12 de outubro de 2009

Achados e perdidos

Não sei se ainda existe um departamento de achados e perdidos. Eu imaginava um lugar comprido com estantes devidamente catalogadas, cheias de objetos com teias de aranhas aguardando seus donos. Já perdi tanta coisa nessa vida, que talvez não coubesse num único departamento. Perdi livros, canetas, isqueiros, brinquedos. Um deles, perdi ainda na infância, e depois o encontrei no sótão da casa do meu avô, que, por coincidência, era a casa onde nasci, e onde morei até a juventude. Era um macaco que pedalava sobre uma corda. Para brincar, era preciso de duas pessoas. Enquanto um levantava a corda, para que ele descesse por ela, o outro tinha que baixá-la, e vice-versa.

O poeta Mario Quintana escreveu, num de seus epigramas, que as coisas perdidas – e inclua-se os indefectíveis guarda-chuvas, os botões que se desprenderam, as dentaduras postiças (objetos que ele chama de heteróclitos e tristes) – vão parar nos anéis de Saturno, e que ficam lá eternamente girando.

Perdi muitos amigos, perdi muitos amores. Mas também encontrei outros tantos, amores e amigos. Uns circulam por aí, não sei em que cidade, em qual país. Outros, a “indesejada das gentes já levou”. Onde andam o Zé, o Almirante, o Romualdo, a Rose, a Carol, a Suzane, a Deneuza? Em que planeta ou plano se escondem o Jonibaldo, a Sandra, a Gerusa? Em que cidadezinha se meteu a Inês, em que lugar foi parar a Maria, que me deu o primeiro beijo?

Em que biblioteca foi parar o livro de fotografias com reproduções manuscritas de poemas de poetas franceses, que, pra falar a verdade, nem era meu, mas do Fernando Karl. Onde está o primeiro filme que fizemos, feito em super-8, e se chamava Tema para chuva? Nele, a Jonira chora na frente do pipoqueiro, o Ricardo fura uma bola com uma faca, e o Marcão cheira a flor que nasce de um sapato velho. Na cena mais importante, a Carol dança com um vestido de cigana e um guarda-chuva colorido sob uma chuva falsa, feita de mangueira. Carol, onde andas? Naqueles dias perdidos, eu tenho certeza de que fui feliz, e aquela felicidade foi parar nos anéis de Saturno, junto com todos os outros achados há muito já perdidos.

7 comentários:

Unknown disse...

tão lindo seu texto!! lindo mesmo!

Cibele disse...

eu falava de você com o Frank, perguntei: como pode o Fábio ser tão bom em tudo que faz e ainda assim ser tão especial.
E Frank respondeu:
- O Fábio pensa.

Isso basta.

Maloio disse...

li e fiquei pensando um comentário para o texto; não veio; e o que veio, esqueci-me. e o que poderia ser, também... será que existe um lugar onde ficam as coisas que foram perdidas antes mesmo de ser tidas/ditas?... de boi, de livro, de brinquedo, amizade, amor... o motivo de reminiscências assim, por qual seria? abraço, maloio – ps.: letras todas miúdas que esqueci de capitular.

Luciana disse...

Sua crônica me fez lembrar do livro Perdas e Ganhos. Achar e perder, perder e ganhar é o cômputo de se amadurecer. Vale a pena.

Luciana disse...

Sua crônica me fez lembrar do livro Perdas e Ganhos. Achar e perder, perder e ganhar é o cômputo de amadurecer. Vale a pena, mas temos que aprender a administrar.

Unknown disse...

Acho que um comentario mesmo me falta, assim sendo deixo aqui um simples elogio.

Belo texto.

jonira disse...

Choro mesmo em qqer lugar...mas na frente do pipoqueiro ...só vc mesmo pra fazer isso comigo!!!
lindo texto!
Cadê toda essa rapazida que ficava rodando pelas ruas de Lages num frio danado rindo e sendo feliz?
grande beijo meu amigo querido!

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