2 de maio de 2009

DECLARAÇÃO DE RENDA


Prezado senhor diretor da Secretaria da Receita Federal. Venho, por meio desta, mais uma vez, declarar minha renda anual. Para começar, declaro que nada deste mundo que por ventura esteja próximo de mim, seja meu mesmo. Estas coisas apenas estão provisoriamente comigo. Como não creio em vida eterna, não tenho nenhum interesse em levar tais tralhas comigo no dia em que virar semente. Além do mais. sou um sujeito muito antigo, diriam meus amigos, porque ainda concordo como um tal Pierre Joseph Proudhon, que morreu 97 anos antes de eu nascer, quando disse que toda a propriedade é um roubo.

Circulo por aí com um automóvel  importado, sim, fabricado em 1995 do século passado. Faz tempo que o mecânico disse que precisa fazer o motor dele. Mas como não tive renda no ano que passou, apenas recebi o suficiente para sobreviver, o referido bólido continua fumegando. Até onde compreendo, renda é aquilo que sobra. Sendo assim, declaro, prezado diretor, que não sobrou nada do minguado exercício 2008.

No mais, declaro que comprei um sofá usado, da minha amiga Cláudia, mas foi ela quem pagou o frete. Declaro também que comprei alguns livros novos com meu amigo Daniel, da Livros e Livros, e outros usados na banca do Lima, ali na Catedral. Para o senhor ter uma ideia, não consegui sequer comprar um cachimbo novo. Os que entraram na coleção foram presentes do Marco e da Loli, que trouxeram da Índia, e outro da Carmem, que trouxe da Turquia. 

Ah, declaro que comprei um vestido muito bonito pra minha filha, a Luna (cujo nome completo e CPF estão na parte dos dependentes), uma garrafa térmica nova para o mate matinal, um jogo novo de pilhas recarregáveis, algumas canetas, um par de sapatos e uma camisa na última liquidação de verão, uma armação de óculos nova (apenas porque o oftalmologista disse que com a velha eu estava perdendo a visão periférica), duas resmas de papel ofício, o último disco do Tom Zé, que aliás, senhor diretor, está bom demais, e dois pneus dianteiros recauchutados para o carro supracitado, 

 Declaro ainda, senhor diretor, que fico com pena daquelas que tiveram renda e pagaram ao Estado para ter um sistema de saúde bacana, infra-estrutura, educação, cultura e, coitados, ainda tiveram que pagar plano de saúde privado, escola particular e pedágio.  Mas, de qualquer maneira, parece que alguns deputados, seus parentes e amigos souberam usar bem essa renda. Declaro, portanto, que mesmo não tendo renda, já paguei uma grana de imposto, tirada de cada prato de arroz que comi, de cada caneta que usei. Portanto, declaro mesmo que tenho pena de mim mesmo, por ser apenas mais um brasileiro idiota jogando dinheiro pelo ralo.


Diário Catarinense, 2 de maio de 2009

18 comentários:

Victor da Rosa disse...

que idéia de crônica, fábio!

Margarida Baird disse...

Muito bom, Fábio! Haja extorsão!
Um abraço
Margarida

Regina Carvalho disse...

Sou dos que pagam plano de saúde e etcéteras, Fábio!
Mas não tenho carro, pobrezinha de mim!
Podes ter pena, eu mereço, hehehe...
bj

Flávio José Cardozo disse...

Excelentíssimo Fábio!
Abraço.
Flávio

turnes disse...

céus! quanta identificação!
me declaro isento.

La Vanu disse...

Declaro que vou mandar uma declaração parecida. Será que os homi me isentam???
Bj
Adorei saber que vc toma mate matinal!

Unknown disse...

Adorei!!!!!! Parece hilário, mas na verdade todos deveriam escrever isso, com a ironia do cotidiano.

Parabéns pelo blog!!

Add =o)

Josie Mendes - smashclub.com.br

Anônimo disse...

O texto que impregna este pergaminho do Fábio das Lagens, me recorda a insistência de Ezra Pound em soletrar (quando já estava insano em terras italianas)a seguinte linha de frase: "Com usura não pode haver nada".

Todo deputado tem bunda branca e mole; não que a bunda deles, em si, seja branca e mole, mas na alma, que neles é pequena e enfadonha, é que as nádegas são alvas e modorrentas.

E tem mais: Imposto de Renda; o jazz não é imposto; as ondas do mar não são impostas; o que é imposto tem que ser deposto.

Um santo foda-se eu desejo para toda esta usura do Imposto de Renda.

O Imposto de renda é o cu de Judas.

Karl

Frank Maia disse...

falou pouco, falou bem e não cuspiu em ninguém!

Unknown disse...

um matinal...não consiguo encontrar a Tertúlia aqui nessa cidade.

Anônimo disse...

elegante e certeiro, senhor brügemann.

turnes disse...

ei fábio, mudei o endereço do blog, agora é www.blogdoturnes.blogspot.com

abração!

Van Schultz disse...

arrasou beibe!

claudia disse...

Olaa tudo bom ?
eu adorei o encontro marcado
participei dele, na dança no balanço do bruggmann espero que voce tenha gostado

Anônimo disse...

nossa cara esses diatava lendo umas cronica sua e axei muito legal vc é um cara que ja conquistou tudo
e ainda cquistara muito mais

rodrigo disse...

PARABENS

Brúuh M. "AR" 109 disse...

Oii..
Boom. O "Encontro Marcado" com certeza
foi e é o melhor projeto realizado com escritores, organizado por uma escola pública...
Com isso Agradeço a escola do meu coração "Professora Adelina Régis" e A querida professora Lía.. Pela maravilhosa idéia que organizadamente colocou em ação com a ajuda de muitos outros recursos e patrocínios em especial o da Unimed!!
Eu achei maravilhooso o modo de agir e de falar do escritor Fábio.. Ele é geniaal, tanto na hora de escrever criticando com respeito e colocando suas idéias no papel para nós leitores refletirmos, quanto no seu modo especial e fantástico de viver e "controlar" se modo de viida..")
Lí muitas crônicas... Como a professora Lia falou em meio ao encontro marcado citando meu noome..

Obrigada pela oportunidade de colocar aqui o que pensoo e o que achei..

Bjin
By:Bruna Machado
> Brúuh M.L

Anônimo disse...

Olá ,
Hoje vivendo uma nova etapa na vida, me resta recordar os bons momentos em que vivi, quando participei do projeto Encontro Marcado.
Confesso que a partir desse trabalho, comecei ver a leitura de outro ponto de vista e consequentemente traze-lá para o meu dia a dia.
Uso essas linhas para demonstrar minha gratidão e respeito pela escola em que concluí o ensino médio e também a todos seus funcionários e professores, especialmente falando de Encontro Marcado, disser a ela: Profª Lia Colomé, o meu humilde, mas sincero, muito obrigado.

Andrei Moriggi, ex-aluno da Escola de Educação Básica Adelina Régis - Videira-SC - e da Professora Lia Colomé, idealizadora do projeto Encontro Marcado.

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