29 de junho de 2013

À DIREITA NUNCA MAIS!

     É bem fácil  manipular informações com níveis de formação intelectual tão frágeis como o do brasileiro, educado basicamente pela programação débil, repetitiva e falaciosa das programações das redes de televisão. A guinada para a direita na grande manifestação da semana passada é prova disso. Um movimento que começou solicitando a redução dos preços das tarifas de transporte público transformou-se em uma passeata ufanista de viés direitista. É certo que muitos manifestantes estavam ali por mudanças importantes, e que a maioria  está insatisfeita com a falta de representatividade política, porque aguarda há décadas uma reforma que nunca acontece. Porém, poucos sabiam que as reformas não seguem adiante porque quem tem as rédeas para propor mudanças são justamente os políticos que se beneficiam com as regras do jeito que estão. Portanto, anseios legítimos com proposições ilegítimas.
     Esta multidão de pessoas indo às ruas, ainda que com os mais variados propósitos, em última instância, é um aceno, uma demonstração de um desejo de participação mais efetiva nos destinos da nação, querendo dizer que o voto não é mais o único modo de expressão democrática, e que a rua é um plebiscito, talvez o mais original, se pensarmos na democracia grega.
     A esquerda brasileira, para chegar ao poder, apesar de ter tido muitas de suas proposições efetivamente cumpridas, fez o que chamávamos nos anos oitenta de “alianças espúrias”. Estes aliados de ocasião, sem nenhuma identidade ideológica, agora estão cobrando caro pelo apoio prestado. Como disse muito bem o ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, fazendo o mea culpa necessário: “Não mexemos na estrutura deste Estado, que continua sendo uma cidadela dos grandes interesses econômicos e culturais”. A esquerda abandonou inúmeras pautas importantes (nas quais milhões de eleitores escolheram), que transformariam o País para melhor, desde a reforma agrária até a interrupção dos lucros abomináveis dos bancos, por exemplo. Há que se reconhecer que  os avanços sociais  conquistados são infinitamente superiores em relação a todos os dos governos anteriores. Por conta destas alianças, mais e mais a classe política  criou um distanciamento quase abissal daqueles que os elegem. Deu no que deu. São hoje poucos, infelizmente, os que acredita em partidos.
     E como falta informação histórica, os manifestantes da última passeata foram às ruas carregados de bordões e palavras de ordem  extremamente danosas à democracia, tais como “o gigante acordou”, como se não houvessem pessoas indo para as ruas quase todos os dias, pelas mais variadas reivindicações: melhores salários, contra a homofobia, redução da jornada de trabalho, contra deputados pastores, a favor do aborto, pela reforma agrária, etc., etc. O problema é que a classe média alienadíssima e desinformada desconhece o outro, fecha os olhos para os cidadãos há tempos acordados.
    A mesma classe média desinformada resolve de um dia para outro agredir pessoas com direito constitucional para portar bandeiras, mas não compreendem, ou sim, mas agem de ma fé,  que filiar-se a um partido ainda é a forma mais democrática de se fazer política, inclusive para transformá-los. E não compreendem também que todas as ditaduras (que jamais permitiriam que esta mesma classe média fosse à rua), na primeira oportunidade fecham os partidos. A desinformação é tão grande, que nem mesmo pessoas esclarecidas sabem o real significado da proposta de emenda constitucional 37, que, dizem, vai tirar o poder (que constitucionalmente nunca teve) do Ministério Público de investigar crimes, mas o que mais se vê é gente contra. Além disso, são tão despreparados politicamente, que solicitavam a apartidarização, mas mantinham um cartaz de “Fora Dilma”, como se isso não fosse um jogo partidário e como se isso não fosse uma bandeira, na  acepção mais emblemática da carga semântica da palavra bandeira.
Apesar de tudo, penso (como sugere o título desta página) que está mais do que na hora de o governo brasileiro propor as reformas históricas, às quais a maioria do povo, de forma democrática, através do voto, apoiou desde a primeira eleição de Lula. Dilma Roussef, na segunda-feira, propôs uma constituinte específica para a reforma política, mas é preciso uma reforma muito mais ampla, e que seja plebiscitária, sim, como a própria presidente propôs. E só terá sentido se fizermos como na Islândia, onde os constituintes foram cidadãos comuns, inscritos e escolhidos com o compromisso de não se transformarem em políticos profissionais. 
    Por fim, o que originou todos os protestos posteriores, manipulados por parte da mídia e da elite que berra contra a corrupção, mas jamais berrará contra os corruptores (em sua maioria membros da própria elite), foi o aumento das passagens de ônibus em São Paulo. Como demonstraram os jornalistas Thiago Santaella e Mônica Foltran, na edição de segunda-feira passada deste Diário, mais de 50 cidades no mundo adotaram a tarifa zero com enormes ganhos na mobilidade, no bem estar da população e na despoluição das cidades. A única questão que faltou contemplar é que o custo de R$ 152 milhões anuais aludidos para sustentar a tarifa zero é uma estimativa calculada apenas pela iniciativa privada, baseada, obviamente, em um lucro que interessa apenas a ela e não à população. Faltou dizer também que na Austrália, duas de suas maiores metrópoles, Sidney e Melbourne também praticam a tarifa zero.  
   Isso significa que é possível, necessário e urgente a adoção da tarifa zero. O que não é possível é admitirmos um retrocesso institucional e democrático, mas sim seu avanço. Se é ruim como está, primeiro devemos olhar para a história para percebermos o quanto avançamos nas questões sociais, e fazer, aí sim,  a crítica justa a cada poder instituído (não apenas ao executivo) que deveriam nos representar. Há corrupção em todas as instâncias de poder, nos mais variados partidos, em inúmeras repartições públicas. Mas não existem corruptos sem corruptores, e muitos dos corruptores estavam na mesma manifestação. 
     Portanto, fazer a crítica justa e necessária, sem perder as caras lições da história, sim, mas voltar à direita, nunca mais!



Publicado originalmente no Diário Catarinense, 29 de junho de 2013.

3 comentários:

Cesar Cavalcanti disse...

Perfeita radiografia da situação política do país, o qual não é merecedor de tamanha injustiça.

Serginho disse...

Parabéns pelo texto Fábio. Foi a melhor visão que eu li até o presente momento sobre as manifestações que estão ocorrendo no Brasil.

RicardoPinho disse...

Análise lúcida. Precisa. Só não entendo como o jornal da rbs publica um texto como esse. Corre risco de ser condenado por heresia.

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