23 de setembro de 2012


CULTURA PELA CULATRA


      A frase “Sempre que ouço a palavra cultura, tenho vontade de sacar uma arma” já foi atribuída a pelo menos três autores. Todos, não por coincidência, trabalharam para Hitler. Um deles, Joseph Goebbels, era o marqueteiro do Führer. O outro, Herman Göring, o chefe da polícia nazista, a Gestapo. O enunciado, ainda que caiba bem no repertório nazista, foi dita por um personagem de uma peça escrita por Hanns Johst, poeta e dramaturgo alemão simpatizante do Nacional Socialismo. O mais provável é que Johst tenha criado o personagem, mistura de Göring e Goebbels, justamente para homenageá-los, corroborando assim a vontade de “matar a cultura”.
      O cineasta francês, Jean-Luc Godard, no filme “O desprezo”, tem um personagem, que é produtor de filmes – uma paródia aos produtores norte-americanos – que em uma pequena sala de exibição, diz, em tom irônico: “Cada vez que ouço a palavra cultura tenho vontade de sacar meu talão de cheques”.
Esta pequena introdução opondo cultura e belicismo serve para exemplificar como governantes locais pensam sobre políticas públicas. Suas vontades têm mais a ver com sacar o revólver do que o talão de cheques. Os exemplos são inúmeros. O mais constrangedor é que, ao contrário do bom senso, onde há décadas está estabelecido que a cultura é um setor estratégico (a maioria dos países europeus, por exemplo, que vivem basicamente de seus patrimônios culturais) e dos Estados Unidos (cuja indústria do cinema e da música pop arrecadam mais do que a indústria automobilística), Santa Catarina caminha na contramão.
      O governador Raimundo Colombo não se importou de visitar um produtor de queijos, e tirar fotografias, que acabou de criar um Gruyére ou um Brie tupiniquim. Mas, chamado por todos os produtores a criar uma secretaria de cultura, faz ouvidos moucos. Por que, perguntamos há décadas, um setor tão estratégico e tão fundamental para o desenvolvimento do Estado é tratado de forma tão desprezível? Por que quando industriais, empresários, agricultores fazem protestos ou exigências os governos imediatamente abrem as portas dos palácios para ouvir suas queixas, e quando artistas querem ser ouvidos os governos fecham as portas?
      O que me faz pensar nessa negligência é que o queijo não é embutido de conceito, mas um livro, uma peça de teatro, um poema, uma canção são. Governos detestam conceitos, porque faz com que seus cidadãos pensem, ao contrário de quando comem queijo. E governos ruins não sobrevivem a um povo que pensa. Por isso, esvaziar seus artistas, deixá-los à margem, como se não fossem eles tão importantes quanto a indústria têxtil ou um pedaço de queijo, é fundamental para a sobrevivência de governos ruins. Caso contrário, não apenas o atual governador, mas todos os anteriores, já teriam há muito chamado os artistas para uma conversa, para saber o que pensam e do que precisam. Ele descobriria estupefato (se é que governos ruins ainda têm a capacidade de se surpreenderem) que o problema não é o corte de verbas que incomoda, mas o modo como esta pequena verba é gerida. O problema é de gestão, não de cifras. Preferimos 70 milhões justamente geridos e democraticamente distribuídos (em forma de fundos e editais transparentes) do que 240 milhões para projetos de governo de cunho autopropagandista, extemporâneos e de qualidade estética duvidosa, decidido por um comitê gestor, o qual nenhum produtor apoia, ignorado pelo Conselho Estadual de Cultura, que, ao contrário de aconselhar, apenas diz amém.
      A declaração do novo secretário de cultura, esporte e turismo (a junção de três áreas alheias já é por si só um agravante) de que o governo (por isso não queremos política de governo, mas de estado) é a de que eles só investirão em eventos que atraiam muita gente, como as festas de outubro. É o que dá nomear pessoas que não são da área. Pergunto ao novo secretário, como ele teria tratado Cruz e Souza (eu grafo com Z, porque era como ele mesmo assinava), para ficar no mais batido dos exemplos. O bardo não atingia muita gente, mas hoje é considerado o maior artista catarinense. Este tipo de declaração, de um secretário que sequer compareceu ao Fórum Regional de Cultura, que o próprio governo dele está promovendo, é que cria cizânias entre os governos e os produtores de cultura.

O que é o Fórum

      O Fórum, que reuniu artistas e produtores de todo o Estado e das mais variadas modalidades de expressão, estabelece diretrizes de conduta de estado, para que toda a política pública para o setor seja tratada como estratégica, não como política de balcão, favorecendo grupos do próprio governo, dando a impressão de que Santa Catarina só produz arte e cultura extemporânea. Pelo contrário, o Estado tem excelentes artistas, mas que precisam, do mesmo modo que o agricultor, de subsídios, sim, para que o público os reconheça e se reconheça nessa produção.
      Mas para que isto aconteça os governos precisam ter coragem de ouvir seus produtores, do mesmo modo como vai comer queijos e provar vinhos, os quais também precisamos. Até porque saber provar um bom queijo e um bom vinho também tem a ver com cultura. Só deixaremos de ser um povo violento, de ter um dos maiores índices de mortes no trânsito, de sermos tão colonizados em relação à língua e aos costumes alheios (principalmente quando deixamos de lado o conceito de antropofagia dos modernistas) quando os governos deixarem de vez de puxar o revólver cada vez que ouvem a palavra cultura. Da minha parte, cada vez que ouço a palavra revólver, me dá uma vontade enorme de puxar minha cultura.

3 comentários:

Anônimo disse...

Excelente artigo. Parabéns!
Fatima de Laguna

LETRADÁGUA disse...

Clara Lâmina, como sempre!

Unknown disse...

Para quem gestiona a barriga, comer queijo...

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