25 de julho de 2009

A gênese do meu ceticismo

A primeira vez que vi um televisor eu tinha sete anos. E a coisa não era das mais interessantes. A tevê já nasceu chata. Lembro muito bem (e nem tinha comerciais) que a imagem era quase fixa, em preto e branco, e um cara com voz de pato falava uma língua que eu nem sabia da existência. A minha avó explicou, não sem ter sua própria dúvida, que era o homem pousando na lua. Olhei para a lua, mas não havia homem nenhum. Nascia ali a dúvida, baseada no fato de que só existe aquilo que posso ver. Devo à minha avó a gênese do meu ceticismo. Duvido, por conta disso, até mesmo da minha própria existência, e a cada vez que entro numa aeronave (pra imitar o bom mocismo das tripulações) duvido que vá levantar voo. E no entanto, ela sobe.

A dúvida, essa que faz a gente coçar a cabeça e fazer cara de retorcido, é talvez o nosso maior patrimônio individual. A dúvida é o que nos faz únicos, mais até do que nossas impressões digitais, porque não está exposta, não se perpetua, ela é mutável, mutante. A dúvida existe até o momento em que uma única pergunta é respondida. A fé não admite perguntas.

O mais intrigante da dúvida é que as coisas acontecem independentemente das crenças ou descrenças. Não adiantam todos os argumentos a favor ou contra a ideia de Deus, por exemplo. É possível crer no terreno do vago, pois até mesmo o mais brilhante argumento pela crença é abstrato, como defende Santo Agostinho: “Creio porque é absurdo”. Do mesmo modo, a dúvida também. Nestas comemorações dos 40 anos da suposta (sentiram o ceticismo?) viagem à lua, existem várias evidências de que o fato aconteceu. Mas também são inúmeras as dúvidas suscitadas pelas próprias evidências, no caso as fotos, os filmes, e aquela geringonça chamada módulo lunar, que nem precisou, para voltar à terra, de toda a parafernália que usou para ir à lua. Como? Não sei.

Só existe invenção onde há dúvida. Entre o ceticismo pueril do garoto de sete anos, e o ceticismo adulto de 40 anos depois, pouca coisa mudou no mundo das ideias. E em se tratando de publicidade, duvidar é sempre mais interessante do que crer. A frase de Santo Agostinho serve também pelo seu oposto. Se posso crer porque é absurdo, por que não posso duvidar pelo mesmo motivo?

18 de julho de 2009

Um país irritante

Não tem nada que seja tão irritante quanto um político. Eles não se emendam nunca. São esquisitos, se vestem de forma esquisita, pintam os bigodes, chegam sempre atrasados, cumprimentam a quem não conhecem, tentam falar difícil e só se enrolam, misturam conceitos, adoram falar palavras abstratas, porque não sabem realizar ações concretas, enfim, são o fiasco da sociedade. Isso que nem estou entrando na questão mais profunda, mas que não temos acesso às provas, que é a corrupção epidêmica. Mais que a gripe A e a saúva (que desde Mário de Andrade já não nos perturba) o problema do Brasil está na corrupção.

Bom, talvez seja exagero da minha parte, além de inútil, porque nada vai mudar; ninguém vai deixar de querer ganhar o seu. Até mesmo porque não existe corrupção sem corruptos ou sem corruptores. Isso significa que já é cultural esse negócio. Ninguém, no fundo, quer mudar o jeitinho de como as coisas funcionam no Brasil.

O que mais espanta no caso de um mordomo trabalhar na casa de um político, um senador, ex-presidente, na casa da filha do cara, e ser pago por nós, com nosso parco dinheiro, não é o fato em si. Afinal, é da natureza do político brasileiro esse comportamento. O que mais irrita mesmo é que muita gente deveria estar sabendo faz muito tempo. Mas por que só agora abriu a boca? Todos, dos que sabiam, até quem cometeu o crime, fazem parte dessa cultura irritante do brasileiro.

Mas como transformar isso se somos parte de uma nação de analfabetos políticos? Não que a maioria tenha culpa total nessa cultura. Afinal, sem política pública inteligente e democrática para a educação e para a cultura, como querer que alguém vote com inteligência? Como defenestrar estes caras que ocuparam todos os poderes? Os executivos que não executam, legislativos que não legislam e judiciários que são os mais injustos de todos? Só mesmo com um choque profundo de educação política.

Como bem lembrou meu amigo Joca Wollf, citando Eça de Queiroz: “Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”. Aliás, irritante mesmo é ouvir estes caras chamarem uns aos outros de vossa excelência.

11 de julho de 2009

Sobre diplomas e competências

Bernard Shaw talvez tenha sido cruel ao dizer: “Desde pequeno tive que interromper minha educação para ir à escola”. Mas me parece um bom começo para debater educação, diploma e competências profissionais. Se girarmos como moscas em torno da decisão do STF, que derrubou a obrigatoriedade do diploma de curso superior para o exercício da profissão de jornalista, e não enxergamos outras possibilidades de formação, ficaremos sempre no âmbito mesquinho do corporativismo.

Duvido que alguém discorde da tese de que existem muitas formas de aprender. Acontece quer por hábito, costume, talvez até por um questão de acomodação, costuma-se aceitar que o único local para se aprender algo seja a escola. Quase todos conhecemos pessoas que têm formação regular acadêmica e que são profissionais medianos, do mesmo modo como conhecemos outras que não têm tal formação e sabem decifrar códigos, pintar, cozinhar, cantar, compreender o universo que o cerca, enfim, escrever com igual ou maior facilidade.

Se admitirmos a existência destas possibilidades, dá para deduzir que ter ou não ter um diploma para algumas atividades não é a questão primordial para o exercício de uma profissão. Do mesmo modo que ter um diploma não é ruim (pelo contrário), não tê-lo – levando em conta estas premissas – também não é. Tanto, que já temos prédios caindo, tesouras sendo esquecidos na barriga de incautos doentes, e sentenças perdidas por erros de advogados. O que esconde um debate mais profícuo sobre as competências profissionais, infelizmente, não é o reconhecimento da capacidade que o ser humano tem de aprender, mas o corporativismo daqueles que, só porque tiveram que frequentar uma escola formal, acham que têm o direito exclusivo de atuar em determinada área.

Ensinar não é atribuição exclusiva da escola, nem um diploma confere capacidade de uma competência. Tanto os profissionais, sejam eles de qualquer área, diplomados ou não, podem, juntos, pensar em soluções para o impasse. O reconhecimento, por parte das escolas, de habilidades notoriamente comprovadas poderia muito bem diplomar os que concordam com Bernard Shaw, de que a escola não é o único lugar onde podemos aprender o que quer que seja.

4 de julho de 2009

Se eu fosse você

Se eu fosse você, não ficava aí esperando não sei o quê. Se eu fosse você, encheria um lençol com a roupinha básica, amarrava num cabo de vassoura e sairia feliz de casa. Iria para a rua, que é onde as coisas acontecem, onde a vida pulsa para além dessa caverna platônica que é tua casa. Principalmente na hora do jornal das oito, e nem se fala durante a novela das nove. A vida ali nem de ilusão é feita.

Se eu fosse você, não iria mais à escola. Pelo menos não a essa escola esquizofrênica, que me mandava ficar quieto quando mais pergunta eu tinha. Como assim, quieto? Meu corpo, de seis anos de idade, não é feito para isso. Meu corpo quer pular, gritar, rir de todas as escatologias possíveis. Meu corpo não está pronto para ser atrofiado. Meu corpo não quer se transformar num adulto chato, histérico e castrador, incapaz de se contentar com a coisa mais fundamental e gratuita que tem na vida, a luz do sol.

Se eu fosse você, acenderia um charuto na tua última nota de um real, só pra dizer que se libertou de vez dessa cultura que forma debiloides cotidianamente, que transforma pessoas em seres alienados de si mesmos, que dirá dos outros, porque não se contentam em apenas ser. Elas acham que só são quando têm. O verbo que se conjuga com o ser é o estar, não o ter, como você pensou até agora. Se liga, cai na irreal, olha quanta gente com lumbago, enxaqueca, com depressão. Olha quanta gente no Serasa, no CPC, com cartão estourado no banco só porque quer ter o que não pode.

Se eu fosse você, desligaria todas as luzes, o computador, a geladeira e institucionalizaria o apagão, pelo menos uma vez por semana, para poder enxergar as estrelas, tiraria toda a roupa, andaria nu entre os prédios, abraçaria seu vizinho para poder sentir, mesmo que numa tentativa que mal chegaria aos pés da vida pré-histórica, o que há de mais atávico nessa vida.

Se eu fosse você, olharia agora por cima deste jornal e daria uma enorme gargalhada, porque é o que nos resta, e os imbecis já tomaram todos os poderes, e não há mais lugar pra pessoas como você, com tão fina ironia, com tamanha inteligência pra ficar aí querendo ser o que não é, e com tanta vontade de mudar esse estranho mundo em que vives. Se eu fosse você, começaria a crer que talvez ainda haja tempo, e que nem tudo está perdido.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...