O direito ao uso
Assim como as doenças, o melhor remédio começa a aparecer quando se conhece o problema. No caso da guerra civil travada no Rio de Janeiro entre traficantes e o Estado, todos sabem qual é o problema: o tráfico de algumas drogas proibidas. Digo “algumas”, porque a sociedade, apesar de aparentemente ser bem informada, não se toca que para a uma dúzia de drogas consideradas ilícitas existem duzentas outras que podem ser compradas sem nenhum problema, como o álcool, o cigarro e a maioria dos medicamentos considerados tarjas pretas, produzidos com uma quantidade absurda de drogas, inclusive psicotrópicas e alucinógenas.
Desse modo, cabe a pergunta: por que algumas drogas podem ser vendidas e outras não? Tenho pelo menos duas suspeitas. A primeira é de fundo moral, e inclui a falta de informação, como tudo que se moraliza A segunda é uma questão econômica. Países produtores de canabis e folha de coca, principalmente, seriam mais ricos se pudessem vender livremente seus produtos, o que não convém às grandes potências econômicas.
Portanto, antes de acreditar em campanhas preconceituosas como a de quem consome drogas financia o tráfico, é preciso pensar outras duas questões. O direito ao uso, no caso o direito ao suicídio, porque usar droga é de foro íntimo; e o bom senso, porque, afinal, se pode usar algumas por que não se pode usar todas? O que deve ser criminalizado é a violência por causa do uso de droga, mas não o simples ato de usar, porque a maioria dos consumidores é mais pacífica do que muita gente que considera “bacaninha e limpa”.
Do mesmo modo como a violência ligada à venda ilegal de bebidas nos Estados Unidos nos anos de 1930 só recrudesceu após a liberação da venda de álcool, parece muito óbvio – se usarmos de inteligência para aprender com a história – que a violência geradora desses conflitos também acabe com a liberação do uso de tóxicos, e que possam ser vendidos como as outras drogas consideradas lícitas.
Diário Catarinense, 27 de novembro de 2010