A água suja com o bebê dentro
O ex-presidente Lula foi citado uma vez na delação do senador
Delcídio, na qual o próprio diz que não a fez, que a Procuradoria Geral da República diz que não
existe e que o STF sequer homologou. Por conta disso, foi coercitivamente preso
e teve que dar explicações ao juiz de Curitiba dentro de um aeroporto.
O candidato derrotado nas últimas eleições, senador Aécio Neves,
acaba de ser citado pelo mesmo Delcídio, na mesma delação, além de já ter sido
citado por pelo menos outros quatro delatores, na mesma “Operação Lavajato”. Por
conta disso, o placar está cinco a um para Aécio, mas não foi levado à força, sequer convidado amigavelmente a depor.
Não acho justo defender Lula atacando Aécio, como muita gente
está fazendo, mas para um debate ser justo - e é disto que se trata este texto
- não há outro modo de refletir sobre os fatos do que comparar os critérios
aplicados pela justiça, principalmente no âmbito desta operação.
Não é por Lula, nem por Aécio ou por qualquer outra ação da
justiça cada vez mais injusta, mas por mim e por aqueles que atacam Lula sem
conhecimento jurídico, desconhecendo os meandros da operação, sem ter lido a
constituição e sem capacidade cognitiva (apenas 8% da população afirmam as estatísticas)
para ler até o fim este texto, porque se aceitarmos de agora em diante que a
justiça pode “escolher” o delatado a ser investigado, isso pode virar
moda, e adeus qualquer confiança na justiça, tanto para mim como para
qualquer um de nós no país.
Portanto, está em jogo a justiça para todos, tanto aos que acham
que o Lula deve ser preso quanto aos que acham que Aécio, Cunha ou qualquer
outro possa também ser preso sem os devidos procedimentos legais, como
aconteceu durante a ditadura.
Um dos argumentos que sempre uso contra a pena de morte, além do
horror e da barbárie que ela representa (mas são adjetivos inválidos para os
incautos, eu sei) é que ela valeria para todos, inclusive aos inocentes que um dia
a defenderam. A história tem provas cabais de mortos inocentes.
O juiz de Curitiba tem, ou teve, vários processos contra ele já
julgados, tanto no STF quanto na Corregedoria do CNJ. Houve indícios -
desconsiderados, porém com declarações fortes contra o mesmo - de que suas
sentenças, num caso específico, principalmente sobre um habeas corpus, eram, vamos dizer assim, “suspeitas”. E isto é público, basta consultar no
sítio do STF e do CNJ.
Não consegui confirmar se as notícias de que o pai e a mulher do
tal juiz são membros do PSDB, como dizem por aí. Mas há uma foto (comprovadíssima como verdadeira,
porque, sim, devemos duvidar de tudo nas redes sociais) do mesmo juiz num
encontro público com o pré-candidato a prefeitura de São Paulo, Jorge Dória. De
que partido? PSDB.
Sair às ruas para defender o impedimento de Dilma é
meio que “pagar um micão” de tolo numa hora destas. Primeiro, porque não há nenhum inquérito
contra ela. Existem indícios, que é mais ou menos como fofoca. Mas no universo
da política partidária, indiciar, que tem a mesma raiz que nos deu "apontar o dedo" (que se chama "indicador") é a coisa mais fácil do mundo. Basta apontar e dizer:
“ela roubou” e pronto. Em um estado de direito que preserve o direito de defesa de um cidadão, qualquer
um, para afirmar que alguém roubou você tem que primeiro provar. Tanto é que
existe o “flagrante”, para que nenhum inimigo seu fique te acusando, ou te apontando, por coisas
que você não fez.
É óbvio que as apurações da Lavajato devem continuar. Mas julgar
sem ver não é mesmo coisa de cristão ou de católico, nem mesmo de qualquer um
que diga crer em qualquer deus. E como tenho percebido, os valores “cristãos”
de honestidade, dar a outra face, não usar a violência, não têm nenhuma
importância para aqueles que usam destes mesmos preceitos na hora de tentar
tirar uma presidenta legitimamente eleita, mesmo que não exista sequer uma
linha de acusação contra ela. Há indícios, como já disse, mas há também contra FHC, muito mais contra
Aécio e muito mais gente que não tolera ter perdido as eleições nas urnas.
Dilma tem feito coisas das quais não considero como certas, e não votei nela para isto, é certo. Mas falo por mim, não por ninguém. Não gosto da Kátia Abreu (porque
ela defende as ideologias do capital), não gostava do ex-ministro da fazenda
(pelos mesmos motivos). Nunca gostei da aproximação do PT com essa rapaziada
“de sempre”. Este foi o grande erro do partido, pra tentar governar e aplicar os programas que acreditavam serem justos, os quais eu acredito
até hoje. Quem tem mais de 20 anos de idade sabe muito bem do que estou
falando. Quem se alia com o inimigo não governa um país, governa crises com o inimigo.
O movimento popular mais legítimo não poderia jamais ser por
causa deste ou daquele político (ainda que eu tenha preambulado por uma
parcialidade da justiça, que hoje não existe), mas por uma mudança radical no
sistema político, que tenha em foco, principalmente, o modelo de
representatividade.
Não pode ser mais deste modo, porque corremos o risco de tirar a
Dilma e colocar um idiota (no sentido mais grego da palavra) como o Aécio. Não tem mais sentido o
presidencialismo. As decisões políticas não podem ficar na mão de uma pessoa,
num país tão imenso e tão diverso social e culturalmente. Sei que a maioria das
decisões são colegiadas, mas não adianta tirar o Cunha (e a parcialidade da
justiça é o que faz com que ele ainda não tenha sido cassado). Contra Cunha não
há indícios, existem sim provas cabais contra ele, todos já viram.
Se é para sair às ruas e lutar contra alguma coisa tem que ser
por mudanças estruturais profundas. E isto, nem PT nem PSDB, muito menos o PMDB
(pra falar dos maiores) querem, porque o que interessa a eles é manter uma estrutura
que funciona para eles, não para a sociedade. Mas quem está propondo isto?
Talvez o único partido seja o PSOL. Mas estamos, nós que lutamos contra uma
ditadura, que faz mal até hoje ao país, vacinados contra um discurso
bonito que pode se transformar em uma prática contrária, como fez o PT se
aliando ao extinto PL, ao Maluf, ao Sarney, ao agronegócio e, com o pior dos
piores, o PMDB.
Quem tem um pouquinho de lucidez, que consegue pensar com mais
de meia-dúzia de palavras, deve propor uma grande mudança no sistema político
representativo. Não há sentido a
permanência no poder de um executivo que não obtenha maioria no legislativo.
Fica ingovernável. Não dá para incluir as agendas mais importantes em pauta com um
chefe de legislativo como inimigo. É óbvio que o inimigo vai minar suas pautas,
mesmo que tenha sido eleito junto, como é o caso do PMDB e Eduardo Cunha.
No parlamentarismo europeu, ou grande parte dele, a maioria do
congresso é que escolhe o primeiro ministro, que será o chefe de governo, ainda
que o chefe de estado (sim, são coisas distintas) tenha outra função, que é a
de preservar as coisas públicas. Um governo governa com a maioria,
desde que não ultraje a constituição e saqueie a coisa pública, no sentindo
latino mais literal: a res
publica.
É claro que o PMDB, assim como o PSDB tem quadros capacitados e
inteligentes, assim como o PT. E é uma pena que a população não tenha
capacidade intelectual para pensar sobre isto. Grita “fora PT” como se o PMDB
não fizesse parte do governo, e como se os problemas do país fossem sanar
imediatamente após a saída da presidenta Dilma ou do PT do governo. Não vai. Se não pensarmos em um
novo modelo de representatividade e numa reforma política imensa e radical, vai
sair um néscio para entrar outro, vai sair um corrupto para entrar outro. E não
falo apenas do executivo nacional. O mesmo acontece nos municípios e nos
estados. A mudança tem que ser profunda.
E não devemos esperar que o sistema político vigente modifique
este quadro. Eles não querem mudar, querem apenas permanecer no poder, de um semi-socialismo
para um ultra capitalismo, como acontece na Argentina agora. Somente a união do povo, como aconteceu na Islândia (guardadas as devidas dimensões territoriais dos dois países), pode modificar este quadro.
Da minha parte, é óbvio ululante que prefiro o socialismo, e não
é ele o mal em si, mas o modo como estes quadros que se dizem socialistas (e o
são em parte apenas) conduziram as principais questões, tanto econômicas quanto
sociais, culturais, etc.
Se o PT não romper imediatamente com a direita e seus programas,
se esquecer seus aliados históricos, a classe trabalhadora e uma boa parcela
dos intelectuais que ajudaram o partido a governar tanto tempo, se não se
refundar, corremos o risco de dar de presente à extrema direita o argumento de
que o “socialismo” falhou no brasil.
Só que não falhou, porque ainda não foi aplicado em sua
totalidade. Quem reclama da Dilma não se tocou ainda que o segundo mandato dela
está mais próximo daquele que Aécio e o PSDB fariam, da manutenção dos privilégios do capital, do que se imagina.
Na lista do TSE dos políticos que não puderam se candidatar (é só procurar no sítio do tribunal), porque estão listados na "ficha suja", o partido que teve mais políticos barrados foi o PSDB. Depois o PP, depois o PMDB. Por que, então, a população quer sair às ruas no domingo gritando "fora PT", que está em quinto lugar neste rol? Só tem duas explicações: 1) ou porque perderam muitos privilégios, ou porque são idiotas (de novo, no sentido grego).
O que mais me deixa triste, e leio nos comentários de várias
notícias, é que pouquíssimos se dão ao trabalho de ler com detalhes e pensar radicalmente no principal problema, que é o vício institucional, o modelo representativo, o modelo de federação, e tantas outras questões que podem ser repensadas, para não trocarmos seis por meia-dúzia É preciso pensar de forma dialética, porque se lessem, veriam que estão
entrando numa onda burra, como dizia minha avó, “jogando a água suja da
banheira com o bebê dentro”.