29 de novembro de 2008

Governos adoram tragédias

Em todas as entrevistas e comentários de políticos das cidades atingidas pela chuva, não ouvi um único destes caras falar em prevenção. Culpam a chuva como se fosse ela a vilã. O editorial do DC, na quarta-feira, dizia: "O país, numa de suas regiões mais ricas, prósperas e educadas, mostrou que não está suficientemente preparado para prever com eficácia e para agir com rapidez".

Os fenômenos naturais não são culpados pelos danos aos humanos. Não é sensato culpar o Rio Itajaí pelas mortes, mas talvez seja sensato pensar por que as pessoas decidem morar às suas margens, mesmo cientes do risco que correm. Diante da assombrosa e cruel desproporção de renda, a maioria não tem como escolher onde morar. Mas o que os governos têm feito para prevenir desastres, para evitar que áreas de risco sejam ocupadas, para preservar mananciais e florestas, para educar a população sobre percepção de risco? Nada.

Ainda por cima, o governador do Estado (não bastasse sua desastrosa declaração dizendo que fará de tudo para recuperar logo o estrago "para os turistas") força a aprovação da nova Lei Ambiental. Essa lei, que espero a Assembléia não aprove, irá piorar ainda mais os efeitos de chuvas como essa, porque propõe reduzir a faixa de mata ciliar das margens dos rios, libera o desmatamento, deixa de proteger fontes de água, enfim, um prato cheio para novos desastres.

O Programa de Prevenção e Preparação para Emergências e Desastres, do Ministério da Integração Nacional investiu neste ano apenas 26% da verba destina a prevenção. Por outro lado, gastou quase 70% da verba destinada a recuperação pós-desastres. Será que ninguém avisou a eles que é melhor prevenir do que remediar. Mas educar e prevenir, ao que parece, não dá voto mesmo.

Se não é possível fazer parar de chover, é bem mais possível ensinar as pessoas a conviverem com o risco, para que estejam capacitadas a enfrentar desastres, sejam os provocados pela natureza, sejam os provocados pelo próprio ser humano. Mas governos adoram tragédias, porque aparecem na mídia como salvadores de algo que não precisa ter heróis. Se não gostassem tanto de desastres, o investimento em prevenção seria bem outro.

Diário Catarinense, 29 de novembro de 2008

22 de novembro de 2008

No teatro

Eu não sou Aline Valim, nem tenho o profundo conhecimento acadêmico que ela tem, com sua pós-graduação e seu linguajar da tribo dos que fazem teatro. Do mesmo modo, não sei escrever como os acadêmicos gostariam (igual as traduções de Derrida, Deleuze e companhia,) para fazer uma crítica de teatro condizente com este nome.

Em algumas ocasiões, disse ou escrevi que não gosto de teatro, o que é (eu sei) uma barbaridade. Ao contrário do cinema, onde a tragédia "real" (em tempos de barbárie é preciso grifar o real) poderia ser um incêndio na sala de exibição, o teatro me dá uma angústia constante, como se o tempo todo fosse acontecer uma tragédia. Não aquela implícita em sua dramaturgia, mas a "real", a que me avisa o tempo todo que aquela encenação pode ser trágica, por exemplo, se o ator desmaiar, esquecer o texto, ou o cenário cair na cabeça dele.

Meu problema é não desassociar a encenação do "real", ainda que eu nem saiba ao certo diferenciar realidade da imaginação. Como Kafka, imagino constantemente tragédias, desde garoto, talvez como um modo de me defender delas.

Mas um dia destes, alguém disse que meu problema era ainda não ter visto uma boa peça. Concordei, aparentemente, porque faria diferença minha idiossincrasia com o teatro se a peça fosse boa ou não? Como saber se uma encenação é boa ou não? Que argumentos usar para atacá-la ou defendê-la? Por que eu não acho graça nas pretensas comédias globais enquanto toda a platéia se estrebucha de rir?

Não preciso ser Aline Valim para justificar o gosto por isto ou por aquilo. Sei que gosto é única coisa passível de discussão, ao contrário do ditado popular. Por isso, meus nove leitores diletos, assistam à peça Mi Muñequita, escrita pelo uruguaio Gabriel Calderón, dirigida pelo Renato Turnes, com Paulo Vasilescu, Milena Moraes, Malcon Bauer, Mônica Siedler, Alvaro Guarnieri e Sabrina Gizela. Se o teatro é o lugar do ator, como afirmava Paulo Autran, talvez eu tenha gostado exatamente porque o elenco me fez perder o medo de que alguma tragédia "real" acontecesse. É no teatro da Ubro, somente neste final de semana.

Diário Catarinense, 22 de novembro de 2008.

16 de novembro de 2008



nove notas sobre sofás, aprendizado e fotografia

1) aprendi com o ricardo a fazer fotografia panorâmica.
2) comprei o sofá velho da cláudia, em três prestações, mas ele é novo.
3) juntei sofá e aprendizado e fotografei minha sala.
4) reparo que a luz da janela lateral pinta de gris e branco aquilo que na realidade é apenas branco.
6) o sofá é bom de deitar, é macio, tem personalidade, porém, ainda não aprendeu a falar.
7) a luz e as linhas entre a fotografia da esquerda e as portas formam uma perspectiva levemente falsa, e talvez seja isso o que me faz querer entrar na fotografia, apesar de, aparentemente, eu já estar nela.
8) se eu pudesse entrar na fotografia, voltaria à realidade da sala, e a perspectiva ilusória das linhas desapareceria?
8) sofás, aprendizados, fotografia e realidade são coisas com as quais eu me iludo e me desconforto.
9) por sorte, para meu desconforto, agora tenho um sofá novo, ainda que ele não saiba falar.

8 de novembro de 2008

Sou um socialista

Em quase meia década escrevendo aqui nesse cantinho, já recebi centenas de mensagens de leitores os quais lêem apenas aquilo que lhe interessa. Admito que muitas vezes falhei, por acreditar que alguns conceitos sejam de domínio de todos. Começo explicando porque, por causa de um título como este, com certeza, não faltarão leitores a me chamarem de retrógrado, porque socialismo já era, caiu com o muro de Berlim.

Meu amigo Piero Angarano usa o termo pastiche para as frases prontas. Dizer que o muro de Berlim enterrou o socialismo é um pastiche. A queda do muro acabou com várias ditaduras que se atribuíam socialistas. Mais ainda, que os capitalistas adoravam ligar o termo socialismo àquelas práticas abomináveis de gerenciar um estado torturando, prendendo, matando.

O socialismo, na sua acepção radical (de ir às raízes), é apenas um meio de gerenciar recursos públicos de forma igualitária e social. Não precisa ser ditador nem torturar ninguém pra ser socialista. É possível, sim, ser socialista e democrático ao mesmo tempo. Não dá é pra confundir as ditaduras do leste europeu ou a cubana com socialismo, ainda que em Cuba existam ações às quais, apesar da imbecilidade da censura, temos que tirar o chapéu. Esse negócio de deixar tudo na mão do mercado (afinal, quem é o mercado?) está mais provado que não deu nem nunca dará certo. A prova está aí, na cara desta crise, a qual todos os economistas dizem que só tende a piorar.

O governo norte-americano, ou seja, o cidadão que paga impostos, foi chamado a salvar o mercado. Mas o mercado não era "o cara"? Por que os anti-socialistas não se perguntam o motivo pelo qual quando a saúde pública faliu, quando a educação pública faliu, quando os investimentos públicos em infra-estrutura faliram o Estado não interveio? Porque supostamente somos uns grandes idiotas, que deixamos os governos salvarem apenas os que não precisam de salvação. Esta intervenção é, em tese, socialista. Fico admirado pelo fato de que tanta gente tenha ainda medo de socializar, dividir, enxergar no outro a si mesmo. Por este motivo, mesmo que sendo fora da modinha, admito que sou um socialista, se é que interessa a alguém.

Diário Catarinense, 8 de novembro de 2008

1 de novembro de 2008

Prezado novo velho prefeito

Não gosto do modo como o senhor administrou a cidade até agora. Eu sei que o azar é meu, porque não deveria ter usado meu tempo para pensar em cultura, patrimônio público e memória, mas sim em progresso e obras. Já o senhor captou muito bem o gosto da maioria pelo asfalto, ao qual o senhor atribui o princípio do progresso. Somos o Estado com o segundo pior saneamento básico do país, mas, ah, que orgulho, nossas ruas são pretíssimas, do mais puro piche. Apesar de não gostar de seus métodos, ou de seu modo anti-republicano de fazer política, ainda sou habitante desta Ilha dos Aterros, a qual o senhor acredita que deve ser asfaltada de Sul a Norte. Mas como cidadão, gostaria que o senhor prestasse atenção nos resultados reais da sua eleição.

O progresso, senhor prefeito, como disse o poeta Charles Baudelaire, não está nas construções ou nas tecnologias, principalmente se elas não estiverem a serviço da vida. O progresso, disse o bardo moderno, se dará quando não houver mais traços do que se chama pecado original. Sei que o senhor custará a compreender tal metáfora, ou sequer prestará atenção nela. Afinal, estará ocupado em cimentar a Ilha dos Aterros.

Quanto aos números, eles dizem que apenas uma minoria votou no senhor. Sim, pois se a cidade tem pouco mais de 400 mil habitantes, sendo aproximados 300 mil eleitores, e se o senhor não fez nem 100 mil votos, significa que apenas um quarto da população quer asfalto e se dispôs ou pode votar, seja pela idade, seja por abstenção, seja por terem votado em branco, seja por terem anulado, seja, por fim, por terem votado no candidato adversário. Não seria prudente se perguntar, apesar de eleito, o que querem os outros três quartos? Será que não querem tranqüilidade, cultura, educação, saúde, praias sem tanto turista. Será que não preferem aquela velha rua de barro? Será que pensam como o poeta francês?

Quando aparecerem as enchentes, a falta de água ou de energia, os índices altos de analfabetismo, os ratos nas ruas e essa violência epidêmica que nos assalta, por causa da sua prioridade por obras, o senhor terá coragem de aceitar que essa plataforma, que um quarto da população aceita como sendo progresso, foi responsável por tudo isso? Eu sei que o senhor tem muito mais poder para minimizar estas críticas do que eu de disseminá-las. Por isso, boa sorte a todos nós nos próximos quatro anos.

Diário Catarinense, um de novembro de 2008.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...