11 de março de 2011

Psicodália 2011

Tenho cada vez menos paciência pro Carnaval. Se um dia tive, foi por conta do livro homônimo do Manuel Bandeira, no qual os versos só faltavam dançar na página. “Na boca, na boca”, pedia o poeta aos passantes, exigindo o lança perfume, que metaforicamente era o pedido de um beijo. Mas nunca consegui imaginar o bardo recifense com samba no pé. Sendo assim, tanto o meu gosto remoto pelo Carnaval quanto meu desgosto atual são por culpa do Manuel Bandeira.

Para fugir dos sambas enredos cada vez mais pobres, de uma generalização da festa (porque tudo vira Carnaval nestes dias), das Claudias Leittes e Ivetes Sangalos da vida e da violência crescente, passei cinco dias acampado num festival de música.

A sétima edição do Psicodália aconteceu em Rio Negrinho, na divisa com o Paraná, numa fazenda com toda infraestrutura necessária para abrigar, acampados, aproximadamente cinco mil pessoas, em sua maioria jovens fugidios da festa do Momo. Além das oficinas para todos os gostos, apresentações de teatro e cinema, entre oito e 10 bandas tocaram por dia. Ao contrário do Carnaval, de festas de rodeio ou de bailões de sertanejos pós graduados, os seguranças reclamavam que não tinham o que fazer, porque não houve uma única briga.

Além da irreverência e inteligência de Tom Zé, da reaparição de bandas como O Terço, incluindo a presença de Flávio Venturini, a Traditional Jazz Band, tocando de Duke Ellington ao emblemático e dos mais importantes compositores e pianistas da história, Thelonius Monk, o Psicodália teve um certo didatismo necessário, pra mostrar à garotada que não haveria rock and roll sem o jazz. Mas sobre isso, ninguém precisa concordar, é apenas mais uma idiossincrasia desse cronista ranzinza, que se dispôs a dormir numa barraca, conviver com pessoas pelo menos duas décadas mais jovens, mas ouvir música de gente grande.

O Psicodália já pode ser considerado um dos grandes festivais de música do Brasil, e também a maior reclusão brasileira por parte daqueles que detestam a industrialização e a decadência que se transformou não só o velho e bom Carnaval de Manuel Bandeira, mas a música de modo geral.

Diário Catarinense, 11 de março de 2010

9 de março de 2011

Um carro a menos

Na sexta-feira passada, um funcionário do Banco Central, de 47 anos, atropelou um grupo de ciclistas em Porto Alegre. Vinte ficaram feridos. O grupo, autodenominado Massa Crítica, fazia um protesto justamente contra o uso indiscriminado do automóvel em detrimento de meios de transportes coletivos e não poluentes, como a bicicleta. Irritado, porque não lhe davam passagem, o funcionário, não teve outra “alternativa” (segundo ele mesmo) a não ser atropelar os ciclistas. Quem assistiu ao vídeo (disponível aqui) – ainda que não devemos condenar alguém antes da justiça – mostra o quanto foi doloso, e não culposo,  o atropelamento. O motorista poderia chamar a polícia e exigir o seu direito de ir e vir. Claro que um policial de bom senso nada poderia fazer quanto a isso, porque os ciclistas não estavam obstruindo a via, mas sim usando-a de um outro modo, que não com o automóvel, exercendo igualmente seus direitos.

O motorista alegou ainda que foi em legítima defesa, porque os ciclistas o teriam ameaçado. Do mesmo modo, como qualquer cidadão consciente de seu direito, poderia ter dado queixa da agressão. Mas o que acontece no Brasil, de forma geral, é a descrença dos cidadãos no Estado de Direito. Um Estado omisso nesta, e em quase todas as suas obrigações, como saúde, educação, saneamento, infraestrutura e cultura, principalmente cultura, leva um sujeito como esse a acreditar que pode fazer justiça com as próprias mãos. E tudo leva a crer, porque os precedentes são inúmeros, que não haverá nenhum tipo de punição legal para ele.

E é essa impunidade que gera descrença nas instituições às quais pagamos para que nos defendam, seja para andar de bicicleta, seja para usufruir do direito de ir e vir. Ah, sim, o mais emblemático nessa história de horror urbano é que o grupo de ciclistas tinha como palavra de ordem a frase “um carro a menos”.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...