10 de março de 2012

ARTE CONTRA A VIOLÊNCIA

  • Muitas vezes me sinto um desterrado dentro do Desterro. Olho em volta e não reconheço meus pares. Não pertenço mais ao modo como fui criado, dentro de uma cultura colona, católica, iletrada, na qual aos pobres como eu a vida só teria sentido em acordar as oito da manhã e fazer qualquer coisa que parecesse com arar a terra, semeá-la, orar para que dê frutos, esperar o fruto crescer e depois colher e agradecer. Não tenho crença alguma no trabalho, na propriedade, no dinheiro e nas coisas metafísicas, apenas na arte. Não há mistérios, dizia Fernando Pessoa, porque o único mistério é haver quem pense nele.

    Existem dois caminhos para quem teve a experiência de ler e compreender a teoria da mais-valia de Karl Marx. A primeira, e menos adotada, é ficar indignado e decidir não se vender por meros 30 dinheiros. A segunda é promover uma infrutífera luta de classes, a mais comum. Eu fui tocado pela primeira. Portanto, não me venham com meros 30 dinheiros, porque o tempo é de ouvir estrelas, ora direis, porque arte não é mercado.

    A segunda escolha exorbita qualquer um do irreal mundo do mercado, essa coisa diluída, ilusória, incerta e inventada para queimar livros e levar ao apogeu a imbecilidade humana. A saída não está na indústria cultural, cada vez mais massificada, mas na arte. A arte sem concessões, a arte modificadora, a arte não diluidora. Nada mais pobre do que a indústria da cultura, aquela em que o produtor diz o que o artista tem que fazer para agradar a um público e ganhar dinheiro. Artistas inventores, na boa e ainda válida acepção poundiana, não têm vez. Nada mais falso do que as justificativas e os objetivos para formatar projetos de leis de incentivo. Arte não é isso. Arte não tem que justificar nem objetivar. Não há pergunta mais estúpida nos formulários de inscrição para projetos do que “quais seus objetivos?”. Ao invés de perguntar o que você quer fazer?, perguntam por que você quer fazer? Ora, porque eu quero. Já não basta? Então me perguntem o “como” eu quero fazer.

    Mas políticos não têm capacidade intelectual para pensar e propor uma real, necessária e fundadora revolução nessa área. São ignorantes na insistência em manter sob uma mesma pasta as áreas do esporte, do turismo e da cultura. São anos de atraso e desvios de verbas para funções que não as de revolucionar, de modificar, de impedir a violência, que tem nos levado cotidianamente à barbárie. Só com arte se estanca a violência desmedida.

    A cultura perpassa tudo. O trânsito, a segurança pública, a saúde, a educação, todos os acertos e mazelas de qualquer compromisso público se resolvem com investimentos na área da cultura. Sendo assim, todas as secretarias deveriam ser de cultura. Secretaria de Saúde e Cultura, de Transportes e Cultura, de Segurança e Cultura. Imaginem um secretário da Casa Civil e da Cultura, porque o modo como atravessamos a rua, como escolhemos nossas profissões, como ficamos doente, como dirigimos violentamente, tudo isso é cultura. Mas para os governos, cultura é pagar um cantor popular, de preferência o mais diluidor e o que menos faz as pessoas pensarem, para que a máxima do pão e circo romano se concretize. Por isso, o ideal seria mesmo não a separação da cultura do esporte e do turismo, mas o acréscimo da cultura em todas as outras pastas, e a criação de uma secretaria exclusiva para as artes. Ideia típica de desterrados, vão dizer por aí.
  • Além do mais... A ponte

    Há duas semanas, o Diário Catarinense reportou a explosão voluntária de uma ponte pênsil nos Estados Unidos. Era parecida com a Hercílio Luz, mas bem menor, quase um pontilhão. Acompanhei os comentários dos leitores e fiquei impressionado com o fato de que a maioria queria fazer o mesmo com a ponte que liga o Estreito à Ilha.

    Pela lógica destes leitores, não haveria também nenhum problema em colocarmos abaixo o palácio Cruz e Sousa, a Catedral Metropolitana e o restinho de patrimônio histórico que ainda resta na Ilha.

    Este, aliás, foi o grande projeto do ex-governador e do atual prefeito: deixar as construtoras destruírem os últimos patrimônios históricos e culturais da cidade. Nunca dois governos fizeram tanto mal pela arte catarinense. O primeiro, por manter a ideia vinda do fascismo italiano (incluso o de pintar os prédios públicos de vermelho e verde) de que a cultura deve ser feita pelo governo, enquanto todos sabem que deve ser feita por artistas e pelo povo. O segundo, por omissão geral, não cumprindo desde o começo com a promessa de campanha de criar uma secretaria para a cultura, criar um fundo e lançar editais públicos.

    Agora, no apagar das luzes de oito anos de um mandato é que anuncia um edital minguado e um fundo quase sem fundos. Desse modo, para a triunfal vitória da burrice, o ideal mesmo seria explodir a Ponte Hercílio Luz. Dos restos da pólvora sairá a ridícula e falsa ideia de progresso, e a demonstração real e explícita do quanto somos ingratos com a história e com a arte, e provar uma certa macaquice com o ideal medroso e notadamente violento dos norte-americanos.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...