6 de fevereiro de 2010

Diante da biblioteca

Volto das férias decidido, entre outras resoluções de fim de ano que nunca serão cumpridas, a dar um jeito na pequena biblioteca, de modestos dois mil volumes. Ainda assim, é maior do que muitas das várias bibliotecas de escolas públicas, das vinte e duas escolas do interior do Estado, que visitei no ano passado. Digo isso com certa vergonha. Mas é o resultado de uma política pública de cultura ignorante, de gente que acredita que buscar uma escola na Itália, um balé na Rússia ou um corpo de baile da Polônia é mais importante que aparelhar as bibliotecas escolares do Estado.

A resolução a que me propus seria me desfazer da maioria dos livros e ficar com apenas cem exemplares. Escolheria os autores mais importantes (para mim, é lógico), aquilo que o poeta norte-americano Ezra Pound chamou de “paideuma”, e resolveria problemas com poeira, falta de espaço, traças, tempo de limpeza, rinite alérgica, arrumação, etecétera.

O resultado é que consegui, sim, escolher cem livros. Mas não para deixá-los, como sendo meu “paideuma”, e sim para expurgá-los. Ainda assim, metade deles foram expulsos por serem repetidos. Tenho mania de comprar livros acreditando que não os tenho, e quando vou colocá-los no lugar, lá está seu irmão gêmeo, noutra edição, noutra tradução, quando não, às vezes igual.

E como ordená-los? Não fiz curso de biblioteconomia, e tenho minha metodologia própria para saber quando encontrá-los na hora em que mais preciso deles. É por assunto e nacionalidade do autor. Poesia brasileira de um lado, e o mesmo tanto de poesia estrangeira pro outro. Com a prosa a mesma coisa. Já filosofia, história da arte, cinema e teatro não tem divisão nacional. Por quê? Não sei. Como escreveu Walter Benjamin: “Na prática, se há uma desordem de uma biblioteca, seria a ordenação de seu catálogo”.

Penso nisso como um enorme prazer, o do sujeito que joga no lixo as metodologias científicas para se deleitar numa ordem pessoal, muito própria, de uma criança com seu brinquedo, que o esconde para que ninguém mais o encontre. Diante da biblioteca, por um breve período, sei agora onde está cada um dos volumes, até que eles, por conta própria, saiam de seus respectivos lugares e tomem outros, porque os livros caminham, para dentro e por fora de nós.

7 comentários:

Nayana disse...

Ráá, quantas vezes já resisti a tentação de organizar meus livros por tamanho... Casa de ferreiro, espeto de pau, né...

Mas preguiças e livros a parte, ótimo texto. :*

La Vanu disse...

EEEEEEEEEi Bruggemann! Que bom de volta!
Com tantos livros vc tem algum do Jean Anouilh?
Vanu

Unknown disse...

o velho eterno novo...
que inveja
não consegui esta façanha
duas x parabéns
bjoo

por júlia eléguida disse...

as vezes entro aqui e não sei o que comentar, só que achei belo, mas belo é tão pouco, um pouco mais que o vazio. o engraçado de algo peculiar dos livros é que mesmo que se livre deles, ainda permanecem contigo. assim como tantos sentimentos mais.saudade.

beijos Júlia

ítalo puccini disse...

dessa (des)organização também faço parte. arrumei os meus poucos menos de quinhentos no final do ano. mas arrumei de um jeito que só eu me encontro neles. são os livros que caminham por dentro e fora de nós, sim.

abraços livrescos!

bibi move disse...

ah que delícia desfazer-se fos livros.
Eu sempre me pergunto o por quê de querer te-los todos enfileirados, se oferecendo pra mim todo o tempo.
e então, pra onde tu vais doa-los? quem sabe convenço a todos fazer o mesmo por aqui, e assim equipamos uma mão de escolas com coisas boas.

walnelia disse...

"porque os livros caminham,para dentro e por fora de nós."
Quanto mais leio tuas maravilhosas crônicas,mais constato teu nome emoldurado de livros...
Fábio,muito obrigada pela oportunidade de te ler no DC e aqui.
Fraterno abraço,
Walnélia Corrêa Pederneiras

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