30 de maio de 2009

O Funcultural e o Tribunal de Contas

Há muito tempo que artistas, intelectuais e produtores culturais reclamam da ausência de uma política pública para a cultura. Para que não pensem e digam e falem que se trata de uma pendenga pessoal com este ou aquele governo, essa ausência é quase atávica. Ela existe desde que a Santa e Brega Catarina tem esse nome. Nunca houve uma política séria e democrática para a área. E é preciso fazer o mea culpa, porque os que reclamam talvez não tenham feito a coisa certa, ou tenham um medo atávico de reclamar, avalizando, assim, as políticas detestáveis de governo, em detrimento de uma política de Estado.

Precisou o Tribunal de Contas, num levantamento muito sério, relatar o óbvio. Qualquer um que lida com essa coisa quase abstrata chamada cultura, mas que depende dessa coisa quase concreta que se chama dinheiro, sabe que o Funcultural é quase uma aberração jurídica, do modo como ele funciona. Para que o leitor tenha uma ideia rápida, funciona da seguinte maneira.

Você quer publicar um livro. Faz um projeto e envia para o Funcultural. Tem um Conselho Estadual de Cultural. Ele se reúne e diz se teu projeto é bom ou não. Se aprovado, você bate na porta de algum empresário que dirá, com dinheiro que não é dele, mas do Estado, se teu livro merece ser publicado, mesmo que o Conselho já tenha dito que sim. Mas a novela não termina aí. Se você levou sorte, o empresário deposita a grana numa conta do governo para o teu livro. Mas o governo, aí está uma sacanagem do negócio, só libera quando bem entender. Tem gente, segundo o TC que já aprovou e captou há mais de ano e até agora nada.

Mas a maluquice não para por aí. O TC revelou que 40% da verba foram destinadas a apenas cinco projetos. E dois deles, adivinha quais são? Sim, o leitor acertou. Um é o Balé Bolshoi e o outro o Instituto de Dança de Joinville. Ou seja, política de governo, e não de Estado, como deveria ser. Se o leitor for experto e pesquisar por aí, saberá quem são os sócios destes institutos, que, inclusive, por conta de escândalos, só não foram parar numa CPI porque na Assembleia Legislativa tá tudo dominado. Sem oposição, e sem que o levantamento seríssimo do Tribunal de Contas, e que merece o aplaudido, tenha validade punitiva, passaremos mais alguns anos, iguais a trouxas, captando dinheiro público na iniciativa privada para financiar projetos do próprio governo.

23 de maio de 2009

Perto, bem perto

Uma pergunta que muita gente faz para quem escreve é de onde vem a inspiração. Antes de responder, sempre digo que a priori não creio em inspiração. O que já é uma resposta. Se não creio, como poderia saber de onde ela vem? A ideia da existência de uma musa que sopre no ouvido os versos já prontos ou de que o escritor é um sujeito passível de ser inspirado é muito antiga. Por conta disso, fica difícil desassociar escritor da ideia de musa. Escrever não é uma atividade comum, não exige curso superior, e a densidade escritor por metro quadrado é bem pequena.

Para saber escrever é preciso, antes de mais nada, saber ler. Isso vale para qualquer atividade humana. Ninguém decide ser ator sem nunca ter ido ao teatro. Dificilmente um sujeito opta pela arquitetura sem ter se encantado com alguma forma, e por aí vai. Ao que chamam de inspiração, nada mais é do que uma espécie de memória afetiva, que vez ou outra surpreende com alguma imagem, ou ideia. Mas ela não é estranha, estrangeira, ou venha de fora de nós. Só podemos escrever sobre aquilo que conhecemos.

Nem sei, na verdade, porque estou falando sobre isso. Talvez seja a famosa embromação, doença que acomete cronistas de vez em quando. Não por falta de assunto. Eles não faltam, basta abrir os jornais, caminhar no calçadão, ouvir uma conversa no café sem que os que falam percebam, ler um livro, enfim, conhecer alguém. Poderia falar sobre os dias lindos que têm feito, sobre o friozinho bom. Assunto nunca falta. Até mesmo a falta de assunto é um assunto.

Mas tem dias que tudo fica meio entorpecido. Dá vontade de falar sobre nada mesmo, apenas sentar no banco da praça e contar quantos passantes têm blusa amarela, quantos usam anéis, ou no que está pensando aquela senhora com sacolas na mão e passo apertado.

Vontade mesmo é de fechar os olhos e sentir o calor do sol, não dar nome às coisas, apenas querer ter nascido pelo menos vinte anos mais tarde, para que qualquer diferença não fosse sentida, não causasse confusão, e querer ficar perto, bem perto. Tão perto que nem o fio da luz do sol consiga passar por entre os corpos.

16 de maio de 2009

Na escola Adelina Régis

Em Videira, no Meio-Oeste de Santa Catarina, tem uma escola pública diferente, a Escola de Educação Básica Professora Adelina Régis. Desde 2003, uma de suas professoras, Lia Colomé, com apoio fundamental da Unimed e de todo o corpo docente, coordena o projeto Encontro Marcado, idealizado por ela.

A ideia é simples, mas revolucionaria, como comentou comovida a diretora interina, Rosilene Zago, na abertura da 12ª edição do evento, que aconteceu na última segunda-feira. A cada edição, um escritor é convidado a visitar a cidade e conversar sobre sua obra com os alunos da escola. Nesta edição, este escriba aqui ficou até antes de ontem na região, e conversou também com estudantes não só da Videira, mas de Iomerê, Pinheiro Preto e Fraiburgo, numa maratona de debates, onde pude perceber que os adolescentes têm um interesse enorme pelo que escrevemos.

Já passaram pelo projeto, meus colegas desta página, Amílcar Neves e Maicon Tenfen, além de Silveira de Souza, Flávio José Cardoso, Júlio de Queirós, Donaldo Schüler e Maria de Lourdes Ramos Krüger, entre outros. E o projeto cresceu tanto, seja pelo interesse dos alunos, sem o qual a ideia não teria sentido, seja pela disposição da Lia, seja pelo apoio fundamental da Unimed, da Rita, da doutora Magali, dos doutores Flávio e Adroaldo, e tantos outros, que neste ano ainda, visitarei mais de uma dezena de cidades.

Isso significa que uma proposta saída de uma escola pública estadual, no interior do Estado, conseguiu exportar internamente, digamos assim, um projeto revolucionário. A ponto de diretoras de outras escolas e a própria Unimed solicitarem a visita dos escritores em outras cidades, por perceberem que este contato é uma das chaves para a formação de futuros leitores. Num Estado onde os governos fazem questão de manter o povo na ignorância, acreditando que cultura e educação é trazer cursos de dança da Rússia, bales da Polônia, entre outras aberrações como o funcionamento esquizofrênico do Funcultural, professores de escolas públicas, cientes de que eles são Estado e que os governos passam, entendem que a revolução cultural começa mesmo é em casa, silenciosa, mas muito mais eficaz do que os milhões gastos com propagandas enganosas, e projetos não mais que risíveis.

10 de maio de 2009

QUEM QUER TURISTA?

Na semana que se inicia, pouco mais de 500 pessoas debaterão o turismo na Ilha de Nossa Senhora dos Aterros. Mas não pense o leitor que entre os convidados estarão pessoas que há muito debatem publicamente o presente e o futuro urbano, social, cultural e turístico da cidade.
Na reunião, mesmo que financiado com R$ 5 milhões pelo governo estadual e mais R$ 2,5 milhões da Embratur, só poderão entrar magnatas dispostos a pagar US$ 5 mil pelo ingresso.A primeira leitura que se pode fazer deste evento é a de que os problemas que atingem diariamente a convivência pública dos habitantes da Ilha não serão debatidos por quem vive aqui, mas pelo que o governo estadual chama de potenciais investidores. Mas não seria correto primeiro conversar com a população para saber se ela quer? E se quer mesmo, de que forma isso pode acontecer?
Ou o leitor pensa que quem pagará tanto pelo ingresso estará interessado em como acabar com a marginalização crescente das comunidades carentes ou com a falta de espaços de lazer, de investimento em cultura e educação, em comandar uma ação que tire a Capital do Estado da vergonhosa condição de segunda pior Capital no que refere a saneamento básico, ou que discuta os crimes ambientais e sociais cometidos diariamente por parte daqueles que desconhecem, seja por por ignorância, seja por ganância, o real significado das palavras futuro e planejamento urbano? Por que o investimento nos debates sobre o Plano Diretor Participativo foram tão minguados, ridículos até, se comparados com o WTTC.
Um evento que já foi rejeitado pelo próprio Ministério do Turismo, que considerou o custo benefício muito aquém do desejado. Por que uma coisa que não serve ao Brasil serviria para Santa Catarina? Seria mais uma demonstração do governo de querer separar, tal e qual com o Código Ambiental, o Estado do resto do país?Não creio. Acredito mesmo que há um deslumbramento irracional, uma falta de visão democrática sobre os processos de construir uma cidade que aos poucos vai destruindo seu patrimônio cultural e ambiental. Talvez porque este deslumbre impeça de se fazer perguntas fundamentais a estas alturas, tais como, quem quer mais aterros? Quem quer mais viadutos? Quem quer mais centros de compras sobre o mangue? Quer quer mesmo jogar golfe no Costão do Santinho? Quem quer mesmo mais turistas?

2 de maio de 2009

DECLARAÇÃO DE RENDA


Prezado senhor diretor da Secretaria da Receita Federal. Venho, por meio desta, mais uma vez, declarar minha renda anual. Para começar, declaro que nada deste mundo que por ventura esteja próximo de mim, seja meu mesmo. Estas coisas apenas estão provisoriamente comigo. Como não creio em vida eterna, não tenho nenhum interesse em levar tais tralhas comigo no dia em que virar semente. Além do mais. sou um sujeito muito antigo, diriam meus amigos, porque ainda concordo como um tal Pierre Joseph Proudhon, que morreu 97 anos antes de eu nascer, quando disse que toda a propriedade é um roubo.

Circulo por aí com um automóvel  importado, sim, fabricado em 1995 do século passado. Faz tempo que o mecânico disse que precisa fazer o motor dele. Mas como não tive renda no ano que passou, apenas recebi o suficiente para sobreviver, o referido bólido continua fumegando. Até onde compreendo, renda é aquilo que sobra. Sendo assim, declaro, prezado diretor, que não sobrou nada do minguado exercício 2008.

No mais, declaro que comprei um sofá usado, da minha amiga Cláudia, mas foi ela quem pagou o frete. Declaro também que comprei alguns livros novos com meu amigo Daniel, da Livros e Livros, e outros usados na banca do Lima, ali na Catedral. Para o senhor ter uma ideia, não consegui sequer comprar um cachimbo novo. Os que entraram na coleção foram presentes do Marco e da Loli, que trouxeram da Índia, e outro da Carmem, que trouxe da Turquia. 

Ah, declaro que comprei um vestido muito bonito pra minha filha, a Luna (cujo nome completo e CPF estão na parte dos dependentes), uma garrafa térmica nova para o mate matinal, um jogo novo de pilhas recarregáveis, algumas canetas, um par de sapatos e uma camisa na última liquidação de verão, uma armação de óculos nova (apenas porque o oftalmologista disse que com a velha eu estava perdendo a visão periférica), duas resmas de papel ofício, o último disco do Tom Zé, que aliás, senhor diretor, está bom demais, e dois pneus dianteiros recauchutados para o carro supracitado, 

 Declaro ainda, senhor diretor, que fico com pena daquelas que tiveram renda e pagaram ao Estado para ter um sistema de saúde bacana, infra-estrutura, educação, cultura e, coitados, ainda tiveram que pagar plano de saúde privado, escola particular e pedágio.  Mas, de qualquer maneira, parece que alguns deputados, seus parentes e amigos souberam usar bem essa renda. Declaro, portanto, que mesmo não tendo renda, já paguei uma grana de imposto, tirada de cada prato de arroz que comi, de cada caneta que usei. Portanto, declaro mesmo que tenho pena de mim mesmo, por ser apenas mais um brasileiro idiota jogando dinheiro pelo ralo.


Diário Catarinense, 2 de maio de 2009

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...