25 de agosto de 2007

Poesia concreta, 50 anos

Abriu, na semana passada, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, a exposição Poesia Concreta - O Projeto Verbivocovisual, em comemoração aos 50 anos do surgimento da poesia concreta no Brasil. Quando surgiu, o Concretismo assustou muita gente, principalmente os que mal tinham digerido a poesia modernista, da qual o Concretismo é notadamente tributário. Vinte anos depois da publicação do manifesto concretista, ainda tinha poeta, como Affonso Romano de Santana, que dizia, em 1976: "O concretismo emparedou toda uma geração a partir de 1956".Sigmund Freud disse que tudo que ele havia proposto, os poetas já imaginaram antes, e com mais propriedade, coincidindo com a idéia do poeta norte-americano Ezra Pound (correspondente, inspirador e incentivador dos poetas concretos) quando disse que o "poeta é a antena da raça". Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos foram as antenas de sua geração, pois a poesia concreta tem a ver com o crescimento industrial dos anos 1950, a transformação de São Paulo numa cidade de concreto, a construção de Brasília e a revolução pela qual passava a arte de modo geral. Tudo isso, inevitavelmente, teria que trazer também uma mudança na poesia dessa época, assim como a revolução industrial trouxe ao poeta modernista no final do século 19.Se o poeta é aquele que antevê o futuro, como disseram Freud e Pound, não seria por isso que sejam tão incompreendidos pelos seus contemporâneos? O poeta pesquisa, experimenta, evita fazer o que já foi feito (falo dos bons poetas, é óbvio), e, nesse processo, distancia-se dos leitores (porque não fazem o mesmo), ainda mais os que ainda pensam ser a poesia um negócio meloso que fala necessariamente de amores não correspondidos.Essa experimentação, no caso da poesia concreta, chegou à criação do termo verbivocovisual. A palavra agora seria ligada não apenas ao seu imediato conceito, ou à sua carga semântica, mas às suas possibilidades plásticas e sonoras, ou seja: verbal, vocal e visual. A palavra, no concretismo, mostrou aos leitores e a outros poetas que ainda faziam versinhos de amor, que poderia alcançar vôos muito maiores do que sua mera interpretação semântica ou deleite sonoro.Passados 50 anos, a exposição provoca ainda várias questões. Por que, por exemplo, a maioria da poesia produzida no Brasil não levou adiante as potencialidades verbivocovisuais da palavra? Uma das respostas, me parece, é que a produção de poemas concretos se esgotou como experiência, a ponto de os próprios criadores deixarem (com exceção de Augusto, que se considera um poeta bissexto) de fazer poemas concretos e terem publicados, nos últimos anos, versos, digamos, "normais".Teria sido essa sofisticação formal, e necessária, tão cruel para os futuros poetas, que teria feito Afonso Romano ter dito que o Concretismo emparedou toda uma geração? Seria essa impossibilidade de criar ou de se pensar uma poesia completamente verbivocovisual o motivo pelo qual quase não há mais poetas concretos, no sentido mais literal do termo? Digo isso, porque pelos menos a minha geração, faça ou não poesia visual, prestou muito mais atenção no significante do que prestavam os poetas pré-concretos. Mas ao que parece, a visualidade da palavra, que fez do Concretismo o que ele é, e o aproximou das artes plásticas, ficou lá no seu contexto histórico e para os museus e exposições. Com exceção do poeta Arnaldo Antunes, que é também músico popular, onde está o poeta concreto contemporâneo? Se a poesia concreta é revolucionária, qualquer poema produzido sem a verbivocovisualidade não seria pré-revolucionário? Décio, Augusto e Haroldo, além de ainda provocar todas estas questões, ao darem toda essa autonomia à palavra, além da sua função prosaica, traduziram e introduziram, mais do que seus próprios poemas, uma miríade de poetas que talvez ficassem esquecidos no limbo histórico, ou à margem (como diz Augusto), mas que hoje são fundamentais, como o próprio Pound, Oswald de Andrade, Sousândrade, Pedro Kilkerry, entre outros.Mas é interessante notar o quanto a poesia concreta, passados 50 anos, ainda provoca de incômodo à maioria dos poetas contemporâneos e a muitos leitores, incluindo os que nunca "viram" um poema concreto. Que fazer, se a história não é uma preocupação da maioria?

18 de agosto de 2007

Cansaram, é?

Alegando cansaço cívico, um movimento articulado por representantes da elite brasileira, uma parte dela ligada ao PSDB, faz uma campanha completamente inócua contra questões aparentemente coerentes. Porém, qualquer um que compreenda um pouco de hermenêutica saberá muito bem o que está escrito nas entrelinhas do protesto.

A única atitude do movimento, além de avisar que seus membros estão cansados, por exemplo, pelo "caos aéreo" - uma situação que atinge uma minoria da população, porque a maioria mesmo viaja de ônibus em estradas esburacadas (mas parece que disse ninguém cansou) - foi pedir um minuto de silêncio.

Um minuto de silêncio não leva ninguém a lugar algum. O que é preciso, para mudar de vez o comportamento mesquinho da elite brasileira, e, por consequência, dos governantes, é agir, não silenciar. Quem silencia consente. E querem saber que tipo de atitude, por exemplo, a elite poderia tomar, ao invés de dizer que está cansada?

Primeiro, se a elite está mesmo cansada de ver seus impostos indo pro ralo, por que será que paga duas vezes para que seus filhos tenham educação? Sim, porque pagam primeiro para que o Estado financie essa educação, depois pagam de novo para uma escola privada, apenas para não ter que ver seu filho estudar ao lado de cidadãos "menos desfavorecidos".

Segundo, se estão cansados mesmo, porque pagam plano de saúde privado? Pelo mesmo motivo da escola pública, a elite, ao abdicar de uma saúde pública decente, que é obrigação constitucional, deixa para os pobres essa reivindicação. A diferença é que eles não se organizam, como a OAB, por exemplo, que teria a obrigação moral de exigir o fim de todos os pagamentos para cidadãos brasileiros terem saúde e educação, como obriga a Constituição.

A elite cansou da violência, mas foi a primeira a ir contra um projeto que pretendia ajudar a desarmar a população. Como exigir, portanto, o fim da violência? A mesma elite cansou do tráfico de drogas, mas é a maior consumidora de drogas lícitas e ilícitas, porque pobre não tem dinheiro para comprar drogas, no máximo toma cachaça, que é lícita.

A elite cansou da violência no trânsito, mas se orgulha de tomar porres e sair por ai dirigindo e matando gente à revelia. A maioria dos acidentes de trânsito não acontece mesmo por causa das estradas e das sinalizações, mas por imprudência, exibicionismo e álcool. Ainda por cima, cansou do trânsito, mas não quer debater a existência de meios de transportes decentes e públicos, porque não abre mão de andar, mesmo que sozinho, no seu automóvel.

A elite cansou da impunidade, mas permite que o salário de um único parlamentar federal seja idêntico ao de 334 professores. Em qualquer país minimamente civilizado, essa desproporção abissal não existiria. E quem pode brecar a maior desigualdade social do planeta (no caso a brasileira) se não a elite? Ainda contra a impunidade, a pobre elite brasileira, tão cansada, permite que existam leis permissivas para que gente como Paulo Maluf, processado por tudo quanto é falcatrua, seja deputado federal.

A elite brasileira, tão novinha e tão cansadinha, quer agora um minuto de silêncio contra o caos que ela, ao longo dos últimos 500 anos, permitiu (porque se locupletou com ele) que viesse à tona. Basta de silêncio, de plaquinhas, de dissimulações. É a pior hora para se sentir cansado. E a primeira atitude da elite deveria propor imediatamente uma nova Constituição, mas desta vez feita não por futuros parlamentares, que passam a vida legislando em causa própria, mas por cidadãos que se comprometam a, pelo menos por uns 10 anos, não se candidatarem a nada.

De outra forma, é bom a elite, ao invés de cansar, ler um pouco mais sobra a história do país, porque esse desconhecimento atroz é a causa da repetição de tantos erros já cometidos, principalmente por ela mesma, a elite tão cansada.

10 de agosto de 2007

PARA QUE SERVE UM PREFEITO?

O ensaísta francês Roland Barthes, em sua magistral aula inaugural no Colégio de France, em 1977, ao comentar sobre o aprisionamento que a língua nos impõe – já que a palavra mesa, por exemplo, somos obrigados a usá-la tão logo começamos a falar –, fornece subsídios para analogias com outras questões do cotidiano. Uma delas é pensar que vivemos, fazemos, falamos coisas sem sequer refletir (voltar a si mesmo, como no espelho) sobre sua validade, sua importância, ou mesmo sobre sua conseqüência. A única saída plausível, disse Roland Barthes, é a literatura, local onde é possível renomear esse objeto que usamos para, na maioria das vezes, comer.
Desde o dia em que me tomei por gente, quando descobri, através dos livros, que é possível perguntar, existe uma figura pública chamada prefeito. Essa quase instituição, escolhida por uma parcela da população, é mais ou menos como a palavra mesa. A gente usa sem se perguntar o motivo pelo qual existe, sem, no entanto, ter como substituir por outra coisa que o valha. Mas ao contrário da língua, não há literatura que dê jeito na realidade. Os prefeitos existem, quer queiramos quer não. Mas ainda resta a pergunta, se tivermos coragem para fazê-la: Para que diabos mesmo serve um prefeito?
Um prefeito serve, como qualquer cidadão, para cumprir as leis, em primeiro lugar. A partir do momento em que fizer isso, já terá sido um administrador razoável. Um prefeito serve, também, para nomear pessoas capazes e técnicas para cumprir decentemente com as obrigações públicas. Um secretário de saúde, por exemplo, assim como todos os seus assessores, devem ser técnicos, e não políticos, parentes deles ou cabos eleitorais. Um prefeito serve para, sobretudo, cuidar do patrimônio público. Aos prefeitos que não sabem o significado disso, aviso que patrimônio público é do Município, e não do seu governo. Portanto, nada de achar que pode fazer qualquer coisa com isso.
Um prefeito serve, também, para evitar que áreas de preservação ambiental sejam tomadas de assalto por empresas que a usarão de forma privada, e não ao contrário, como alguns prefeitos conhecidos, que defendem empresas ao invés de cidadãos. Um prefeito serve para propor leis que tornem cada vez mais a administração pública isenta de atitudes políticas irresponsáveis, e para isso deve evitar contratar ou beneficiar familiares e amigos. Um prefeito serve para compreender a cultura de uma cidade, mas, para isso, é preciso que ele entenda que cultura quem faz é o povo e não seu partido ou seu governo, e que a única forma de não beneficiar seu governo ou partido, ou ainda seus aliados, é criar fundos e editais onde qualquer cidadão possa participar, sem ter que depender de apadrinhamentos ou de leis de incentivo onde quem escolhe o que é cultura são empresários. O resto chama-se fascimo.
Um prefeito serve, também, para dialogar com todos os cidadãos, ou com representantes de cada segmento da população. Um prefeito serve para avisar todas as semanas como, onde, e por quais motivos está gastando o dinheiro arrecadado com os impostos. Um prefeito serve usar o patimônio que é de todos em benefício de todos.
Segue na próxima semana, com ajuda de qualquer cidadão que tiver outras idéias de serventia para tão nobre ocupação pública. Antes que eu esqueça, um prefeito serve também para ser esquecido.

6 de agosto de 2007

TRÊS HISTÓRIAS PARA PENSAR NO QUE FALAR

1) Nelson Piquet, tricampeão de Fórmula 1, e o melhor piloto que o País já teve, porque além de “braço” era irreverente e dizia o que pensava, levou multas no trânsito de Brasília mais do que o suficiente a ponto de ter que voltar para a auto-escola. E voltou, se deixando, inclusive, fotografar. Sobre a nota, dá para pensar algumas questões, tais como: a) O piloto é um péssimo motorista?, b) As leis de trânsito não são feitas para bons motoristas?, c) Nelson é um cidadão exemplar porque, ciente da legislação, não usou toda a influência que tem para “comprar” outra carteira?, d) Piquet só é bom motorista quando não há sinalização de trânsito?, e) Ele só sabe dirigir rápido?, f) É bobagem falar sobre isso?
2) O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, veio a público dizer que jogadores da seleção de futebol do País chegaram bêbados ao hotel durante a Copa do Mundo de 2006, na Alemanha. Sobre a nota, dá para pensar algumas questões, tais como: a) Um dos patrocinadores da copa não era uma cervejaria?, b) Não seria ridículo imaginar que os rapazes perderam a Copa por causa disso?, c) Beber é proibido na Alemanha?, porque no Brasil não é, até onde sei, d) O que a vida pessoal dos jogadores tem a ver com seu desempenho público, e o que nós temos a ver com isso? e) Será que os franceses também não tomavam um vinho entre uma partida e outra?, f) Vinho é melhor pra jogar futebol do que cerveja?, g) É bobagem falar sobre isso?
3) Todos os anos, o Estado de Santa Catarina se obriga, por força de lei, a lançar edital público para produção de filmes. O edital, por ter critérios definidos e debatido entre a sociedade (por isso tornou-se lei) é a maneira mais republicana e democrática de o Estado investir em cultura, porque lei é igual para todos, porque o governo não privilegia este ou aquele, enfim, só um tolo não percebe que investimento público em cultura deve ser feito por critérios bem estabelecidos e editais públicos a todos os cidadãos. Mas para o governo de Santa Catarina não funciona assim. O princípio básico de república, que é o da impessoalidade, não serve de nada para o governador e seu secretário de turismo, esporte e cultura. Enquanto quase uma centena de profissionais entram na regra do jogo do edital recém lançado, por pouco mais de um milhão de reais, um cidadão chamado Roberto Carminatti, só porque é sobrinho de um secretário de articulação, chamado Ivo Carminatti, levou esta mesma quantia para produzir seu filme sem participar do mesmo jogo e dos mesmos critérios a que outros cidadãos devem se submeter.
Sobre a nota, dá para pensar algumas questões, tais como: a) Os Carminatti são mais cidadãos que os outros cineastas do Estado?, b) Não ensinaram ao governo o que é República?, c) A lei, em Santa Catarina, não é igual para todos?, d) Onde está a Cinemateca Catarinense que não denuncia este despropósito? e) Por que o Ministério Público Estadual ainda não se pronunciou sobre o escândalo Vera Fischer, aquele outro do Carnaval de Anita Garibaldi e sobre a barbaridade que estão fazendo com o Funcultural?, f) É bobagem falar sobre isso?

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...