27 de março de 2009

Uma questão de formação

Uma opinião não vale muita coisa. Um sujeito pode dizer o que quiser sobre o que bem entender. Está em seu direito dizer o que pensa, e isso é uma das regras da democracia. Uma opinião, dependendo de quem a omite pode, sim, mudar a orientação de um projeto, seja ele de que natureza for, pública ou privada. Mas é óbvio que à opinião do presidente da República se preste mais atenção do que a de um colunista de jornal. Se opinião de cronista mudasse o rumo das coisas, não tenho dúvida de que a Ilha de Nossa Senhora dos Aterros seria bem outra depois do artigo da escritora Eglê Malheiros, publicado neste jornal, na quinta-feira que passou. (leia aqui)

Ninguém duvida de que moramos numa ilha, e parece óbvio que uma ilha tem limitações de todas as formas, principalmente geográficas. Isso quer dizer que chegará um dia em que, neste ritmo de destruição alucinada do patrimônio público e da falta de investimento em cultura, em saneamento básico, em espaços de lazer (o mundo não se resume em praia), em educação primária de qualidade, em atenção às reivindicações dos movimentos sociais, em transporte coletivo, enfim, a Ilha implodirá.

Isso parece ser tão consensual, que chega a ser bizarro perguntar por que os poderes instituídos não têm um projeto de cidade para o futuro? Por que os moradores da Ilha dos Aterros fazem de conta que isso não tem nada a ver com eles? Por que, quando se constrói um passeio público, como o da Avenida Hercílio Luz, ainda tem madame que reclama que perdeu espaço de estacionamento?

A única explicação é a formação da população. Mesmo que a ditadura, dos anos 1960 aos 1980, tenha matado menos do que a maioria das ditaduras, como revisionistas têm levantado, ela acabou com a formação crítica do povo brasileiro. Os militares, com sua mania de regras e de crer que eles é que têm razão sobre o projeto de nação, ao acabarem com o ensino de filosofia, de latim e instituírem ensinos religiosos e de moral e cívica, acabaram também com a explosão cultural em ascensão das décadas de 1950 e 1960. Se hoje somos cafonas, bregas, e, por que não, burros, e deixamos que empresários inescrupulosos e governos imbecis nos governem e destruam uma ilha, enchendo de viadutos e de prédios horrorosos, mesmo sabendo que o futuro será caótico, é porque a máxima de que cada povinho tem o governinho que merece está cada vez mais em voga.

21 de março de 2009

No desaniversário da Ilha de Nossa Senhora dos Aterros, minha vista panorâmica da janela da frente.

A medida do desejo

Não uso blocos ou cadernos de anotação, como o escritor Ignácio de Loyola Brandão, ou um gravador digital, como Mário Prata, para escrever, a qualquer hora do dia ou da noite, ideias ou sugestões para futuras crônicas. Tento confiar na memória, mas ela é mais que traidora. Sou capaz de lembrar do dia em que fugi de casa, aos sete anos de idade, à noite, atravessando ruas desconhecidas, abismado com o tamanho do céu escuro, mas não lembro da ideia que tive para escrever uma crônica.

É normal chegar em casa tendo no bolso alguns guardanapos rabiscados. Olho para os garranchos e imagino que aqueles quase ideogramas foram em algum momento uma tentativa de anotar uma sugestão de um amigo, ou um tema que na hora pareça razoável, mas que na maioria das vezes se transforma em um código difícil de compreender.

Outro dia eu consegui traduzir um destes garranchos. Estava escrito: “a medida do desejo”. Até lembro de ter conversado com sobre isso, de rirmos, de tomarmos cervejas escuras e boas, de falarmos de Montaigne e de eu ter prometido introduzi-la ao universo mais que poético e ao mesmo tempo tão simples do filósofo francês. Lembro, inclusive, de ter enviado uma frase dele, no dia seguinte, que dizia: “Quando insistem para que eu diga porque o amava, sinto que não há como expressar de outro modo senão dizendo: porque era ele e porque era eu”. Talvez tudo isso tenha começado pela recordação de que alguém, um dia, tenha visto o céu, porque Truman Capote escreveu que jamais devemos nos apaixonar por coisas selvagens. A gente cuida, alimenta, e quando ela fica forte vai embora, e ficamos nós a ver o céu, como ala ficou, como eu fiquei.

Teria sido por causa disto que anotei “a medida do desejo”? Esse fragmento talvez fosse para a coleção de outras frases ou apenas palavras sozinhas que até hoje aguardam para serem destrinchadas, tais como: “lírica de ocasião”, “um dia na gaveta”, “o gosto do cheiro”, “a vida que poderia ter sido”, ou “quem faz a nação”. E assim segue o arsenal de fragmentos a serem decifrados, ou devorados. Às vezes dá certo anotar. Acabo de escrever estas linhas por causa de uma tal medida do desejo. Mas que sei eu sobre o desejo, a não ser o fato de que, como o poeta, nunca sei ao certo onde guardá-lo.

14 de março de 2009

Também quero a excomunhão

Para não ser hipócrita e dizer, como a maioria, que sou um católico não praticante, faz bastante tempo que afirmo ser um sem-religião. Fui batizado na Igreja Católica, e durante a infância e parte da adolescência segui todos os rituais. Mas a natureza é muito mais forte do que a rigidez dogmática. A primeira pergunta que fiz, nunca respondida por quem me batizou, dizia respeito ao chamado pecado original. Se fazer sexo, essa coisa tão natural e gostosa, é pecado, todo mundo já nascia pecador? Mesmo nascendo sem consciência eu já estava errado? Já teria que pagar e sofrer por isso?

Escolhi pelo contrário disso. Eu é que não entraria nessa furada sem resposta. E decidi também não em entrar em nenhuma outra furada. Não troquei de religião, apenas me transformei num agnóstico. Nem tampouco sou ateu, como muita gente pensa dos sem-religião. Sou agnóstico, e isso significa dizer que sou um “ignorante”, como encerra o termo, o que não conhece, o que não sabe como explicar o que somos, de onde viemos e para onde viemos. Mas nem por isso invento qualquer coisa, qualquer explicação para o fato de estar no mundo. E vivo muito bem assim, obrigado.

Mas para a Igreja Católica eu ainda sou um deles, porque meus pais escolheram por mim. Até que eu renuncie publicamente, continuo sendo um fiel. Nunca me dei ao trabalho de ir até uma Igreja e renunciar, até porque não faz a menor diferença na minha vida prática. Mas o caso da menina estuprada pelo padrasto, que ficou grávida de gêmeos foi a gota d´água. Um arcebispo dizer publicamente que o aborto é mais grave que o estupro é coisa mesmo de quem vive fora da realidade.

Se para a Igreja Católica, salvar a vida de uma menina de nove anos, porque a gestação de gêmeos é inconcebível para seu corpo, é motivo de excomunhão, é sinal mesmo que não tenho eu que estar em suas hostes. Se a Igreja Católica preza tanto pela vida, por que não excomunga políticos que, por omissão descarada, deixam de investir no que é necessário, matando também, de fome, de doença e de sede? Não quero mais estar ao lado de estupradores ou de corruptos. Quero a excomunhão, por solidariedade a quem realmente preza pela vida.

7 de março de 2009

Democracia eletrônica?

Sempre desconfiei da urna eletrônica. Este ufanismo meio besta (como todo ufanismo o é) de quem diz ser o voto eletrônico um avanço tecnológico que inclui o País na ponta da democracia é bastante duvidoso. Minha desconfiança se dá por comparação. No Japão, um dos países onde mais se investe em tecnologia de programas para computadores, a eleição é feita no papel, com voto contado, um a um. Nos Estados Unidos, país da Microsoft e de Bill Gates, a eleição também é no papel e na caneta.

Me pergunto: que motivos estes países, tão avançados nessa área, teriam para duvidar do voto eletrônico? Logo eles? Seria o Brasil tão mais avançado que ele? Ou seria o Brasil tão mais apressado que os outros? Não sei, não sei, estou apenas, como um ignorante que sou em informática, perguntando.

Pois uma recente decisão do Tribunal Constitucional Federal Alemão determinou que o uso de computadores no processo eleitoral de 2005 no país foi inconstitucional. O motivo pelo qual o tribunal julgou a inconstitucionalidade do processo chega a ser poético, muito mais que a minha duvidazinha tecnológica. O juiz Andreas Vosskuhle alega que a democracia pressupõe, antes de mais nada, o princípio do controle público não só do voto, mas de todas as ações públicas. E numa contagem eletrônica, segundo Vosskuhle, o desconhecimento do processo (tal e qual minha ignorância) é considerado como sendo antidemocrático.

Para a corte alemã, num “evento público”, como a eleição, qualquer cidadão deve dispor de meios para conferir a contagem de votos e a regularidade do decorrer do pleito, sem possuir, para isso, conhecimentos especiais. Quando era usado papel, no Brasil, qualquer um poderia conferir e reconferir o voto. Tudo bem que era sujeito à sacanagens de todo tipo, mas todos tinham acesso a elas. Pelo lógica do juiz alemão, no voto eletrônico, pouquíssimos têm acesso a elas.

Na urna eletrônica tanto eu, quanto a maioria dos ignorantes em informática deste imenso país podem ser usurpados de seu voto. Mas este é apenas mais um argumento que a corte alemã acaba de me presentear. Continuo mesmo é pensando no Japão e nos Estados Unidos. Por que será que eles insistem em contar o voto manualmente? São mesmo uns atrasados e ignorantes, coitados.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...