27 de fevereiro de 2010

Os outros

Albert Camus, o escritor francês, nascido na Argélia, autor de O estrangeiro, começa um de seus livros, O mito de Sísifo, com uma frase instigante: “O suicídio é o único problema filosófico verdadeiramente sério, pois julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder a questão fundamental da filosofia”. A frase aparentemente pode parecer uma apologia ao suicídio, mas Camus discorre é sobre o absurdo da vida, e faz apologia à revolta como possível alívio à incompreensão.

Mais do que o suicídio, claro, como metáfora da escolha, o grande problema filosófico é o que chamamos “outro”. Reside nesse “outro” duas ideias das que mais adoecem o ser humano: o medo e a expectativa. A espera é sempre pelo outro, e o medo é sempre medo do outro. Alguém pode dizer que a natureza também causa medo. Mas no geral, confiamos mais na natureza do que no “próximo”. Um terremoto, por mais que seja arrasador, pode nunca acontecer. E é tão maior do que nós que, ou vivemos nessa constante espera por ele o (que é assustador mesmo), ou deixamos para lá. O que chamamos, talvez, de destino.

Mas o “outro” é que é cruel, justamente porque ele pode escolher. Ao contrário da natureza, o outro é movido por paixões, decisões momentâneas, pode vir ao teu encontro nos próximos cinco minutos, como pode nunca mais aparecer. O inferno, sim, são os outros, disse também Jean-Paul Sartre, porque o outro é sujeito a terremotos de escolhas mais cruéis do que um tremor de terra “real”.

A felicidade, na minha mais modesta e singela ideia que eu possa ter dela, virá no dia em que eu puder acordar e pensar que não espero nada de ninguém, ou que ninguém pode me colocar medo. Sim, como dizia o velho ditado latino: nec spec nec metu (sem medo, sem esperanças) A esperança é uma droga, ela é a morfina, ela se traveste de ilusão e aprisiona. Ela nos faz deixar olhar para o lado, para o sol, para a árvore, porque esperamos aquilo que sabemos que nunca virá. A esperança é o único problema filosófico, porque resido no “outro”. E o outro é sujeito de escolhas, seja para ter como para se deixar ter. E contra isso, não podemos fazer nada.

5 comentários:

Anônimo disse...

E se acreditamos ser o outro o grande sentido do movimento chamado viver? Nascer, crescer, envelhecer e morrer sem o sujeito que pode provocar o medo, alimentar a esperança e gerar frustrações seria enfadonho demais. A natureza é ameaçadora tanto quanto e, do outro podemos esperar terremotos que nunca virão. Mas é bom saber que, quando menos esperamos, o chão se abre. Cair e levantar, seguir.
Sujeito e natureza se completam nesse roteiro escrito por cada um. E isso não seria o sentido da vida? Adquirir sabedoria pelas alegrias, pela dor, pelas dúvidas e atos ou pela singela contemplação da natureza é o que acredito ser a busca pela felicidade nos dias que vivo sem contar, exceto pelas comemorações do meu aniversário, da minha filha e pelo Natal. Simples ou simplório?
Adorei sua análise do livro.

Nida Ollem disse...

Depois de dormir 17 horas seguidas para fugir de algo, acordo e, ainda meio dopada pelas tantas horas dormidas, leio teu texto que dá nome ao 'algo', confortando-me de alguma maneira.

ítalo puccini disse...

teus textos são capazes de levar o leitor justamente a pensar no outro. nem que seja em um outro viés ainda não pensado.

abraços jaraguaenses.

Maloio disse...

é, é caso para se refletir... mas não hoje, que me falha o senso: um outro no meio do caminho (atravancando a vida, minha).
abraço e ótima semana, maloio

ps.: é favor desculpar-me a pergunta: que é feito do Sr. DC? não vi mais referência a ele no final da postagem.

walnelia disse...

Que maravilha!!
...preciosa reflexão.

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