30 de julho de 2011

  • Fim da política, ascensão do idiota


    O contrato social, proposto por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), apesar de anacrônico porque baseado nos hábitos e costumes que faziam sentido naquela estrutura social, é uma das reflexões mais importantes da filosofia, principalmente aquela que propõe mediar as relações entre os cidadãos e o Estado. Para Rousseau, a base de toda educação política passava pela família, a qual ele considerava a mais antiga de todas as sociedades. Mas essa célula, tão respeitada como sendo fundamental até o fim do século passado, já não é mais a mesma. Até o fim do século 19, a família ainda era patriarcal, apesar do evidente matriarcalismo interino, ou seja, da porta para fora mandava o pai, mas quem administrava a casa era a mãe. Parte destas mudanças profundas tem a ver com as transformações das relações amorosas. De essencialmente heterossexual, ao menos na aparência, hoje já é admissível famílias de casais homossexuais, inclusive com adoção de crianças. Por mais que ainda exista uma resistência de setores conservadores da sociedade, não há mais como impedir esse avanço. Mas não apenas isso, já é enorme o percentual de pessoas que não quer constituir família, vivendo sozinhas ou em companhia de amigos.

    No entanto, o modo de fazer política e a maneira como é mediada a relação entre Estado e seus cidadãos permanecem como na época de Rousseau, como se o Estado ainda fosse o pai, e os cidadãos ,seus filhos que devem obediência incondicional. Porém, na prática, não há mais como essa convivência partir deste princípio, ainda que a maioria pense assim. Aliás, mais do que pensar, a maioria não se dá conta de que é manipulada ao extremo. Esse “não se dar conta”, se buscarmos a etimologia da palavra “idiota”, do grego, nada mais é do que o sinônimo de alienado, que tanto usávamos no início da década de 1980. O idiota, para os gregos, era aquele que não queria participar da vida política. Hoje, sem orientação alguma para a política, nem da família nem do próprio Estado (que tem a obrigação constitucional de “ensinar”) cada vez mais vivemos numa sociedade de perfeitos idiotas, porque a maioria dos cidadãos se ausenta deliberadamente da política, esvaziando seu sentido, invertendo seu valor essencial, tornando reles uma atividade tão fundamental e transformadora da sociedade.

    Tudo bem que é um direito de cada cidadão se ausentar da política, alienar-se, não querer se envolver a não ser na hora do voto, e ainda assim votar sem nenhuma consciência política. Mas essa idiotização, no sentido mais literal da palavra, é a maior contribuição para a existência de uma política ruim, corrupta, sem ética e sem princípios ideológicos. A conta é fácil. Quanto mais pessoas optarem por ser idiotas, mais políticos ruins ocuparão espaço.

    Para tanto, basta observar o esvaziamento ideológico dos partidos. Não há mais esquerda ou direita. Há apenas uma vontade de poder de “políticos” que veem nesse vácuo ideológico um modo de usar o Estado apenas para enriquecimento pessoal. Mas o pior mesmo é que a classe média brasileira, a grande idiota da história, continua pagando impostos para os políticos, ignorando que este tributo deveria ser pago para que o Estado investisse em cultura, educação, saúde, segurança pública e infraestrutura. Mas não é o que acontece. A idiotização da classe média só reforça cada vez mais a corrupção e torna obscura a compreensão dos objetivos da existência de um contrato social, como queria Jean-Jacques Rousseau.
  • Além do mais...


    Numa entrevista cedida à revista Piauí, na última edição, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, sem nenhum constrangimento, disse que o novo partido que está fundando não discriminará ninguém, e aceitará cidadãos com qualquer perfil ideológico, sinalizando a pretensão de apenas manter-se no poder. É tão descaracterizada de sentido político aristotélico a ideia do novo partido que foram descobertas listas falsas de assinaturas necessárias para a efetivação da sigla. Sinal óbvio, a contar com os que já pretendem filiar-se ao novo ninho de raposas, do que podemos esperar. Mais uma vez, se o cidadão brasileiro não fosse idiota, no sentido grego, a criação de um partido desses sequer seria cogitada.
  • Viva a Vaia!

    Falando em político, para finalizar, não há nada mais constrangedor, sem sentido e fora de propósito do que o modo arcaico como estes políticos falam em cerimônias públicas. Seria bem mais inteligente se eles, ao invés de perder tempo em citar todos seus colegas, de forma cansativa e fastidiosa, dissessem apenas: “Prezados cidadãos”. Algumas vezes, a nominata leva mais tempo do que aquilo que supostamente deveria ser dito. Essa velha maneira de fazer política também tem a ver com a idiotização do cidadão médio, porque é permissivo com ela. Sempre me pergunto por que ninguém mais vaia? Como dizia o grande poeta Augusto de Campos: Viva a Vaia!
Diário Catarinense, 30 de julho de 2011

4 de julho de 2011

DOS DIREITOS DE IR E VIR

  • Seminários, congressos, debates e artigos têm refletido, com maior ou menor profundidade, um dilema das cidades maiores: até quando o “poder” andar de automóvel pode se sobrepor ao “direito” de ir e vir da maioria? Quase sempre, chega-se à conclusão de que não há mais sentido o uso intensivo de veículos pessoais nos grandes centros. Uma pesquisa empírica feita em plena Avenida Paulista, em São Paulo, planejou uma espécie de corrida maluca entre um carro e um pedestre. Ambos percorreram todo o seu trajeto num horário crítico, e o automóvel chegou apenas cinco minutos antes do pedestre.

    Na Ilha de Nossa Senhora dos Aterros, onde a população é devota de “Santo Automóvel”, já é quase desumana a dificuldade de mobilidade urbana. E todos os especialistas são unânimes em apontar como causa principal dessa insanidade dois fatores: essa “cultura do automóvel” por parte de uma classe média que acha feio andar de ônibus e a falta de sensibilidade do poder público (ou seria falta de vontade política?) em tratar o tema com inteligência.

    Em média, os veículos particulares ocupam 58% do espaço das ruas para levar apenas 20% dos cidadãos. Já os ônibus transportam mais de 68% das pessoas, ocupando apenas 24% do espaço. Se todos sabem que se não houver investimento em transporte público a situação ficará cada vez pior, por que então vereadores, prefeito, construtores e uma parcela enorme da classe média ainda acham que é duplicando e fazendo túneis e viadutos que haverá fluxo tranquilo? Se não abandonarmos a ideia de que apenas o automóvel pode nos levar de um lugar a outro, deixaremos de ser uma “metrópole” para ser uma “necrópole”, porque estaremos nos matando aos poucos e de forma violenta.

    Uma das tarifas de táxis mais caras que já conheci é a da Ilha dos Aterros. Conversei outro dia com um taxista. Disse a ele que o valor quase surreal do táxi ilhéu devia-se à quantidade irrisória deles nas ruas. O motorista respondeu que para eles é bom. Novamente a lógica de uma minoria sobrepujando o interesse coletivo. Depois, descobriu-se que quase toda a frota, que é mínima, se comparada a cidades como Curitiba, Nova York ou São Paulo, pertencia, com anuência do poder público, a um único sujeito.

    É emblemático o número de adesivos que circulam na Ilha, principalmente no Sul, anunciando que “se não duplicar vai parar”. Trata-se de uma lógica pequeno-burguesa. Se desse certo, São Paulo não teria metade dos problemas que tem. O que não fez ainda São Paulo parar é o metrô.

    Faz muito tempo que nas cidades onde a formação da classe média é melhor a maioria usa muito mais o transporte público. O sensato não é duplicar ou fazer mais viadutos, mas prover a cidade de transporte público de qualidade, rápido, eficiente e, de preferência, gratuito. Somente deste modo todos poderão exercer com plenitude seu direito de ir e vir.




  • O grande nó

    Nos debates sobre mobilidade urbana, soluções como ciclovias, integração e uso de transporte marítimo são sempre lembradas. Porém, pouca gente toca no ponto mais fundamental, principalmente na capital catarinense:o direito de ir e vir de milhares de pessoas está estancado nas mãos de poucos empresários. O grande nó, dizem os empresários, é que, se aumentar a oferta de ônibus e horários (e o táxi usa a mesma ideia), os veículos levarão poucas pessoas e a empresa não terá lucro.

    Se é assim, resta uma pergunta que deve ser respondida pelo poder público e por parte da população que acredita nessa falácia: se a empresa não pode ter prejuízo, a população (acidentes, lentidão, poluição) pode? Quanto mais houver ônibus, táxis, micro-ônibus, trens, metrôs ou barcos disponíveis, mais pessoas deixarão seus automóveis em casa. Se tem pouca gente esperando ônibus nos pontos é porque a fama do serviço (que basta usar para comprovar) é muito ruim. Quem não pode ter prejuízo são os usuários (milhares) e não apenas alguns empresários.

    Além do mais, o transporte público, tanto ônibus quanto táxis, é uma concessão pública. Ou seja, é o Estado que regula e permite. Pergunto: por que o Estado, ou seja, nós, contribuintes, temos de sustentar o lucro dos empresários. Por que o Estado não encampa o serviço? Se a sociedade quer e precisa de transporte público, nada mais sensato do que municipalizar o serviço. Mas para isso é preciso mudar a cultura geral da classe média, educá-la politicamente para que não caia no discurso de que o empresário “pode” lucrar, mesmo às custas do desconforto da maioria.

  •  Diário Catarinense, 2 de julho de 2011
  • SOBRE O ÓDIO

    a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...