30 de outubro de 2010

Dilma X Serra

Existem vários motivos para alguém escolher entre Dilma Rousseff ou José Serra para ser a próxima presidente do País. Porém, os principais motivos, que deveriam ser o ideológico e o programático, passam longe do debate. Ao contrário da primeira eleição após o fim da ditadura, entre o desconhecido Fernando Collor e o militante metalúrgico Luis Inácio, o medo de um presidente que não vinha das elites era enorme. Daquela vez, a direita brasileira, formada por usurpadores do patrimônio público, orquestrou de tal maneira que derrotou o operário.

É óbvio que não dá para comparar a biografia de José Serra com a de Fernando Collor, e quem conhece um pouco da história do País sabe do que estou falando. Mas é justamente aí que mora o perigo. Passaram-se 21 anos daquela eleição. Uma geração inteira, que hoje já pode votar, não tem a menor ideia da história do País.

O eleitor que pretende votar em José Serra ciente de que o projeto dele é neoliberal, e pensa que a iniciativa privada pode resolver tudo, é um eleitor consciente. Do mesmo modo será aquele que votar em Dilma acreditando que o Estado tem obrigações sociais, que deve investir em cultura, em educação, e que deve distribuir melhor a renda do País.

Quando ouço declarações de pessoas dizendo que não votam em Dilma porque ela é antipática, ou não votam em Serra porque é feio, dá até para concordar com Pelé, quando disse que o brasileiro não sabia votar. O que está em jogo, e só isso importa, são dois programas bem distintos de governo.

O de Serra é o do estado mínimo, o da Dilma é o do Estado comprometido com questões que a iniciativa privada não está nem aí. Escolher qualquer um dos dois, mas ciente disso, é justo e democrático. Escolher por questões pessoais, ou religiosas é ignorância. Mas está aí outra coisa difícil de fazer o povo brasileiro compreender, que graças à Constituição, o Estado brasileiro é laico, e que quem pode ou não descriminalizar o aborto é o congresso e não o presidente da república.

Publicado no Diário Catarinense, 30 de outubro de 2010

23 de outubro de 2010

Para que serve o Estado?

Em 2002, o promotor público Pedro Roberto Decomain e eu publicamos o livro Para que Serve o Estado? (ou aqui), no qual debatemos os problemas e benefícios da existência do Estado. Trata-se de um diálogo entre um leigo e um especialista em direito tributário e eleitoral. Não chegamos a um consenso, até porque a ideia era mais perguntar, como a interrogação do título, do que responder.

Passada quase uma década, o tema ainda não está nas conversas cotidianas, mesmo tão próximo do segundo turno das eleições para presidente. Lembrei disso porque a polarização entre Dilma Rousseff e José Serra se dá justamente no papel que cada um deles pretende dar ao Estado em seus governos. Porém, pelo que tenho lido e ouvido, o motivo pelo qual cada cidadão está declarando seu voto não passa por esta pergunta. Se tal candidato é feio, se veste mal, tem olheiras, se foi preso, ou se pensa isso ou aquilo sobre questões religiosas e morais é o que está em pauta.

O voto no Brasil não é dado por questões ideológicas e políticas. Se fosse, naturalmente, os 20 milhões depositados em Marina Silva no primeiro turno seriam transferidos para a candidata do PT, porque Marina foi ministra do Meio Ambiente e não esconde sua enorme admiração pelo presidente Lula. É politicamente incompreensível que ela tenha ficado em cima do muro, porque muita gente não ficou quando votou nela, eu inclusive.

Mas é tão bizarra a forma pela qual as pessoas votam, que ouvi mais de uma dizer que votou em Dilma no primeiro, mas agora irá com Serra. Os motivos? Qualquer um, às vezes nenhum especial, ou a alegação que a candidata não é simpática – como se fosse um concurso para miss simpatia. Por este motivo, creio que o papel do Estado prioritariamente é investir em cultura e educação, para que as escolhas futuras sejam baseadas em critérios políticos e não pessoais. E o mérito do presidente Lula foi ter, pelo menos, começado isto, depois de 500 anos de abandono.


Diário Catarinense, 23 de outubro de 2010.

9 de outubro de 2010

Tiririca do Brasil

O cidadão Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como Palhaço Tiririca, foi eleito como o deputado federal mais votado do País, com mais de um milhão de votos. No meio da semana, porém, o tribunal eleitoral de São Paulo questionou sua capacidade de ler e escrever. Quase todos os “letrados”, principalmente com manifestações nas redes sociais, acharam um absurdo a eleição do palhaço. Sim, é absurdo, mas quem menos culpa tem nesse processo é o próprio deputado eleito.

Primeiro, porque foi a campanha mais honesta que eu já vi. Se fizermos uma pesquisa rápida, ainda que empírica, entre todos os candidatos, incluindo aí alguns eleitos, perguntando aos mesmos se sabem o que faz um deputado federal, será enorme o número de respostas afirmando desconhecer a tarefa. Tiririca, pelo menos, teve a honestidade de dizer que não sabia. Quem votou nele, portanto, sabia muito bem disso. E os que votaram nos candidatos que não sabem, mas não falaram nada? Honesto, também, porque disse em alto e bom tom que, se eleito, ajudaria muita gente, a começar por ele mesmo e sua família. Do mesmo jeito, quantos não pensam dessa forma, porém não falam?

Seus detratores, infelizmente, são incapazes de criticar os partidos políticos, os magistrados e a elite que, por mais letrada que seja, não consegue se mobilizar para sequer propor uma reforma política que iniba esse tipo de candidatura, ou que acuse seus problemas (no caso o analfabetismo do candidato) antes das eleições, porque, se configurar mesmo o crime, pelo menos um milhão de pessoas terá, literalmente, perdido seus votos.

E os analfabetos políticos, muitos deles eleitos ou reeleitos, não teriam também que passar por um teste sobre seus conhecimentos políticos? E aposto que muitos seriam reprovados. Por fim, não podemos esquecer que os Estados Unidos elegeram George Bush, a Itália elegeu Silvio Berlusconi, e olhem bem alguns eleitos em Santa Catarina. Entre estes, mil vezes o palhaço original.

Publicado originalmente no Diário Catarinense, 9 de outubro de 2010

2 de outubro de 2010

No que não voto

Há 30 anos, quase bienalmente, saio de casa para votar. Amanhã farei o mesmo. Já militei a favor do voto nulo, até o ministro do STF, Marco Aurélio Melo, fazer uma interpretação a seu modo da lei eleitoral, afirmando que o voto nulo não vale nada mesmo, nem como protesto. O candidato será eleito, nas majoritárias, com 50% dos votos válidos mais um. Nessa conta, que julgo equivocada e antidemocrática, elege, como nas últimas eleições, um governador com bem menos de 30% dos cidadãos aptos a votar, porque as abstenções os votos em branco e os nulos alcançaram quase os mesmos 30%. É democrático, se levarmos em conta que é ideal eleger um governador por maioria? Não, claro que não.

Portanto, não voto em quem sequer citou a reforma política como prioridade. Não voto em quem sequer tocou na mais alta prioridade pública, que é a cultura. Afinal, o modo como nos comportamos no trânsito, o modo como pensamos sobre religião, homossexualismo, segurança pública, transporte público, aborto, educação, tudo isso depende do quanto temos capacidade de pensar dialeticamente. E isso, meus leitores, isso é cultura. E é bem por isso que os candidatos, por conta desse círculo vicioso em não investir em cultura para que ninguém reflita, sequer tocam no assunto. E, claro, porque não têm a mínima capacidade intelectual para pensar sobre isso, porque se tivessem não se fariam campanhas tão burras, não encheriam a cidade com cartazes horríveis, não ligariam o som tão alto como se tivessem vendendo batatas, com músicas tão medíocres quanto as que ousam fazer e tocar.

Não voto em quem se anuncia honesto, nem em que afirma dizer que trabalha. Oras, isso é condição sine qua non, caro candidato. Não voto em quem acredita que o progresso deve vir a qualquer custo, mesmo poluindo. Não voto em quem pensa em sucatear o patrimônio público. Não voto em quem acha que administrar uma cidade é o mesmo que administrar uma empresa. Sobra bem pouco, mas a quem interessar possa, aviso publicamente que não anularei meu voto.

Diário Catarinense, 2 de outubro de 2010

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...