9 de junho de 2017

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA NARRATIVA À HISTÓRIA DO GOLPE

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA NARRATIVA À HISTÓRIA DO GOLPE


o processo que acaba de ser julgado no tse foi proposto por aécio neves, assim que soube de sua derrota para dilma roussef. 

segundo ele mesmo, propôs a ação, em nome do psdb, apenas para "encher o saco". 

mas antes de sabermos da intenção, outra declaração, dele ainda, disse que comandaria uma oposição sem tréguas contra dilma, o que de fato aconteceu. não sem antes juntar com a parte podre do pmdb (diga-se cunha e temer). 

só que, antes disto, o psdb, junto com parte do pmdb, crente que talvez nem a ação agora julgada, nem as armações do congresso aludidas por aécio pudessem dar certo, encontrou outro motivo: o impedimento por crime de responsabilidade. a tal pedalada fiscal. por incrível que pareça, nem a oposição sem tréguas, nem a ação julgada hoje foram tão eficazes quanto a ideia de pedalada fiscal. 

talvez, suponho eu, seja pelo fato de que a maioria da população não sabe do que se trata “pedalar fiscalmente”. e mais, que isto possa ser considerado como sendo “crime de responsabilidade”. talvez pouca gente saiba o que é “crime de responsabilidade”.

quanto menos uma população sabe, menos ela pode atuar contra ou a favor. tanto que, nos discursos oficiais e na boca da classe média, se diz que dilma saiu por corrupção e por causa da operação lavajato. o tal “conjunto da obra”, como um deputado destes aí disse. o que não é verdade.

independentemente do processo de impedimento, a ação proposta por aécio e o psdb corria faz dois anos. a justiça é lerda neste país lerdo, todos sabem, tanto pro bem quanto pro mal. talvez ela até seja mais célere quando é pra defender a elite.

acontece que, o golpe (o impedimento da dilma), uma ação conjunta do psdb do aécio e o pmdb do cunha e temer, aconteceu porque, supostamente, dilma teria deixado a pf e o mpf à vontade para investigar todos os crimes de corrupção, inclusive os de seus aliados. 

mais do que isto, a classe empresarial, aliada à mídia majoritária, nunca engoliu o sapo barbudo (como o chamava brizola) do lula, que promoveu, a despeito de seus inúmeros equívocos políticos (notadamente o de ter se aliado ao pp e ao pmdb) extensa reforma de cunho social, inaugurou centenas de cursos superiores e institutos de educação federais, reduziu a pobreza e a consequente desigualdade (que ainda são enormes), promoveu debates nunca antes feitos sobre direito de minorias, deu voz a inúmeros tabus (sobre descriminalização do aborto e do uso de drogas, por exemplo), fez crescer o consumo  de produtos e serviços da classe mais pobre, levantou o debate sobre a regulamentação das ondas públicas de comunicação, enfim, coisas que estão aí na história para qualquer um acessar. do mesmo modo, falhou imensamente em relação àquilo que se esperava do pt: as reformas mais do que essenciais: trabalhista, política, previdenciária, eleitoral, fiscal, agrária e, principalmente a educacional. além, é claro, de todas as suspeitas de corrupção que recaíram sobre inúmeros petistas.

porém, a elite patrimonialista não se interessa por nenhum destes temas. a elite quer mesmo é jamais perder privilégios. tanto que quando falo em reformas, de modo algum é para defender o modo como estas (principalmente a trabalhista, a previdenciária e a educacional) estão sendo feitas. sempre esperei, de um governo comprometido com a maioria (sem jamais esquecer as minorias, coisa que fhc já teria dito que é impossível inclui-las) que tais reformas fossem feitas sob o ponto de vista de uma paridade real do capital com o trabalho, e pelo fim absoluto dos privilégios. não deu certo, e coloco na conta disto o fato de que não se faz reformas includentes com parceiros que pensam o contrário. 

o psdb, nunca esquecemos, foi o partido que perdeu as eleições. mas por conta da tramoia da oposição sem trégua do aécio no congresso, e pelo fato de muitos de seus líderes (serra e aécio principalmente) estarem envolvidos na operação lavajato, seria melhor tirar dilma de qualquer jeito, com impedimento, com ação por campanha supostamente criminosa, ou mesmo com paralisação de projetos do executivo no congresso. mas  o presidencialismo de coalizão não perdoa. como haver coalização quando os interesses não são coesos?

o mais assustador é que o golpe, apesar de ser tão explícito, foi comprado pela classe média (a elite já não está nem aí com legalidades e com comprometimento) e a pequena burguesia justamente por não compreenderem tudo isto. e digo que está explícito porque poderia há uma narrativa bem clara. a gravação da conversa de romero jucá  e machado dizendo que “com a dilma não tem conversa”- aludindo, obviamente, ao fato de ela não impediria a pf de fazer seu trabalho - e que faria acordo com o supremo, com tudo, é só o começo de tudo. 

não esquecer que jucá e machado estão comprometidos até o talo na lava jato, assim como a maioria dos ministros indicados por temer. muitos deles já caíram - seja por trapalhada, seja por corrupção.

portanto, como alguém pode pensar que não se trata de golpe se o presidente interino (sempre vou chamá-lo assim) convida o próprio psdb (o perdedor da eleição) para governar junto? ninguém se toca disso? mas é o que está acontecendo. se o projeto neoliberal do psdb perdeu, como agora está no poder, promovendo justamente reformas neoliberais? obviamente porque tramou um golpe com o vice-presidente para assumir parte do executivo, mesmo tendo perdido a eleição. reverter uma legalidade por uma ilegalidade 
e um modo de golpe. não seria golpe se temer mantivesse a mesma política de inclusão (com todas as críticas que devemos fazer ao que o govero do pt não fez) proposta pelo pt.

mais do que tudo isso, o que sempre esteve em jogo, mais do que a malfadada corrupção, foi o projeto de país que ser quer. a elite, patrimonialista, privilegiada, sempre conseguindo o que quer (inclusive no governo lula), empréstimos no bnds, corrompendo licitações, sonegando impostos, privatizando o que pode, e contrária a qualquer projeto que possa ser gerenciado de forma razoável pelo poder público (se fosse, no caso o brasil, uma república que guarde minimamente o conceito que se conhece como república). 

a esquerda, por sua vez, ou a parte que esteve no poder (sem esquecer que lula sempre foi o mais à direita dentro do pt), nunca soube modernizar-se, sequer na linguagem. usou dos mesmos discursos da elite, da mesma sintaxe, das mesmas palavras de ordem, gesticulou da mesma maneira, usou os mesmos ternos, enfim, compactuou feio, apenas para poder fazer um décimo do que nós, de esquerda, gostaríamos que tivesse sido feito. 

mas não é possível, ao fazer a crítica, abandonar os princípios e os projetos de esquerda, como muita gente fez, tomando partes pelo todo. conheço muita gente que se decepcionou com o governo dilma atribuindo sua própria decepção à ideia de que os governo pt foi mesmo de esquerda. uma coisa é criticar esta ala da esquerda, outra é abandonar princípios minimamente progressistas de esquerda, aceitando as teses da elite, da continuidade de seus privilégios, e começar a sentir pena do empreendedor que não emprega mais porque tem muitos direitos trabalhistas. ora, um dos princípios do direito é regular, propor regras quando uma parte tem mais privilégios do que outras. o direito trabalhista se constituiu a partir de casos terríveis de exploração do capital sobre o trabalho. 

a tese, vendida à exaustão, de que o serviço público é ruim e que sempre será corrupto, é uma das maiores falácias vendidas pela mídia e boa parte dos mal informados e que têm apenas frases feitas como argumento. afinal, quem corrompeu o serviço público não foi o privado? quem abandonou as escolas públicas estaduais e municipais em favor das escolas privadas, para dizer que as públicas não funcionam? não é possível continuarmos a matar o cachorro para acabar com o carrapato. e é esse o argumento não explicitado que as elites propõem. ah, com o serviço público do jeito que está, melhor é privatizar. mas quem corrompeu, pergunto de novo, não foi o privado?

hoje, num placar de 4 a 3, ministros do tribunal eleitoral não cassaram a chama vencedora de 2014. talvez tenha sido o julgamento mais inútil da história dos processos eleitorais (dificilmente desassociados do político). sem que muitos tenham se dado conta, quem venceu esta ação foi dilma roussef. ela era a cabeça de chapa, e ganhou porque, com os processo julgado procedente ela perderia também os direitos políticos.

mas poderemos especular o resto da vida, diante das falas dos ministros, sobre a contradição totalmente exposta que o relator fez de votos passados do presidente da corte, o pra lá de controverso gilmar mendes: se dilma roussef não tivesse sido impedida, se ela continuasse governando, o placar seria o mesmo? 

claro que é especulação, mas como todos já haviam alardeado o placar, sinal de que três dias de julgamento não serviram para nada (porque apesar dos argumentos e contra argumentos, cada ministro já sabia como votar), só nos resta pensar que a chapa, sim, seria cassada, talvez até por um placar nem tão apertado. e o que é pior, alguém, mais cedo ou mais tarde, diria que foi pelo “conjunto da obra”. ou seja, às favas  o processo jurídico, porque o que importa mesmo é deixar tudo como está, com supremo, com tudo.

por fim, continuamos com um presidente interino, o qual todos ouvimos e conhecemos, sejam pelas gravações (com a jbs), sejam pelas contradições (o tal jatinho), seja pela narrativa explícita do golpe (pmdb com psdb), que ficará no poder, salvo uma explosão popular de consciência (a qual não teremos), promovendo as reformas que privilegiarão a elite patrimonialista de sempre, até 2018. 


depois de 2018 ninguém sabe o que será. mas com certeza, restará bem pouco de república para reconstruirmos minimamente os reais interesses difusos e coletivos da nação.

apesar dos supostos arrependidos em terem votado no aécio, poucos ainda admitem, mesmo com todas estas questões postas, que dilma não tenha sido derrubada por um golpe. e isto é o mais triste de tudo, porque quem perdeu foi a democracia, porque, mesmo que ela tenha sido incompetente, e isto é outro debate, no âmbito da economia, não se tira presidente por incompetência, porque não está em lei nenhuma isto.

e mais, acredito também que existe um componente misógino muito grande que ajudou a construiu o golpe. mas isto é assunto pra outra hora. 

ilha de nossa senhora dos aterros, 10 de junho de 2017.


Um comentário:

primeiroteatro disse...

Fabão, concordo com quase tudo e acho que você acerta na maior parte dos diagnósticos. Algumas questões, todavia, me parecem discutíveis: a primeira, tomar o PT como um partido de esquerda e que, nas duas gestões, teria implementado ações nessa direção. O PT é progressista, mas liberal. E, pior de tudo, entrou no jogo sujo do corporativismo para se manter no poder. Tanto que colocou o Temer como vice na última chapa eleita. Claro está que as elites repudiam qualquer avanço democrático, ainda que liberal. Elas tem ojeriza à república.

A segunda, é não tomar o momento atual como de exceção. Assim, esperar justiça onde ela não existe, é embarcar na ilusão. Não há povo no país, não há massa, não existem movimentos sociais organizados. A greve geral do mês passado deixou isso bem claro: foi um fiasco. Faltou adesão, faltou organização e, sobretudo, vontade política de massa. Onde estão os petroleiros que estão perdendo emprego aos milhares? Os portuários? Os trabalhadores rurais, depois de 30 anos de MST? Sem massa, não há ação pública que resulte em algo além de retórico.

O que parece ter acontecido é uma imensa lavagem cerebral, promovida, entre outras razões, pelas igrejas evangélicas, a mídia, pela cultura de massa, pela rápida promoção do país à categoria de campeão do facebook, tornando os indivíduos presas de si mesmos, de seu ego, de seus proprios problemas. Quando isso vai terminar? Ninguém sabe. Até uma miséria afriana tomar conta de boa parte do país e uma convulsão social iniciar uma guerra fratricida de facções. Nosso futuro é esse: do fundo do poço para a entrada no inferno.

seu amigo Edelcio Mostaço

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