26 de setembro de 2009


E depois do boi?

Cadê o toucinho que estava aqui? O gato comeu. Cade o gato? Foi pro mato. Cadê o mato? O fogo queimou. Cadê o fogo? A água apagou. Cadê a água? O boi bebeu. E depois do boi, esqueci. Nem sei o motivo pelo qual essa sequência infantil apareceu na minha cabeça. Assim do nada, em plena viagem, descendo a Serra, ela entocou no cérebro. A memória é uma ilha de edição, escreveu o grande poeta Wally Salomão. Por que será que ela me fez lembrar uma brincadeira de criança, mas ao mesmo tempo não me trouxe a brincadeira toda?

Estou há alguns dias querendo saber o que vem depois do boi, mas não consigo lembrar. Sim, eu poderia procurar no Google, ligar pra um amigo, perguntar pra mãe. Mas achei que estaria dando muita moleza pra memória. Ou eu me esforço, ou vou achar que todas as respostas estão no grande oráculo, como diz a Maria.

Muitos leitores escreveram emocionados com o presente que ganhei da G., relatado aqui, no sábado passado. Alguns perguntaram se inventei a história toda. Não, ela existe, se chama Gabriela se veste de palhaço pra alegrar as crianças, e, por isso, deve saber o que vem depois do boi. Além do mais, vários destes leitores escreveram para dizer que são o décimo quinto leitor. Foram tantos, que já perdi a conta de quem é quem. Suponho que já devo ter bem uns 25, sem contar a carta da professora Ivonete, da Escola de Educação Básica Governador Celso Ramos, de Joaçaba, avisando que agora não são mais quatorze, mas muitos. Decerto que tenho que parar com essa brincadeira e aceitar tamanha responsabilidade.

Falar em responsabilidade, sei que jornal é coisa séria, tem que ter notícia e informação. Afinal, golpistas militares depuseram o presidente eleito, a Austrália sofreu uma invasão de areia, direitistas norte-americanos vão às ruas porque Barack Obama quer investir em saúde, o Correio está em greve, os congressistas votaram pela ampliação do número de vereadores, a violência aumenta cada vez mais, e eu aqui preocupado porque não sei o que vem depois do boi. Meus inestimáveis e agora incontáveis leitores, afinal, o que vem depois do boi?

Diário Catarinense, 26 de setembro de 2009

19 de setembro de 2009

Uma caixa com uma carta dentro

Depois de falar durante quase duas horas, num pavilhão cheio de gente, e de comandar um palco maior que ela, como se o palco fosse dela, G. se aproximou e pediu pra tirar uma foto comigo. Se ela não pedisse, eu mesmo pediria. Nunca sei o quanto alguém me quer próximo, principalmente quando eu mesmo quero estar. E quando a maioria das pessoas foi embora, ela me deu um embrulho. Era uma caixa de madeira, pintada de azul, ainda com cheiro de verniz. Na tampa, uma ilustração com a metade de um relógio (lembrei que alguém havia comentado sobre o tempo, talvez ela?), um jogo de dados (jamais abolirá o acaso?), um óculos redondo e um recorte ilegível de jornal.

Abri a caixa, e dentro havia um cachimbo e uma carta manuscrita, que dizia, numa letra de forma, sem disfarçar palavras rabiscadas, e sobrepostas por algum arrependimento gramatical, textualmente assim:

“Já estou explicando que não farei uma boa carta a você, com vírgulas e pontos no lugar certo, mas por favor entenda e leia até o fim, ou não. Esta caixa fui eu quem fiz, nos últimos dias. Desculpa o cheiro de verniz. Ela é muito simples, mas mais ainda é o cachimbo que encontrou. Pois bem, em Joaçaba estas coisas são extintas, e eu não entendo nada. Olhei para esse, entre as poucas opções (o cara me disse que é caboclo) e resolvi comprar. Ele é bem estranho, mas faça o que estiver com vontade. Já errei várias vezes por aqui, mas não tenho mais folhas. Daqui a pouco você estará aqui nesse pavilhão. Nada disso importa. Eu só fiquei muito bem quando comecei a ler algumas crônicas suas. Quando eu estava em meio às garotas, me sentia torturada, pois todas sabiam as faculdades, os cursos e tudo mais. Eu não. Você não deve ter muito tempo para ler cartas de uma aluna que quer agradecer você. Isso parece extremamente ridículo, mas já foi. Que você seja novo mesmo quando o tempo passar, e que eu possa ler suas crônicas quando me sentir insegura do meu destino, rumo a sei lá. Obrigada, G.”.

Depois disso, desapareceu, sem dizer o nome além do enigmático G. Obrigado eu, senhorita G., você nem faz ideia do quanto essa caixa com uma carta dentro mexeu comigo, e por isso a divido agora com meus 14 fiéis leitores.

Publicado originalmente no Diário Catarinense, 19 de setembro de 2009.

12 de setembro de 2009

Contra a censura na internet

Alguns políticos ainda são enormes dinossauros, comprometidos apenas com sua manutenção no poder. Nessa semana, o Senado colocou em votação uma proposta para lá de inaceitável. O texto base da (mais uma) reforma eleitoral pretende usar a censura, que a lei eleitoral já exerce sobre os jornais impressos e sobre as emissoras de televisão, também na Internet.

Já faz tempo que eu não assisto tevê, com exceção de uma ou outra partida de futebol. Mesmo assim, sempre achei um absurdo o horário eleitoral gratuito. Do mesmo modo que é insensato e inconstitucional a censura na mídia impressa durante as eleições. Mas boa parte da reeleição de uma porção de gente sem nenhum compromisso coletivo e com a democracia só acontece por causa dessa parte abominável da lei eleitoral. Se os jornais e tevês fossem livres, muitos destes dinossauros não teriam sido reeleitos.

E pelo jeito, os autores da proposta desconhecem a Internet. Primeiro porque, ao contrário das outras mídias, ela é gratuita. Segundo, porque é o mais democrático dos meios de comunicação. Qualquer cidadão que tenha acesso a computador e à Internet pode ter um blogue, uma página pessoal em qualquer sítio de relacionamento, no Twitter, ou postar seus vídeos no Youtube. E, por último, como a Justiça Eleitoral vai fiscalizar, que seja, o Orkut de um garoto que pensar que o prefeito é um péssimo administrador, por exemplo, e quer manifestar essa opinião? Além do mais, a Constituição é bem clara, em seu artigo 220, parágrafo segundo, que diz: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Mais claro impossível.

Fico admiradíssimo que ainda tenha político com projetos de lei que, a priori, já nascem ilegais. A discussão voltará à Câmara e deve ser votada antes do dia 30 de setembro, para que tenha validade para a próxima eleição. Se não retirarem a parte que proíbe, na Internet, opiniões ou “tratamento privilegiado” a qualquer candidato, é porque a insanidade tomou conta geral dos dinossauros. Mas o pior mesmo é que uma lei como essa pode ser apenas o começo de uma censura muito maior à rede. E é isto o que os dinossauros mais querem.

Publicado originalmente no Diário Catarinense, 12 de setembro de 2009.

5 de setembro de 2009

Educação para o mercado

As políticas públicas para a educação no Brasil são as piores do mundo. Depois da sacanagem que foi o golpe militar, financiado pelo governo norte-americano, baseado numa política expansionista, neocolonial e, por isso, usurpadora, tudo piorou. No pacote ditatorial veio uma reforma educacional que detonou com as políticas públicas de educação, que, no Brasil dos anos de 1950 ainda eram decentes. A escola pública sempre foi melhor, porque a elite acreditava nela. Só ia para a escola privada o filhinho de papai que se dava mal nas provas.

O golpe militar também implantou uma ideologia tacanha, tirando dos cursos básicos o ensino da filosofia e de outras cadeiras das humanas, privilegiando o tecnicismo com vistas exclusivamente ao mercado de trabalho. A lógica capitalista não precisa de gente que pensa, apenas que trabalhe.

Sendo assim, a reforma do ensino implantou no currículo a educação religiosa (que, no caso, se baseava no ensino dos fundamentos apenas da Igreja Católica, aliada ao golpe), o ensino de moral e cívica (sem nenhuma proposição dialética) e a iniciação para o trabalho. Adeus pensar, viva a lavagem cerebral, esta era a ideia. O pior é que, mesmo com o fim da ditadura, e vivendo hoje num país que se diz democrático, o ensino ainda é excludente, e o que é pior, reacionário, autoritário e formador apenas de mão de obra, não de pensadores e críticos.

O costariquenho Vernor Muñoz Villalobos, relator especial da ONU pelo direito à educação, disse textualmente que a educação está em crise, e faz uma avaliação estarrecedora, ainda que óbvia, se prestássemos mais atenção nos detalhes da história. Ele diz: “A educação como sistema surgiu no mesmo momento em que apareceram o sistema penitenciário, as fábricas e os hospitais psiquiátricos. Isso quer dizer que as escolas foram pensadas como uma forma para disciplinar a mão de obra para o mercado”.

O pior não é constatar isso, pior mesmo é perceber que as empresas, os políticos, os professores, e, por que não, os próprios estudantes, estão com a cabeça tão bem feita desde o golpe militar, que acham que deve ser assim mesmo. Tanto que as escolas privadas já chamam seus alunos de clientes e todos acham normal. Educação não pode ser tratada como negócio, mas, infelizmente, cada vez mais é pensada desse modo.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...