24 de dezembro de 2010


Estarei de férias até o fim de janeiro.
Talvez eu apareça pra qualquer nota de viagem no Twitter ou no Facebook.
Aproveito pra desejar um baita 2011 pra todos os 11.251 visitantes deste espaço, desde as últimas férias, e um abraço especial aos 138 seguidores declarados do blogue.
Aquele abraço e até 2011.

Memórias das coisas abandonadas

No Natal de 1970, ganhei um carrinho azul de ferro, uma espécie de jipe. Era pequeno, tinha até molas, mas era grande praquele garoto ainda pequeno. A infância é feita de coisas gigantes, e que na medida em que crescemos vão se reduzindo. Das coisas aos sentimentos, das descobertas enormes às minúsculas decepções. Eu fazia estradas no chão batido, e elas foram, sem palavra escrita, minhas primeiras histórias. Muitos amigos imaginários pegaram carona no automóvel azul. E não sei onde foi parar. Não lembro se escondi, se presenteei, se esqueci, ou se apenas abandonei, trocado por coisa de mais interesse. Criança é assim mesmo. Quer muito, depois enjoa.

No Natal de 1972, ganhei um brinquedo muito maluco. Era um macaco. A gente esticava um arame de uma parede a outra e ele deslizava, como se tivesse vida, num movimento idêntico ao de um malabarista. Aquele símio foi minha primeira lição de equilíbrio nas cordas. Depois disso, tudo o que fiz até hoje foi pensando em equilibrar-me em alguma corda, para ir de um lado a outro. Seja de uma parede, seja de uma cidade, seja de casa à esquina.

No Natal de 1991, o primeiro em que minha filha sabia falar, ela pediu um fusca azul e duas espadas. De onde veio esse desejo não tenho a menor ideia. Mas comprei um fusca de brinquedo e duas espadas de plástico no camelô. Durante muito tempo os objetos (sim, estranhos para uma menina) foram mudando de casa, de bairro, de caixa, até desaparecerem. Por que o azul do jipe e o do fusca? Simbólicas coincidências natalinas? Onde foram parar? Em algum anel de saturno, junto com todas as coisas perdidas? Talvez as coisas nunca se percam, sejam apenas esquecidas, porque perdem sua função (principalmente, e talvez a mais importante) simbólica.

Aproveito para desejar um ano batuta a todos os que ainda insistem em ler há oito anos esse pequeno pedaço de jornal, aos sábados, e dizer que estarei de férias a partir da próxima semana, até o mês de fevereiro, período em que a coluna será assinada interinamente por outro autor.

Diário Catarinense, 24 de dezembro de 2010

11 de dezembro de 2010

Não alimente o escritor

A escritora Telma Scherer (veja seu blogue aqui), 31 anos, foi presa, em Porto Alegre, na última Feira do Livro de lá, por fazer uma performance chamada “Não alimente o escritor”. Ela colocou uma coleira em seu próprio pescoço, cuja corda estava amarrada a uma casinha de cachorro. Ao invés de um cão, havia contas prosaicas a pagar: como aluguel, luz, água e telefone. Não preciso aqui explicar a metáfora, mas para quem puder acessar às imagens (assista aqui), disponíveis no Youtube, a própria poeta explica: “eu só quis dizer que estou triste. muito triste”.

A performance de Telma atraiu muitos curiosos, mas não agradou aos expositores, que, pelo jeito gostam mais do negócio do livro, ou da grana, do que do livro em si. Com o argumento de que ela estava “atrapalhando as vendas”, chamaram a polícia, que a prendeu, com frases do tipo “você tem que me obedecer”. No camburão, ainda disseram que ela deveria fazer exame de sanidade mental.

É lamentável esse episódio, que mancha a história democrática da maior feira de livro de rua da América Latina. E é também preocupante, porque denota o espírito conservador guardado no mais profundo “inconsciente coletivo”. Se em uma feira de livros o escritor não pode criticar a falta de incentivo público à leitura e ao próprio papel do escritor na sociedade, em que outro lugar poderia? Escritores têm a mania incorrigível de fazer pensar, e por isso usam de metáforas. Mas construir metáforas, fazer versos, tratar o mundo com analogias, numa época em que o moralismo, a homofobia e o preconceito falam mais alto, pelo jeito agora será caso de polícia.

E esse tipo de pensamento tem contaminado muita gente, desde policiais mal preparados, vendedores de livro que não leem e comerciantes incapazes de compreender que se alguma coisa ainda vale a pena nesse mundinho cada vez mais caduco, doente, falso moralista, reacionário e conservador, é ouvir os que conseguem pensar dialeticamente. Do contrário, só matando o escritor de fome, de uma fome que não é de comida.

Diário Catarinense, 11 de dezembro de 2010.

4 de dezembro de 2010

Sou vagabundo, confesso

Tomo emprestado o título de hoje do pessoal da banda Dazaranha, a quem sempre admirei, desde os primórdios, quando, inclusive, escrevi uma crítica chamada Dazaranha é massa. Acontece que ainda ouço por aí a velha história da cigarra e da formiga como sendo exemplar, principalmente em Santa Catarina, estado que cultiva esse amor que nunca tive pelo trabalho acima de tudo.

O escritor Moacyr Scliar, no livro O Texto, ou: a Vida conta história de dois vizinhos de cerca. Um deles saia para trabalhar todos os dias, no mesmo horário. O outro, o escritor, ficava na varanda lendo. O primeiro, sempre que passava, perguntava; “descansando, escritor?”. E este respondia: “Não, trabalhando”. Um dia, o escritor estava mexendo no jardim e o vizinho, antes de trabalhar, disse: “Ah, trabalhando, escritor?”, e este respondeu: “Não, descansando”.

Essa mania é tanta, que o pai de um baixista profissional (ou seja, vive da música) perguntou a ele – com uma inocência perturbadora – se estava trabalhando ou “só tocando”. Esse ideário coletivo é muito mais que comum (e irritante), porque não leva em consideração a possibilidade da existência das cigarras, da arte, e da sobrevivência do artista.

É comum, por exemplo, escritores serem convidados para falar e não receberem nada por isso. Os caras pagam hospedagem, alimentação e transporte, mas o motivo principal não precisa de grana, porque, pelo jeito, escritor não precisa comer, vestir ou respirar, basta escrever. Nessa cadeia de negócios, o dono do hotel, do restaurante e do posto de gasolina recebem, porque são atividades consideradas “normais”. Mas escrever é coisa de desocupado, de quem não tem o que fazer. Sendo assim, sou vagabundo, e confessado está. E, como em qualquer outra atividade, deveriam inserir os atos de ler, pensar e escrever como parte do capitalismo selvagem. Levei anos estudando para ser vagabundo, e não existe ainda esse diploma, talvez o mais importante da cadeia produtiva. Mas minha vagabundagem tem pedigree, por favor.

Diário Catarinense, 4 de dezembro de 2010

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...