Adoradores de lixo
Houve uma época, no fim dos anos de 1970, em que os governos brasileiros apregoavam a poupança como estratégia de desenvolvimento. Embutida na propaganda, havia a promessa de um planejamento futuro. Eu era ainda garoto quando achava a ideia do cofrinho bem divertida. Pedia aos tios e parentes uma moedinha. No fim do mês, depositava em uma agência da Caixa Econômica Estadual (sim, havia uma) só pelo prazer de conferir o saldo, somado ao do depósito anterior.
É desse mesmo período a lembrança dos mercadinhos. Neles, pedíamos ao dono os produtos necessários. Ele anotava numa caderneta e assinávamos, como prova da aquisição. A primeira vez que entrei num supermercado, o que equivaleria hoje apenas um departamento de um supermercado, acreditei que minha avó estava roubando, porque pegava as “compras” direto nas prateleiras. Mas o que vale para essa conversa é que para comprarmos bebidas, deveríamos levar a garrafa, à qual chamávamos de “casco”.
Passados quase 40 anos, os hábitos de produção, consumo e economia se transformaram totalmente. Os mercadinhos foram engolidos pelas grandes redes, não é mais necessário “levar o casco” e parece ser um absurdo guardar dinheiro ou poupar. Ainda guardo moedas. Outro dia, quando o cofre estava cheio, levei-as para trocar em uma padaria. A dona, ou gerente, achou um absurdo, argumentando que precisava tanto daquelas moedas. “Tem que gastar, ela disse”. Sim, pensei, não se pode mais economizar moedas e, possivelmente, não se fabricam mais porquinhos.
Há uma questão fundamental imbricada nessa prosa, mas pouco, ou mal refletida pela sociedade, que é a ideia da reciclagem. Refazer, reestruturar, dar outro sentido ou transformar um objeto usado em outro pode parecer uma proposta ecologicamente correta do ponto de vista do consumo. Porém, não altera nada os padrões de produção. Ecologicamente correto não é reciclar garrafas de plástico, por exemplo, mas parar imediatamente de produzi-las. Se um dia levamos e trouxemos garrafas de vidro, por que não podemos mais fazer isso? Reduziríamos em milhares de milhões de toneladas de lixo na natureza. Do mesmo modo, não é mais sensato produzir sacolas de plástico para carregar compras. Estima-se que sejam produzidas, hoje, um milhão de unidades destas sacolas por minuto no planeta.
Para não ficarmos apenas nas sacolas, há um dado estarrecedor na lógica da produção e consumo. De todas as coisas produzidas e consumidas no planeta apenas 1% ainda será utilizado depois de seis meses. Isso significa que a lógica da produção é o incentivo ao consumo pelo consumo, não pela necessidade. Os outros 99% são transformados em lixo, ocupando solo, sujando rios, emitindo gases poluidores. Compramos coisas com uma finalidade, a de que elas se transformem em lixo em menos de seis meses.
Se perguntarem para cem pessoas o que fariam se ganhassem US$ 2 milhões na loteria, 90% comprariam carros, casas, mudariam os móveis etc. Talvez 10% de sensatos venderiam tudo para morar em um hotel e viver com aquele 1% que não vai para o lixo. Mas, na lógica capitalista, você só é gente se comprar, mesmo que já tenha.
Além do mais...
Rios poluídos
Em 2002, por exemplo, o governo Federal destinou quase US$ 20 milhões para combater a poluição dos rios dos três estados do Sul causada pela suinocultura. Isso sem contar a poluição atmosférica causada pelo gás metano. A mesma nota dizia que o mesmo governo investiria apenas US$ 1 milhão para incentivo às práticas agroecológicas e de ecoturismo na região da Serra do Tabuleiro.
Sem lógica
A lógica dos governos e das grandes corporações há muito tempo comprou corações e mentes da iletrada classe média brasileira. Desinformada, distante das discussões essenciais, resta a ela consumir sem pensar. Pela mesma lógica é que esses mesmos governos não querem investir em educação e cultura, porque fabricaria muita gente informada, que não precisará de muito na vida, apenas o suficiente para ter o essencial, aquele 1% que não vai para o lixo.
28 de agosto de 2011
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