Refletir ainda é perigoso
Estou lendo – não sem algum atraso – porque foi publicado no começo dos anos de 1980, a autobiografia de Luis Buñuel, Meu último suspiro, um dos cineastas mais geniais e transgressores que o século passado já viu. Revi, por conta da leitura, e estão na íntegra na internet, O cão andaluz e a Idade do ouro. Uma das cenas mais tocantes e grandiosas deste último é um plano fixo de alguns cardeais da Igreja Católica (instituição odiada por Buñuel e grande parte dos surrealistas) rezando à beira de um precipício e transformados em esqueletos. Isso ainda nos anos 1920.
O que mais me fez pensar, tanto relendo a livro quanto revendo o filme, passados quase 90 anos, foi o quanto ignoramos todo esse pensamento contra o medievalismo irracional das religiões, do modelo de estado conservador, do quanto se guarda ainda como sendo dadivosa a moral escravagista do trabalho, o culto ao consumo, e, o pior de tudo, a um conservadorismo que me dá medo, porque ainda está no ar um ideal explosivo contra a liberdade, como o próprio Buñuel refletiu no seu também genial O fantasma da liberdade.
Pergunto-me, depois de tanto livro escrito contra a barbárie, onde foi parar esse ideário? Por que ainda tem gente que acredita que uma ditadura é melhor que a liberdade de expressão? Por que ainda existem pessoas que desejam tanto a pena de morte? Por que ainda há os que se importam tanto com o que o outro pensa ou diz, principalmente quando é contrário à sua crença irracional?
Talvez essa insensatez tenha uma presença tão assustadora justamente porque a maioria nunca viu um filme de Buñuel. Talvez explique também o motivo pelo qual prefeitos e governadores retrógrados, sustentados por eleitores iguais, odeiem tanto a palavra cultura, porque esta faz pensar. E refletir, ao contrário do que possamos imaginar, ainda é perigoso.
5 comentários:
Cultura ... Transferência das experiências vividas passadas de geração em geração. Qual cultura nós estamos deixando para as gerações futuras. O que os governantes, concorrentes aos cargos públicos, tão iguais, tão idênticos nos ideais, que ora "são" seis, ora "são" meia dúzia pensam, fazem e farão pela pobre Cultura?
Na hora de investir, incentivar e fomentar, o artista e os projetos culturais são sempre os últimos. E depois, quando querem parecer bacanas, os governos usam o trabalho do artista e seu prestígio para se propagandear.
se odeiam a culturam, odeiam ainda mais as artes...
mas sempre foi assim
os três porquinhos, lembra o nemo deles? Poeta, músico e prático. Isto mesmo... não preciso nem dizer qual deles fez a casa de palha, madeira e tijolos.
Abração Fábio, belo blog, pela forma e pelo conteúdo.
Aqui é andré cassias, médico em mafra, preciso de um e-mail seu pra trocar idéia de um livro que quero editar.
Oi, André, meu e-mail é fabiobruggemann@gmail.com
aguardo, abraço.
É o discreto charme da burguesia...fazendo uns estranhos caminhos de Santa Catarina.
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