Não alimente o escritor
A escritora Telma Scherer (veja seu blogue aqui), 31 anos, foi presa, em Porto Alegre, na última Feira do Livro de lá, por fazer uma performance chamada “Não alimente o escritor”. Ela colocou uma coleira em seu próprio pescoço, cuja corda estava amarrada a uma casinha de cachorro. Ao invés de um cão, havia contas prosaicas a pagar: como aluguel, luz, água e telefone. Não preciso aqui explicar a metáfora, mas para quem puder acessar às imagens (assista aqui), disponíveis no Youtube, a própria poeta explica: “eu só quis dizer que estou triste. muito triste”.
A performance de Telma atraiu muitos curiosos, mas não agradou aos expositores, que, pelo jeito gostam mais do negócio do livro, ou da grana, do que do livro em si. Com o argumento de que ela estava “atrapalhando as vendas”, chamaram a polícia, que a prendeu, com frases do tipo “você tem que me obedecer”. No camburão, ainda disseram que ela deveria fazer exame de sanidade mental.
É lamentável esse episódio, que mancha a história democrática da maior feira de livro de rua da América Latina. E é também preocupante, porque denota o espírito conservador guardado no mais profundo “inconsciente coletivo”. Se em uma feira de livros o escritor não pode criticar a falta de incentivo público à leitura e ao próprio papel do escritor na sociedade, em que outro lugar poderia? Escritores têm a mania incorrigível de fazer pensar, e por isso usam de metáforas. Mas construir metáforas, fazer versos, tratar o mundo com analogias, numa época em que o moralismo, a homofobia e o preconceito falam mais alto, pelo jeito agora será caso de polícia.
E esse tipo de pensamento tem contaminado muita gente, desde policiais mal preparados, vendedores de livro que não leem e comerciantes incapazes de compreender que se alguma coisa ainda vale a pena nesse mundinho cada vez mais caduco, doente, falso moralista, reacionário e conservador, é ouvir os que conseguem pensar dialeticamente. Do contrário, só matando o escritor de fome, de uma fome que não é de comida.
Diário Catarinense, 11 de dezembro de 2010.
6 comentários:
Fabio sou de lages conheço o formiga e ele me falou de um texto teu sobre um boi que queria ir para o mar eu gostaria de montar este texto.Peço que mande um email sobre a autorização se aceita ou não desde ja agradeço Fabio Duarte segue o email: ornitorinco-art@hotmail.com
Pois é... até vendedor de livro que lê é demitido em Florianópolis... e olha que ele lia e vendia o Fabulário dos ilustres desconhecidos...
Caraca, dizia Montaigne que a ignorância é a irmã da maldade. Agora dá pra entender a violência (no caso a minha vontade de ser violenta com algumas pessoas, principalmente essas que abusam da autoridade que um uniforme impõe.) Demais isso, demais a truculência, demais o bairrismo, demais o provincianismo.
gostei dessa tua crônica porque ela veio dias após o episódio. ou seja, tão melhor assim, passada a discussão acalorada.
abraços.
Ao ler o texto não pude deixar de lembrar desse maravilhoso filme chamado "Il Postino" (O carteiro e o poeta), uma aula sobre metáforas.
http://www.youtube.com/watch?v=duV2G5XTgQM
Toda vez que vejo o filme, sinto um pouco de tristeza pela morte de Massimo Troisi, o carteiro do filme, de enfarte, um dia após as gravações terem sido completadas. Ele adiou a cirurgia para poder completar o filme. Isso é que é dedicação ao trabalho.
Infelizmente ainda persistem as manifestações contra a democracia e liberdade de expressão. Os que são contra o sistema ou propõem reflexões para a sociedade ainda sofrem com as torturas físicas e psicológicas por parte de órgãos repressores, por vezes ditos "pró sociedade" como a polícia, entre outros.
Lamentável esse caso contra ela. Mas o que aconteceu com Telma? Vale uma continuação do caso.
Parabéns pelo blog.
Abs.
Samira Moratti
Florianópolis/SC
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