22 de maio de 2010

Foto de cena da peça Prenome Fausto, montada no começo dos anos 90, escrita por mim e dirigida por Nando Moraes. Sylvio Montavani, à direita, é Fausto, e Édio Nunes, à esquerda, é a Barbárie. Naquela época, Fausto vence o embate. Se alguém quiser encenar hoje, autorizo apenas com a condição de que a Barbárie vença, para, quem sabe, reinventar o teatro naturalista. A foto é de Renato Gama.


Cultura e barbárie

É cada vez mais tênue, ou talvez tenha sempre sido, o fio que separa o pacifismo da barbárie. Desde a forma como o Estado lida com seus cidadãos (onde a violência é presente, seja na tortura explícita, seja na sua ausência) até na relação quase sempre desconfiada, mais prosaica, com o vizinho, a violência é uma condição humana. O que a contém é um “tipo” de cultura, que, na falta de um nome melhor por enquanto, chamamos de “cultura da paz”.

Cultura não é apenas um tipo de ação, não é o cara que faz teatro ou literatura. Isso é manifestação artística, ainda que também seja cultura. Quando defendo quase de forma quixotesca que a principal ação de um Estado (e por isso é essencial uma pasta que cuide exclusivamente desse assunto) tem que se dar no âmbito da cultura, significa que é todo o resto é cultura. A forma como o Estado trata a saúde pública, e de como o cidadão não consegue cobrar do Estado uma ação minimamente eficiente nessa área, tem a ver, antes de mais nada, com a cultura.

Como não existem políticas públicas para a educação, por exemplo – nem o cidadão cobra, nem o Estado faz questão de ter – em poucos anos, desde que a Ditadura Militar acabou com o País, impondo políticas de idiotização da população, temos uma geração incapaz sequer de compreender a diferença entre estado e governo. E isso é um tipo de violência.

Há um abismo que se abre, e ele é cada vez maior, quando tanto Estado quanto população compreende “cultura” somo se fosse perfumaria. Essa incompreensão conceitual é o caminho mais fácil para a barbárie, que talvez seja, no fundo, o que todos queiram. Talvez a barbárie seja uma parte da essência humana, a qual, poucas pessoas, lutam contra ela. É como se fosse um furacão empurrando uma porta, muito maior que nossa capacidade física tem de segurá-lo.

A barbárie sempre esteve (e está) bem próxima. Instalada, cada vez mais, nos gabinetes dos governos, nos tribunais, na mídia, na escola, no trânsito, é uma enorme, crescente, e cada vez mais assustadora onda, cuja educação e a arte, infelizmente, não conseguiram, e talvez nunca consigam, barrar.

Publicado originalmente no Diário Catarinense, 22 de maio de 2010.

3 comentários:

Lengo D'Noronha disse...

Caro Fabio,

Há uma entrvista com o professor Alfredo Bosi muito pertinente à "Cultura" que podemos somar ao seu rico texto. Aí vai para quem se interessar:

http://www.usp.br/prc/revista/entrevista.html

Abraço.

Mauro Castro disse...

De violência no trânsito, infelizmente, eu entendo.
Há braços!!

Anônimo disse...

bem interessante os apontamentos. Vou utilizar a frase "Ditadura Militar acabou com o País, impondo políticas de idiotização da população" como citação num trabalho que estou começando.

Outra coisa, eu tenho falado com o Nando Moraes, vou encaminhar o seu texto a ele.

abraço,
maikon k
www.vivonacidade.blogspot.com

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