20 de agosto de 2013

REDES, TRIBOS E AFINIDADES ELETIVAS

    Tal e qual a maioria dos animais, ainda mais os mamíferos, humanos são gregários e se agrupam em tribos. A biologia da coisa, vamos dizer assim, agrega os animais por afinidade, geralmente baseada na mútua proteção. Humanos têm como princípio a sobrevivência da espécie, só que não da espécie como um todo, como a maioria dos outros animais, mas da preservação de um tipo de comportamento específico. 
     As redes sociais via computadores, fenômeno recente na história da cultura humana, apesar de ser um avanço tecnológico dos mais incríveis e talvez inimagináveis (a não ser por visionários cientistas e roteiristas de ficção científica) continuam apenas reproduzindo comportamentos típicos da espécie humana. A existência da internet e a possibilidade de comunicação tão imediata com pessoas tão remotas e diferentes, apesar de parecer antitribal, não faz nada mais do que replicar comportamentos tribais. Para isso, na própria rede, você se filia a “grupos”, “comunidades”, entre “amigos”, etc.
       E não poderia ser diferente. Afinal, somos humanos, e nenhuma tecnologia fará mudar o propósito de todo animal na Terra, que é o de perpetuar a espécie, de acordo com a máxima contida no Gênesis, que é “crescer e multiplicar”. Mudamos os modos, os meios, as palavras, mas a ideia, a “vontade”, tão bem descrita pelo filósofo Arthur Schopenhauer, no seu catatau chamado “O mundo como vontade e representação”, continua sendo esta.
         A vontade está ligada pelo umbigo ao poder. Deixar todas as coisas como estão, apesar de manter algumas tribos com privilégios, outras tentando ter os mesmos privilégios, e outras ainda com incapacidade total de um dia sequer tocar os pés do poder (esta é a maioria) é o que mantém a roda da cultura girando tal e qual como está. O cruel nisto tudo é que as tribos se odeiam. Os exemplos ocupariam centenas de edições do Diário Catarinense. Talvez muitas tribos passem a me odiar de agora em diante porque minha tribo é francamente minoritária, vejam: Sou agnóstico; contrário à existência de qualquer tipo de arma; não tenho nenhuma paciência para ligar televisão; gosto de escrever, fazer, cheirar e de ler livros (apesar de ter tido pouco tempo pra isso, com exceção do “fazer”); tenho pavor de comportamentos machistas; acho natural a união de pessoas do mesmo sexo (porque acho certo também eu não ter nada a ver com isso);  acho terno e gravata a maior caretice, não compreendo, inclusive, a ideia de que cada ocasião tem que ter uma roupa apropriada; acho uma falta de respeito enorme quando, numa solenidade “autoridades” ficam citando outras “autoridades”, desmerecendo todos os outros que não são supostamente “autoridade”, enquanto poderiam dizer apenas “e aí, galera, tudo bem?”;  não gosto dos pronomes do tipo “vossa excelência,” enfim, sou da tribo dos contrários, e, como Torquato Neto, o grande poeta piauiense, que apenas a tribo dos poetas mais velhos conhece, estou neste mundo para “desafinar o coro dos contentes”, o que, penso eu, se é me dado o direito a pensar, não é pouca coisa.

ALÉM DO MAIS
MÍDIA NINJA E FORA DO EIXO.
       Isto tudo foi para “tentar explicar” que pouca gente deve saber o que é “Mídia Ninja”, ou “Fora do Eixo”. Depois das manifestações de junho, a Mídia Ninja, braço do Fora do Eixo, informou ou tentou informar a partir da internet, e de outro modo que não o convencional, sobre as manifestações, porque a mídia tradicional está tão viciada no jornalismo “terno e gravata”, que é incapaz de pensar que com as tecnologias disponíveis hoje, o velho jornalismo já está morto e falta apenas ser enterrado. 
        Choveram artigos, ensaios, entrevistas com os líderes do Fora do Eixo na grande mídia, que tentou, primeiro entender, depois “não perder o bonde da história”. Todos os comentários, opiniões e tentativas de explicação deste novo fenômeno de “fazer notícia” circulam apenas em uma pequena tribo, porque se alguém for pesquisar nas ruas, quase ninguém saberá dizer o que é Mídia Ninja. Eu sei porque pertenço a uma tribo que vive disso, e construí meu “banco de contatos” com pessoas que têm escudos de sobrevivência tribal semelhantes aos meus. Mas é preciso compreender que hoje,  um sujeito que tem uma conta no Facebook e um celular ligado na rede é um virtual “divulgador de informação”.
       A palavra que a mídia tradicional usa para desqualificar outro tipo de informação que não a sua é “credibilidade”. Porém, se a rede é a junção de todas as tribos possíveis, e pensando seriamente nas relações muitas vezes duvidosas entre grupos econômicos fortes, algumas mídias e o poder do Estado usado pelos governos, qual tribo garantirá a credibilidade desta ou daquela informação, independentemente de onde venha, se da mídia tradicional ou de um celular de um adolescente? É a pergunta desta pensata.

Publicado no Diário Catarinense, 17 de agosto de 2013

Um comentário:

Anônimo disse...

Você fala de antitribal, comunicados, de paciência, de autoridades e minorias. Você fala sobre muitas coisas. Você joga milhões de bits em palavras na cloud e elas chovem sobre poucos. Mas até hoje você nunca me disse qual a palavra que nunca foi dita.

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