Como viver só
Lembro de ter escrito, em algum destes sábados, sobre as conferências do filósofo Roland Barthes, às quais denominou Como viver junto. Por algum motivo, havia relido uma entrevista feita pelo escritor H.G. Wells com o ditador Joseph Stálin, e comentava a idéia de viver junto não no sentido, digamos, bíblico da coisa, mas no fato de o ser humano ser necessariamente gregário, entre outras questões.
Houve uma época em que a economia era movida pelos casamentos. Estado, Igreja e empresários apoiaram a construção de uma nova família, porque significava aumento de gente no mundo para consumir. Junto com isso, a "nova casa" própria (sonho quase moral alimentado pela tríade citada) incrementava a economia, fazendo felizes os que fabricam eletrodomésticos, as imobiliárias, as construtoras, e toda a cadeia de consumo. Mas um fator novo, nas últimas décadas, tem invertido um pouco essa lógica. Muitas pessoas, por motivos dos mais variados, inclusive até por convicção, vivem sós.
Criado em uma família enorme, com tios, primos, irmãos e agregados, sempre vivi em casa cheia, porém, no último ano, experimento a sensação de viver só. Mas deveria existir uma escola para os recém-sós. Panos de prato, por exemplo. Quando a diarista veio a primeira vez, perguntou-me onde eu os guardava, e eu acreditei que havia uma árvore que dava panos de prato. E a cera? A última lata que eu havia visto foi aquela que usei a tampa para fingir de volante para brincar de motorista. E Q-boa? Alguém sabe o que é isso? Roupa? Como as roupas se lavam? E as louças?
A primeira mudança substancial da vida de um recém-solteiro é o conteúdo do carrinho de supermercado. Saem as velas, os materiais de limpeza, o leite, os panos de toda ordem, e entram as bebidas, os bons azeites de oliva, as massas importadas, os cremes pós-barba mais caros, os DVDs, os CDs e as cerejas.
Viver só é divertido. Não há cobranças por horário, ninguém lhe reclama presença, pede socorro de madrugada, ou ronca ao seu lado. Mas para viver só, é preciso estar atento a duas coisas fundamentais. A primeira, jamais se esquecer de levar a toalha na hora do banho, e, a segunda, sempre deixar uma muda de roupa na mala, pois mais dia menos pode aparecer aquele vontade quase atávica de fugir de casa e abandonar-se, finalmente, a si mesmo.