23 de outubro de 2011

  • O “real” da política

    A entrevista concedida pelo ex-secretário da Fazenda Ubiratan Rezende – publicada na semana passada aqui no Diário – foi a mais lúcida que já li sobre política neste Estado reacionário, elitizado e atrasado que é Santa Catarina. Eu já havia gostado de um artigo de Rezende, publicado no mês passado, também aqui no DC, quando ele ainda era secretário. E já havia sido lúcido e realista (bem mais do que o rei) quando confirmou o que qualquer estudante de Sociologia já sabe e todo cidadão precisa (ainda que não compreenda). A questão, portanto, não é a obviedade do que se sabe, mas o “personagem” que a repete, porque se existe alguma coisa ainda rara por aqui, depois da passagem das cinzas do vulcão chileno, é um político falar o que pensa. E, mais ainda, falar o que é preciso que seja dito, ainda que seja o óbvio.

    Agora, como ex-secretário, possivelmente sentiu-se muito mais à vontade para demonstrar o quanto os políticos tradicionais são incapazes de escapar da lógica fisiologista, viciada e maldosamente ignorante que toma conta do Estado. Rezende diz o que escrevo aqui nesse canto do jornal nos últimos 10 anos. Todo mundo sabe que o Estado é rico, que o problema não é a falta de grana, mas o mau gerenciamento dessa grana. E não raro, ela alimenta (vide superaposentadorias, salários absurdos à custa de desigualdades sociais) justamente os que a mal gerenciam.

    Tão logo assumiu, Rezende compreendeu que as secretarias regionais eram um escoadouro de dinheiro para cabos eleitorais e auxílio fácil para reeleições com dinheiro público. Tanto que o ex-governador só se reelegeu, a despeito da desastrada gestão, por conta da existência bizarra das tais secretarias. Em tempos de comunicação instantânea, é óbvio que seria bem menos oneroso investir em um sistema de comunicação eficiente entre Estado e prefeituras para que os graves problemas (e, afinal, sabemos todos quais são: educação de última categoria, cultura sem investimento algum, saúde doente, segurança insegura, e nenhuma justiça aos que mais precisam dela) pudessem ser sanados com mais razoabilidade e inteligência. Na entrevista, Rezende não escondeu que logo nos primeiros dias o governador Raimundo Colombo foi bem claro e “realista”. O jogo político é outro. Colombo não foi eleito por conta própria, mas por causa de uma aliança, a mais esperta de toda a história política de Santa Catarina, que é justamente a que criou enormes cabides de emprego para as centenas de cabos eleitorais que garantiram a sua própria eleição. Até um cego, com perdão do trocadilho infame, percebe isso. Menos aqueles a quem Rezende, com sua polidez acadêmica, chama de “os poderes”. Segundo ele, 18% da receita do Estado vai para os “poderes”, e sobra apenas 4% para investimento. Para que ter governo, então?

    Como podem os juízes, deputados e o próprio Executivo (não são eles os “poderes?”) dormirem com tanto disparate? Por que não param tudo e revisam esse vício político? Sim, sabemos todos, porque eles não querem deixar de ganhar. Enquanto isso, a população que paga aos poderes para que os poderes resolvam seu problemas básicos, tem que se virar, contratando outro Estado: o privado, para educar, dar segurança, curar e prevenir suas doenças.

    Porém, Rezende ataca também os empresários. Muitos, segundo ele, são “comissários” do Estado, porque ganham subsídios e incentivos, porém, não sabem se virar sozinhos. O grande problema está, então, no eleitor, que, mal-educado, mal-informado, e que ainda troca voto por um quilo de arroz, colabora com esse vício e essa ignorância cruel que é o sistema político brasileiro, e, em particular, o catarinense.

    Apenas o eleitor pode mudar esse vício. Mas, é claro, se tiver vontade para isso. Por que se acreditar que é justo pagar duas vezes (uma para o Estado, outra para a iniciativa privada) para ter saúde, segurança, educação, cultura e infraestrutura, então deixe tudo como está, como fez o governador Raimundo Colombo, que chamou a pessoa certa, mas não tem capacidade política para mantê-la e transformar essa brutal realidade política. E vai tocar assim até o fim do seu mandato. Depois virá outro, e mais outro, e assim, a cada mandato, mais o Estado gasta com o que não precisa e deve para aquilo que existe. Então, para que quer ser governador, se não consegue governar? Se é incapaz de denunciar os vícios, as pessoas, a máquina, as alianças que o impedem? Está mais do que na hora de mudar tudo isso. O problema é que pessoas inteligentes não têm a menor vocação e paciência para dialogar com os ignorantes que ocupam os poderes.
  • Desabafo do Guga

    Outra entrevista do DC que também deu o que falar foi a do tenista Gustavo Kuerten. Do mesmo modo que o ex-secretário da Fazenda, Guga disse o óbvio. E só repercutiu por causa do personagem. Que a Ilha está sendo vilipendiada, mal administrada e destruída pelo mercado imobiliário, todos sabem. O que poucos sabem, e talvez Guga possa elucidar, é o por qual motivo a construtora da qual ele foi sócio (ou ainda é?) tem sido uma das que mais derruba casas e prédios antigos do que ainda resta de patrimônio arquitetônico, impondo à paisagem urbana um estilo “caixotão” de arquitetura, sem nenhuma criatividade?
  • Plano Diretor

    Depois da desastrosa tentativa do prefeito Dário Berger de apresentar um projeto de Plano Diretor, passando por cima do Estatuto das Cidades, chamando técnicos estrangeiros e deixando de lado todas as discussões feitas pelas comunidades, está sendo remontado o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo. O Núcleo, com representantes dos vários distritos da cidade, eleitos em audiência pública, se reunirá quinzenalmente. Infelizmente, a UFSC, sem nenhum motivo técnico (supomos, portanto, que seja político) tirou o arquiteto Lino Peres, um dos mais atuantes nos últimos quatro anos, indicando nomes que não acompanharam o processo.
  • Pelo tombamento da Ilha dos Aterros

    E que seja apresentado urgentemente o novo Plano Diretor, antes que Nossa Senhora dos Aterros se transforme, definitivamente, numa terra de ninguém, como sugeriu o Guga. A produção em série de licenças ambientais despropositadas (e a Operação Moeda Verde? Que fim deu?) e alvarás duvidosos de construção em locais notadamente perigosos ao meio ambiente é assustadora. De minha parte, que costumo ir às raízes, como dizia o velho Marx, quando o chamavam de radical, proporia o tombamento imediato de toda a Ilha dos Aterros. Ninguém mais pode destruir nem construir.

    Diário Catarinense, 23 de outubro de 2011

SOBRE O ÓDIO

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