3 de novembro de 2012


CARTA ABERTA A CESAR SOUZA JR.

Caro Cesar Souza Jr., em primeiro lugar, não vou usar as deferências honoríficas tradicionais porque as considero – além de tradição esdrúxula – falsas e, principalmente, ampliam as desigualdades. Sabemos que o poder é iniciado pelo domínio da linguagem, ou, para ser mais enfático: linguagem é poder. Por isso, em uma democracia real, ninguém pode ser mais do que "você", porque ilustríssimo, meretíssimo, e estas pataquadas nominais todas têm apenas uma conotação semelhante às becas das formaturas: um ato medieval e, portanto, ultrapassado.
Em segundo lugar, penso que você já deve ter percebido que a maioria da população, e, um pouco menos, a maioria do eleitorado, não apoiou suas propostas. Das 322 mil pessoas aptas ao voto, apenas 117 mil optaram pela sua candidatura. E muitos, você deve ter consciência disso (apesar de ser um percentual não explícito na urna eleitoral), votaram por considerarem a sua plataforma como sendo a “menos pior”. Em resumo, você obteve apenas 36,33% dos votos, apesar da falsa premissa, sempre na boca dos políticos como sendo verdadeira, de que receberam mais de 50% dos votos. Dos válidos, sim, mas da maioria (que é indício de democracia) não.
Em terceiro, outro número que você deve levar em consideração, é que propostas de inclusão social e de políticas públicas mais democráticas e menos agressivas ao meio ambiente obtiveram 94 mil votos no primeiro turno, praticamente um terço dos eleitores. Isso é uma vitória para uma cidade que tem, historicamente, um comportamento conservador e com vícios explícitos de lidar mal com sua própria história, baseada sempre em políticas de balcão, pouco republicanas e, infelizmente, atrasada e distante dos acontecimentos culturais de vanguarda. Estes números (e ainda a enorme renovação do legislativo) são um aviso mais do que óbvio e claro que metade da cidade não quer mais o velho prefeito, a velha política de conchavos e aberta ao capital (principalmente o imobiliário) e à ignorância de alguns legisladores que mal sabem escrever um ofício, quanto mais propor projetos coletivos para a cidade.
Por falar em cultura, você já foi secretario de uma secretaria estadual que carrega o inóspito e o despropositado em sua gênese: ser ao mesmo tempo voltada à cultura, ao esporte e ao turismo. E lá, soube que políticas públicas para a cultura (porque foi avisado) não podem ser de estado, porque tendem, historicamente, ao fascismo. O município hoje tem conselho de cultura, fundo de cultura, fundo de cinema e editais públicos, todos regidos por lei. Ainda que com financiamento inexpressivo, é um avanço enorme para uma cidade, como eu disse antes, atrasada. Em uma de suas entrevistas, você prometeu fazer eventos. Pois saiba que não é papel do estado promover eventos, mas sim incrementá-los e apoiá-los. Por isso, qualquer proposta que você tenha para a área (e pelas suas entrevistas e programas vi que são insípidas e velhas), ouça o Conselho, porque ele é representativo da sociedade.
Por outro lado, fico feliz que você tenha sido tão radicalmente contra a construção do complexo hoteleiro na Ponta do Coral. Mais do que gravar como meus favoritos no Youtube, guardei em um HD, como prova de que você não permitirá algo tão agressivo ao meio ambiente e ao entorno daquele ponto (em suas próprias palavras). E se um dia o poder imobiliário (que é maior as vezes do que um prefeito) vencer você nessa briga, prometo que projetarei teu protesto (aceito por 36,33% dos eleitores) nas paredes do hotel todos os dias, para que a cidade fique sabendo que um prefeito por aqui vale menos do que o poder da construção civil. Se você ouvir o conselho de cultura, talvez fique sabendo que naquele lugar cabe uma biblioteca e um teatro municipal (veja que uma cidade tão importante não dispõe de um teatro municipal, e a biblioteca fica bem distante, quase em São José), um parque público, salas de leitura, enfim, um centro cultural digno de uma cidade que deve ser mais do que praia.
No mais, gostaria imensamente de que você venha a ser o prefeito que ouviu não apenas os 36%33 dos que o elegeram, mas os 63,66% dos que deram um sinal claro que não querem mais uma cidade sem políticas públicas de inclusão; não querem mais política cultural de balcão ou de eventos, mas sim de formação de público e de estado; não querem mais o poder abusivo e cruel das empreiteiras; não querem mais um sistema de transporte público ruim, caro e ineficiente; não querem mais uma cidade que privilegia automóveis; não querem mais uma cidade onde professores de escolas recebem mal para dar aulas sem recursos, livros, e, muitas vezes, sem preparo; não querem mais, enfim (mas não só), uma cidade violenta e sem atendimento médico decente. Democracia, meu caro novo prefeito, não depende apenas de um voto no seu nome, depende sim da crença na própria democracia, e, neste caso, você tem a obrigação de ouvir os 73,66% que deram sinais bastante óbvios de que tipo de cidade querem para viver.

ALÉM DO MAIS...
Mostra A Caverna e Fundação Badesc
Esta semana, na Fundação Badesc, teve mais uma edição de “A Caverna”, mostra de cinema de animação. Com projeções na parede do Florianópolis Palace Hotel, o velho Flop, estreiou o filme “Alçapão para Gigantes", de Yannet Briggiler, adaptação homônima de um dos contos mais instigantes da obra de um dos autores mais fecundos e emblemáticos da literatura brasileira, o também poeta Péricles Prade.
A Fundação Badesc, sua sede, a ex-casa do ex-governador e ex-presidente Nereu Ramos, é hoje um dos poucos lugares onde intelectuais e artistas ainda podem expor, lançar livros, exibir seus filmes e se encontrar. Suas exposições, lançamentos de livros e o cine clube agitam o modorrento centro da Ilha de Nossa Senhora dos Aterros intelectualmente.
Pois o atual presidente do banco parece que não gosta que a Ilha pense, e quer se livrar da Fundação, alegando que banco tem que dar lucro; e cultura, na visão dele, não dá. Esta é a mentalidade da elite deste Estado iletrado chamado Santa Catarina. E o pior, por conta da “falta de lucro”, querem conceder o espaço para a Fundação Catarinense de Cultura tocá-lo. Ou seja, o pouco que se tem, querem passar às mãos de quem detesta ainda mais a arte e o pensamento, porque é notório e sabido que a atual gestão da FCC é há tempos considerada como sendo a mais indesejada da história.

Publicado no Diário Catarinense, 3 de novembro de 2012

SOBRE O ÓDIO

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