1 de junho de 2013

SER RADICAL É IR ÀS RAÍZES

         Nos anos de 1920, o escritor Mário de Andrade dizia: “Muita saúva, pouca saúde, os males do Brasil são”. Não temos mais, pelo menos em nossa urbe insana, que nos preocupar com a saúva, mas os problemas de saúde, apesar do avanço da expectativa de vida desde aquela época, são imensos. Eu agregaria hoje, além do desleixo crônico desde a constatação de Mário de Andrade, com a saúde pública, dois defeitos ao País: a conciliação e o imediatismo. Se formos bem no fundo da raiz, no conceito marxista mais bonito de sua análise profunda que fez sobre o capital (o primeiro é a ideia de mais-valia), que é “ser radical”, percebemos que toda conciliação paga tributo ao imediatismo. E toda atitude imediatista tende a matar as soluções a longo prazo.
         Se tentarmos compreender o motivo pelo qual o Brasil ainda navega sob um regime presidencialista, (muito possivelmente porque a maioria das pessoas não sabe o que é o parlamentarismo); o motivo pelo qual um sujeito como Paulo Maluf é procurado pelas polícias de cem países mas só aqui ele anda solto e ainda é deputado federal; o motivo pelo qual pequenos burgueses mal informados bradam furiosos contra políticas de cotas, distribuição mínima de renda e outras políticas de desnivelamento social, mas nunca são contra, ou desconhecem, a aposentadoria de viúvas que recebem cem vezes mais do que uma família inteira inscrita em quaisquer dos programas sociais existentes; o motivo pelo qual somos machistas, violentos, misóginos, racistas e vivemos na superfície das coisas, navegando pela moda genérica que não está nem aí para as particularidades e para resoluções de problemas futuros, tudo isso e mais um pouco, é porque temos um medo abissal de ir às raízes, de ser radical. Citaria ainda a anistia geral que deixou de punir torturadores, criminosos, censores e sequestradores, entre outras atrocidades acontecidas durante a ditadura militar.
         Numa analogia talvez simplista (pra que ninguém diga que escrevo profundo demais), só se pode evitar frutos podres se cortarmos a doença desde a raiz. E mesmo os que torcem o nariz para Marx (porque talvez não o tenham lido com atenção) concordarão que  esse é um modo razoável de conhecer para resolver problemas.
         Todos sabem que é necessária uma profunda reforma política no Brasil, que o maior desperdício de dinheiro público que se tem conhecimento é a realização de eleições a cada dois anos. Na última eleição, o País gastou quase 600 milhões de reais. Na próxima, em 2014, calcula-se, segundo a proporção do aumento da penúltima, pode chegar a 750 milhões. Em quatro anos, o TSE gasta quase um bilhão de reais, quando poderia, se unificassem as eleições, gastar metade disso. Porém, a mania conciliatória, por conta do imediatismo, já que nenhum político quer encurtar seu mandato para se adequar a algo que economizaria, a cada quatro anos, uma quantia suficiente para construir, por exemplo, dez hospitais públicos, é o que mantém essa anomalia perdulária. Em quase todos os países democráticos as eleições são unificadas. E mais, na Itália, além das eleições gerais, desde o vereador até o presidente, todos os plebiscitos são feitos de uma única vez. Vários estados democráticos, principalmente na Europa, perguntam sobre quase tudo, de tempos em tempos, de forma plebiscitária, tentando se aproximar da democracia real, não a representativa, da qual estamos muito mal acostumados.
         No Brasil, pela tradição presidencialista, o povo dá uma importância desmesurada aos governos, e se esquecem de que eles são apenas nossos funcionários públicos passageiros, postos ali com uma função primordial, que é a de seguir e respeitar as leis. Mas poucos governos o fazem, porque pagamos para que o Estado devolva em educação, saúde, infraestrutura, cultura, segurança, e nós, tolos que somos, pagamos mais uma vez para a iniciativa privada para que nos dê de novo tudo aquilo pelo qual já contribuímos antes ao Estado.
         Cobrar, portanto, dos governos, que cumpram com suas obrigações, é ir às raízes, é ser radical. E fico muitas vezes pasmo quando, por conta de algumas cobranças de cumprimento legal, sou chamado de radical, como se fosse pecado cobrar dos governos o que é de direito e previamente acordado por lei.

FÓRUM CATARINENSE DO LIVRO E DA LEITURA

         Foi criado, na segunda-feira que passou, por iniciativa do projeto Bom de Ler, com apoio do Estado de Santa Catarina, o Fórum Catarinense do Livro e da Leitura, que reuniu vários representantes do setor, que, de alguma forma, trabalham com o livro e a leitura. O poeta e ex-presidente da Biblioteca Nacional, Afonso Romano de Sant’Anna, na abertura do evento, falou sobre a palavra leitura e sua tão recente incorporação ao vocabulário corrente da língua portuguesa. Revelou, também, um dado óbvio, mas pouco posto nos debates, que é o excesso de produção de livros em relação ao número ínfimo de leitores. 
         Talvez o leitor não saiba, mas a indústria do livro produz 200 títulos novos por dia, o que não é pouco. E estou dizendo “títulos”, não exemplares. Porém, as editoras, de acordo com Afonso Romano, e também por experiência própria, como editor de textos e de livros, estão acumulando em seus estoques toda esta produção. No resumo da ópera, o Brasil talvez seja o único pais do mundo que tenha mais livros do que leitores. Com uma televisão de programação imediatista e conciliadora, porque não vai às raízes, isso pouco vai mudar. E qualquer um entende que a televisão é hoje o maior sistema de (des)educação existente. A tevê tem mais poder de educar do que a escola e a família juntos. De qualquer modo, tomara que o Fórum recém instalado vá às raízes deste problema, como disse o próprio Afonso Romano, que é de segurança nacional. E para resolver problemas de segurança nacional só mesmo sendo radical. Caso contrário, continuaremos navegando bem próximos à barbárie.

Publicado no Diário Catarinense, 1 de junho de 2013.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muitos dos que leram e defendem Marx também não o entenderam. Meio que tipo: "Faça o que digo, mas não repare no que faço" (seria o termo correto da frase).

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