29 de julho de 2008

Manias da fala

Pouca gente se dá conta, mas o que torna uma frase engraçada, séria, romântica, comum, ou o que quer que seja que seu falante queira denotar, tem mais a ver com o jeito que se fala do que com a semântica do enunciado. A mesma frase, com todos os seus sujeitos, verbos, objetos diretos ou indiretos, dita por um sujeito pode não ter o mesmo efeito desejado quando dita por outro. Os significados, portanto, têm a ver também com a respiração, que é quem marca o ritmo, ou com a expressão que o acompanha. As manias da fala também denotam, tanto quanto sua combinação de letras.

Mas, entre as manias, algumas me soam mais esquisitas. Não no sentido com que atribuem os espanhóis ou franceses, de saborosas, mas de estranhas mesmo. Acho engraçado quando alguém diz que come apenas produtos orgânicos. Tirando os avestruzes que comem de tudo o ser humano ainda ingere produtos orgânicos, mesmo que com agrotóxicos. Mas comida com veneno continua sendo orgânica, ou vira plástico por acaso? Sei que é uma forma, um tanto sacana, digamos, com a qual os naturalistas inventaram essa expressão para, talvez, desqualificar os alimentos com agrotóxicos. Mas poderiam ter sido mais honestos. É claro que eu prefiro comida sem agrotóxico, mas quando não é possível, e já devo ter bastante anticorpos para suportá-los, não saio por aí comendo inorgânicos, como fazem os avestruzes.

Do mesmo modo, talvez pelo mesmo motivo, acho curiosa a expressão "comida natural". Tudo bem, nesse caso, existem os tais "nojeritos", vendidos em "plásticos inorgânicos" (essa foi só para contrapor às comidas orgânicas) que possivelmente, pela falta de gosto, devem ser fabricados com isopor. Mas dizer que um sanduíche feito com lombinho de porco, ou com um pernil de ovelha não é natural é muita maldade. Quer mais natural que um porquinho ou uma ovelhinha? Não podemos falar o mesmo do tal chester, por exemplo, porque nunca vi um. Talvez eles sejam feitos de matéria inorgânica e não-natural. Mas mesmo que sejam feitos de minério, ou petróleo, ainda assim poderiam ser chamados de naturais.

Acho engraçado também quando pessoas se despedem dizendo: "um abraço". Tudo bem quando é por telefone, ou pela internet, mas quando estão um na frente do outro? Dois amigos apertam a mão e dizem: "abração, cara, valeu, até mais". Com beijos também acontece. Muita gente diz: "um beijão", mas não beija, estando mesmo à frente do receptor. Seria o "falar" mais fácil que o "beijar" ou o "abraçar"? Eu gosto de abraçar, apesar de existir muita gente que sente desconforto com o afeto que não se encerra, pelo contrário, se inicia, de um abraço.

A fala tem muitas manias, tanto quanto têm seus falantes. A fala é um reflexo do pensamento, por isso é de desconfiar (que literalmente quer dizer deixar de ter fé) quando se fala muito e pouco se faz. Nos próximos dois meses a mania que mais será ouvida é "eu prometo, eu sou honesto, eu sou trabalhador, eu sou o cara". Talvez esteja na hora de aprendermos de vez o que se esconde atrás das máscaras destas frases e de seus falantes, e, ao final, na hora de depositar o voto na urna, deixar estes caras falando sozinhos de vez. Eles e suas manias.

2 comentários:

Anônimo disse...

ahahaaha, muito bom isso de "abração, cara. A gente se vê!".
Tem uma mania que eu fico rindo sempre que escuto alguém com a boca toda cheia de bondade falando de outro alguém: "Nossa, ele é realmente uma pessoa muito humana!". Acho que isso também vamos ouvir nos próximos meses, de alguns desavisados sobre alguns animais...

Fábio Brüggemann disse...

pessoa muito humana, sinal de que existem algumas não muito. só pode. e como estamos longe, posso dizer: beijão, haha.

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