6 de maio de 2013

PARA ONDE VAI O JORNALISMO?


        Na semana retrasada, participei de um debate, a convite de alunos e professores do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, no programa Jornalismo em Debate, produzido pela Rádio Ponto Ufsc (www.radioponto.ufsc.br). O mote foi a cobertura que a imprensa deu à eleição do papa Francisco. A questão principal era se foi exagerada ou não, principalmente se levarmos em conta a desproporção na cobertura sobre outras crenças. Inúmeras religiões existem no mundo, ainda que a Católica seja a mais praticada no Brasil, e pouco se vê ou se lê sobre seus líderes.
         Os debatedores chegaram à conclusão, quase unânime, de que houve mesmo exagero. De minha parte, indo um pouco além desta cobertura específica, penso que o jornalismo quase sempre exagera. Dada a formação de cada um, todo profissional da imprensa tem lá seus critérios para escolher o que possa ou não ser notícia. Muitos profissionais, baseado no critério subjetivo de que a melhor notícia (como se isso existisse) creem que é “aquela que vende”, aliando doses (quase sempre exageradas) de paixão com pitadas de um senso “mercadológico” duvidoso. Se o papa vende, dá-lhe papa. Se a vida de “celebridades” (que a própria mídia fabrica) vende, enchem as páginas de jornais e os minutos de telejornais com fofocas sem a menor importância, ou, quando importantes, com abordagem na maioria das vezes equivocada. 
        Todos os dias, jornais e tevês têm a obrigação de informar. Para tanto, têm números de páginas e minutos fixos. Digamos que em um determinado dia nada digno de nota tenha acontecido, ainda assim as páginas e os minutos devem ser preenchidos. A grande questão dos profissionais do Jornalismo é estabelecer critérios do que é mais ou menos importante para ser noticiado. Nesta escolha tramitam vários interesses. O do jornalista, o do editor e o do próprio veículo. O do jornalista (incluindo o repórter e o editor) tem a ver com sua formação intelectual, o do veículo, com suas relações comerciais e com o gosto popular. Porém, se a tendência do leitor médio é ser preconceituoso, machista, homofóbico ou fascista, não penso que o jornalismo deva escolher notícias que agrade esse tipo de leitor apenas para vender mais jornal.
Sempre me pergunto, que interesse tem um leitor sobre notícias de acidentes de trânsito, assassinatos, separações ou uniões de outras pessoas? Mas todos os dias elas enchem páginas de jornais e os programas de tevê e sempre com a mesma abordagem. Falta ao jornalismo, de modo geral, o aprofundamento das questões que mais afligem a comunidade. Porém, muitas vezes, nem o jornalista tem formação suficiente para abordá-la, nem o veículo a coragem para deflagrar o debate necessário.
          Por isso, penso que o jornalismo do futuro está nos debates e nas opiniões de especialistas sobre este ou aquele assunto. Não há sentido em perguntar ao leitor ou a espectador o que ele pensa sobre um julgamento ou sobre a separação de alguém. Mas é o que o jornalismo tem feito cada vez mais, invertendo um papel antes reservado aos formadores de opinião. Há sempre um embate nada velado nas sessões de cartas e nos comentários dos blogs, que, sinceramente, dá vontade de chorar de tanto preconceito destilado e de tanta falta de conhecimento. Porém, é o embate que vende.
        Sei que veículos de comunicação precisam de leitores. Mas a concessão demasiada às notas superficiais (seja pelo reduzido espaço, seja pelo teor), tanto ao leitor quanto a temas que nada contribuem, está tornando cada vez mais o jornalismo em algo tedioso e com pouca reflexão (quando há é rasa) sobre o que realmente importa, que, no fundo, é a propagação do conhecimento, menos, mas muito menos, apenas da informação. E informação não é conhecimento. 
          Se um homem mata cinco ou dez pessoas, o que deve ser informação é o motivo, os questionamentos sobre a existência da violência, formas de detê-la, o papel do estado, da educação, etc. Mas o que o jornalismo faz é mostrar a mãe chorando em close, a vida geralmente “estranha” do suspeito e assim por diante. Não é à toa que entre as pessoas que gostam de ler, os veículos preferidos são aqueles que privilegiam os debates, porque a notícia em si é quase sempre a mesma, porque ainda está vinculada perigosamente ao mercado. Tudo bem que o mercado é quem financia os veículos de comunicação. Mas a tradição do anúncio é estar próximo da notícia por desinteresse, pelo conhecimento prévio de que o leitor desviará os olhos em algum momento para o reclame, jamais para influenciar na notícia. Os meios de comunicação já foram no passado fonte muito mais confiáveis do que hoje. Talvez por isso.

ALÉM DO MAIS
EM BOSTOM
      Outro exemplo, e talvez seja o mais emblemático do momento, foi a cobertura da explosão de uma bomba caseira na maratona de Boston. Se contarmos que um dia antes morreram cinquenta pessoas por causa de uma explosão no Afeganistão, e nos dias seguintes um terremoto matou mais de 200 pessoas na China, ainda assim, todos os jornais impressos, a tevê e até mesmo os jornais da internet davam até cinco vezes mais espaço para os três mortos no atentado de Boston. Sinal inequívoco que mortos norte-americanos valem mais do que os mortos dos “outros”.

O QUANTO SOMOS DEPENDENTES
       O compromisso com a macro-economia, da qual somos dependentes, porque somos uma neocolônia dos Estados Unidos, faz com que um atentado na corte seja considerado mais importante do que um atentado no distante Afeganistão ou um desastre na quase inimaginável China. Não dá também para desvincular todas estas questões com a formação do profissional da comunicação, cada vez mais tecnicista e menos humanista. Acabou-se o tempo em que jornalistas eram leitores vorazes e suspeitavam de tudo na mesma proporção exatamente porque liam de tudo. Infelizmente, somos mais dependentes dos manuais técnicos do que dos livros.

NA CAVERNA DE PLATÃO
        Talvez este seja o momento de a mídia começar a debater com mais profundidade sobre seu papel e sua importância na formação de seus leitores, como já teve em algum momento na história, quando pautou-se pelo bom senso, quando foi combativa, e deu espaços a temas essenciais, quando tinha em seus quadros intelectuais de ponta. A impressão que tenho, depois de ter participado do debate, é que estamos de volta (ou nunca saímos) à caverna de Platão, assistindo a sombras crendo que elas são a realidade. Está na hora de o jornalismo começar a olhar mais para a realidade, menos para seu umbigo e seus espetáculos supostamente reais, como os tais “shows de realidade”, nome, aliás, que distorce  simbólica e propositadamente a semântica de uma palavra tão essencial, que é “realidade”.

Publicado no Diário Catarinense, 4 de maio de 2013

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