9 de abril de 2011

  • Só o que se discute é o gosto

    Em um debate sobre alguns temas específicos – e incluo a arte em primeiro lugar – quase sempre que alguém se vê diante de um argumento contrário aparentemente irrefutável entoa a frase “gosto não se discute”. Sem saber que está diante de um dos paradoxos da linguagem, o incauto embatedor está querendo apenas dizer “azar o seu que você tenha razão”. Essa é uma das evidências de que a única coisa que se discute é o gosto.

    O que faz uma pessoa gostar disso ou daquilo (ou de ambos) é a experiência. Mas até mesmo para experimentar é necessário primeiro escolher o que se quer provar. Existem escolhas motivadas por um projeto de vida, baseado sabe-se lá no que, num estímulo, talvez, mas a maioria escolhe aquilo que os outros querem que ela escolha, e geralmente porque não tem outra opção, porque está cercada de um modus vivendi que não lhe dá oportunidade de conhecer outra coisa além daquilo que lhe oferecem. Jean-Paul Sartre – o que disse: “o inferno são os outros” – fez a crítica aos que se deixavam influenciar pela escolha alheia. Muitos escolhem a escolha do outro por medo de ser diferente, por medo de ser incompreendido. E esse detalhe também é formador do gosto.

    A moda é uma das provas da relatividade do gosto. É comum um grupo de amigos, ao ver um álbum de fotos antigas, comentar o quanto a roupa que usavam era de mau gosto. Mas poucos olhariam para si mesmos, no presente, e diriam que o que estão usando também pode ser de mau gosto. O gosto também se modela pelo contexto. Se todos usam a mesma roupa, o mesmo estilo, o mesmo corte de cabelo, parece que é sinal de bom gosto, opinião que o comentário futuro tratará de refutar.

    Quando citei a arte em primeiro lugar, foi por entender que o artista, de modo geral, é aquele que não tem medo de escolher por si, ainda que tenha feito porque viu, presenciou, leu, assistiu a algo que o tenha estimulado. O artista é antena da raça, disse o grande poeta Ezra Pound, e Freud afirmou que o artista sempre está à frente de sua época. Mas seu gosto é diferente, e, por isso, bárbaro, como dizia Montaigne, em outras palavras: o que faz do outro um bárbaro é a apenas o modo de vida diferente do meu. O mau gosto também é sempre o do outro, o inferno sartriano.

    Tenho admiração por quem consegue gostar de coisas aparentemente distintas, como, por exemplo, de Thelonious Monk e Chitãozinho e Xororó ao mesmo tempo. Eu não consigo. Minhas escolhas, e vamos traduzir por “meus gostos”, são por exclusão. Posso até tomar um vinho muito ruim durante a vida toda. Mas depois de tomar um bom, como gostar do ruim? Obviamente, numa discussão sobre o que seria um vinho bom ou um vinho ruim, o que se está discutindo não é o gosto pelo gosto, mas a experiência que cada um já teve diante do vinho.

    Mas conheço muita gente – e aí minha tese começa a tornar-se refutável – que consegue, mesmo depois de assistir a um filme de Godard (e gostar), assistir a um filme da Xuxa inteiro (e gostar). Conheço alguns, inclusive com pós-doutorado e tudo, que assistem ao Big Brother. Não quero, com isso, dizer que minhas escolhas são melhores, porque radicais e excludentes. Não dá para gostar de Oswald de Andrade e José de Alencar ao mesmo tempo. Mas talvez – e aí resida o radicalismo, na acepção mais marxista possível, de ir às raízes – eu tenha uma ideia fixa de que não tenho mais tempo a perder com coisas que considero de gosto duvidoso.

    Toda essa prosa é apenas uma prova de que só o que se discute é o gosto.
  • Além do mais...

  • Gosto e barbárie

    Michel de Montaigne, nos seus Ensaios, disse que os homens são atormentados pelas ideias que eles têm das coisas, e não pelas coisas. Toda ideia fixa é uma crença, e dela também surgem os gostos. Montaigne diz mais, baseado na primeira asserção, que “se os males só entram em nós por nosso julgamento, parece que está em nosso próprio poder desprezá-los ou transformá-los em bem”. No resumo, Montaigne, um dos principais pensadores do relativismo, quer dizer que inventamos nós o bem e o mal, e circulamos sobre eles como tolos, aceitando esta ou aquela ideia, porque, segundo Epicuro, uma das principais referências de Montaigne, “a todo argumento pode-se opor um argumento da mesma força”.
  • Gabriéla e as formigas

    Gabriéla, a única que teve o acento no “e” registrado em cartório, quando era menina, ao limpar as calçadas da casa materna, apreciava formigas graúdas, destas de piquenique. Um dia, resolveu jogar um balde de água nelas. Do mesmo modo como exerceu um poder muito grande com os insetos, pensou que, talvez, alguém, bem maior do que ela, numa proporção igual a que existe entre seres humanos e formigas, poderia também ter tal poder. Uma tempestade, por exemplo, vá que seja um deus jogando um enorme balde de água sobre os homens. Mas ela não tem certeza disso. Gabriéla estará de aniversário na segunda-feira. Parabéns, Gabriéla, pelo aniversário e pela coragem, porque, apesar de ser uma frase meio cafona, só pessoas de bom gosto sabem amar.
  • Tem mais

    Falando em bom gosto, a Bernúncia Editora e a Fundação Cultural Badesc lançam, na quarta-feira, dia 13 de abril, os livros 28 Desaforismos, de Franz Kafka, traduzido do alemão por Silveira de Souza, e Um Livro de Nonsense, de Edward Lear, por Vinícius Alves. Os autores (tradutores) estarão autografando os títulos e esperando os leitores para um bate-papo e um comes e bebes.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...