizia na época do vinil. E por isto sua formação é diferente. Mas é óbvio que mesmo críticos, por sorte, divergem também, e muito.

Outro dia vi no Youtube um debate entre os escritores, já mortos, Nelson Rodrigues e Otto Lara Resende. (veja aqui: parte um, parte dois, parte três) O programa durou pelo menos meia hora, foi exibido num canal aberto, na Rede Globo, e era uma conversa franca, sobre vários assuntos. Hoje, este debate não levaria um minuto, só seria exibido num canal fechado, ou seja, passaria ao largo do suposto “gosto da maioria”. É óbvio, portanto, que a formação do gosto só pode ser ruim, porque se em algum momento da história Nelson Rodrigues e Otto Lara debatiam francamente, e hoje quem debate são uns debiloides num aparente show-realidade, com uma audiência fantástica, o que podemos esperar do gosto público? Pelo jeito nada. A não ser que a tendência de se distanciar do gosto da crítica seja cada vez maior, infelizmente.

Diário Catarinense, 11 de abril de 2009

4 de abril de 2009

A quem os deputados defendem?

A aprovação absurda do código ambiental no começo desta semana, pelos deputados estaduais, teve, de um lado, os defensores, o governo e os agricultores e donos de terra, e, de outro, os ambientalistas. A população, no geral, esteve apática, como se nada disso tivesse a ver com ela. Talvez tenha sido este o grande problema. Os agricultores afirmam que a atual legislação federal os impede de plantar mais e de cortar mais árvores para plantar mais. A distância das margens dos rios para uso e plantio, cujo código brasileiro diz que deve ser de 30 metros, passou para cinco no código estadual. O impacto, até um bebê sabe disto, será tremendo. Os agricultores e donos de terra têm interesses pessoais, que é o de ampliar sua capacidade de produção. Mas precisamos saber que estes interesses prejudicam essencialmente o meio ambiente, mesmo que a produção seja ampliada.

É preciso que nós, que não somos donos de terras, mas consumidores desta produção dos donos de terra, escolhamos entre um futuro sem desastres ambientais ou um pouco mais de comida na mesa. A produção ostensiva de suínos no Oeste catarinense, por exemplo, é uma das maiores poluidoras da região. O que você prefere? Comer mais porco ou ter uma vida melhor? Você quer comer mais maçãs ou ter sua casa destruída pela enchente ou não ter água para beber no futuro? Estas eram as perguntas que os deputados deveriam ter feito antes de ter votado. A aprovação do novo código, além de inconstitucional, é um desastre maior do que o ocorrido no final de 2008, escreveu, na Folha de S. Paulo, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Sem contar que Santa Catarina já sustenta o título de campeã nacional de desmatamento dos remanescentes da Mata Atlântica.

Precisamos mudar radicalmente nossa postura diante da ocupação violenta da natureza, e ela passa também pelo apoio a todas as medidas, mesmo as radicais, a favor do meio ambiente, ou deixaremos a nossos filhos um enorme rastro de desastres, rios sujos, furacões, mais e mais enchentes, mais deslizamentos e, quem sabe, um belo deserto. Para quem se pretende ser um Estado turístico, nada mal começar destruindo aquilo que o turista vem buscar aqui, a natureza. Os nobres deputados catarinenses, incluindo os que se vergonhosamente se abstiveram, mostraram ao resto do país que Santa Catarina é um Estado muito pobre e muito tacanho mesmo no que diz respeito ao meio ambiente. A quem eles defenderam mesmo?

Diário Catarinense, 4 de abril de 2009

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...