31 de outubro de 2009

Ledos enganos

Há mais de 2.500 anos, Tales de Mileto, o filósofo grego, acreditava que as plantas eram água antes de serem plantas, porque a cada vez que a chuva caía elas brotavam. Para ele, tudo era feito de água. Já um de seus discípulos, Anaximandro, foi um dos primeiros a desmontar a ideia de que a Terra não era sustentada por alguma coisa, mas ainda tinha certeza de que era plana, apenas um ledo engano.

Desculpas pelo salto de mil anos na história, mas Giordano Bruno foi queimado na fogueira da Inquisição porque atribuiu ao universo uma infinitude discordante dos “sábios doutos” da Igreja Católica. Galileu Galileu quase foi queimado, e só não foi porque voltou atrás (não por convicção, mas por medo) de sua própria afirmação anterior de que a Terra era redonda e girava.

Indivíduos têm muitas ideias revolucionárias, ao contrário do coletivo, que eu chamaria aqui de “institucional”, pois custa, por vezes milênios, a aceitar novos conceitos talvez óbvios, como os fatos de que nem tudo é água, que a Terra, além de ser redonda, gira, e, por fim, que o universo talvez seja mesmo, pelas várias evidências científicas, infinito. Isso pode ser um bom argumento para a tese de que tudo aquilo que pensamos sobre as coisas que realmente interessam podem estar bastante equivocadas.

Tudo bem que é muito difícil suplantar os desejos da experiência pessoal. É diferente, muito aliás, alguém saber que pode morrer se fumar muito cigarro, ou beber muita cachaça, ou ficar burro por assistir muita televisão. Mesmo assim, pessoas continuam fumando, bebendo cachaça e, o que é pior que tudo isso, assistindo televisão.

Somos todos filhos do engano. Inclusive, escrever sobre isso talvez seja apenas mais um engano, e não tão ledo. Aliás, pouca gente sabe que “ledo” vem do latim e significa “alegre”. Alguns enganos individuais talvez não façam tão mal, a não ser àquele que se autoengana. Agora, os enganos coletivos, como o modo tolo como dirigimos, votamos, acreditamos, pensamos, enfim, estes não são nada ledos.

24 de outubro de 2009

Dois míopes

Ambos saíram da mesma sala de cinema, assistiram ao mesmo filme, levantaram no mesmo segundo depois do letreiro anunciar o fim da sessão, mas não se conheciam. Caminharam juntos até o ponto de ônibus, mas não conversaram. O que pensavam? O que desejavam? No ponto, ela, míope que era, perguntou se ele poderia fazer o favor de dizer o que estava escrito no letreiro do latão. Ele disse que não poderia, porque também era míope. Como deveriam acenar, ou não, dependendo do destino, ambos cerraram os olhos para enxergar melhor. Quando o ônibus chegou bem próximo, ambos gritaram, um para o outro, como se fizessem um favor mútuo: “vai para o Centro”.

Eles embarcaram, passaram a catraca, e como se fosse a coisa mais natural do mundo, apenas porque eram míopes – e apesar de no veículo estarem somente eles dois, o cobrador e o motorista – sentaram um ao lado do outro. A conversa foi bem estranha, versava sobre quantos graus cada um tinha em cada par de lentes. Falaram de uma ou outra amenidade, até que ele, sem até hoje nunca ter sabido de onde tirou tanta coragem, pediu a garota em casamento.

Ela não ficou surpresa, não. Olhou para um lado, olhou para o outro, o cobrador estava na dele contando os trocados, respirou bem fundo, com o que podia enxergar, e disse “sim”. Ele sorriu, pegou na mão dela e foram até o terminal do Centro, assim, de mãos dadas. Depois, foram beber uma cerveja, comemorar o casamento, trocaram beijos e, como se fosse uma história de amor de verdade, ele teve que partir, porque, na época, o último ônibus para Santo Antônio de Lisboa, onde morava, partia à meia-noite.

No dia seguinte, ele não lembrava o nome de sua recém-mulher, nem o que fazia, mas estava apaixonado. Nunca soube se por ela, ou se pelo inusitado da cena. Descobriu depois, com o bilheteiro do cinema, o nome e o telefone dela. Telefonou, perguntou se ainda lembrava dele, ao que ela respondeu: “Eu não podia esquecer da voz do meu marido”. E assim foram uns dois meses de um a história que parecia ter tudo para durar para sempre. Mas não durou, porque o amor nem sempre é cego. Um dia ela foi embora, e ele desconfia que foi por causa dos óculos novos, que corrigiram pra sempre sua miopia.

no Diário Catarinense, 24 de outubro de 2009

17 de outubro de 2009

Por que não cumprimos leis?

Dois motivos levam os brasileiros a desrespeitar leis. Ambos têm a ver com a forma como compreendem a política, com letra maiúscula, como sendo uma coisa qualquer, e que serve apenas para se levar alguma vantagem em época de eleições, seja como eleitor, seja como candidato. Ambos os motivos são, a priori, promovidos e incentivados pelo Estado, nas suas mais variadas formas de poder. Numa espécie de motocontínuo social, elegemos políticos que não compreendem a essência da política e que, por conta disso, mantém um sistema oneroso, mantenedor de uma política que não privilegia o espírito público e a igualdade, e, ainda por cima, é ilegal. O primeiro é a impunidade. O segundo é o descumprimento, por parte do Estado, de leis que ele mesmo cria. Se nem o Estado cumpre as leis, por que a população deveria cumprir?

Um dos exemplos mais emblemáticos é o acordo feito entre o Estado brasileiro e o Vaticano que é escancaradamente inconstitucional. O parágrafo primeiro do artigo 11 do acordo diz: “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”.

Trata-se de um desrespeito a outras crenças, além de inconstitucional (pois a Carta diz claramente que o Estado deve ser laico), essa preferência pela Igreja Católica. Além disso, o trecho acima é incoerente, porque fala em “matrícula facultativa”, mas “constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. A única cadeira que o Estado poderia oferecer seria a de história das religiões, mas não é o que acontecerá se diretores de escolas públicas quiserem levar esse acordo a sério.

Mas não moro num país sério, havia quase esquecido disso. Afinal, a Assembleia Legislativa do Estado e a Câmara de Vereadores da Capital cotidianamente violam a lei, mantendo crucifixos exatamente sobre a cabeça de seus transgressores presidentes. Cumprir leis para quê?

Publicado originalmente no Diário Catarinense, em 17 de outubro de 2009.


12 de outubro de 2009

Achados e perdidos

Não sei se ainda existe um departamento de achados e perdidos. Eu imaginava um lugar comprido com estantes devidamente catalogadas, cheias de objetos com teias de aranhas aguardando seus donos. Já perdi tanta coisa nessa vida, que talvez não coubesse num único departamento. Perdi livros, canetas, isqueiros, brinquedos. Um deles, perdi ainda na infância, e depois o encontrei no sótão da casa do meu avô, que, por coincidência, era a casa onde nasci, e onde morei até a juventude. Era um macaco que pedalava sobre uma corda. Para brincar, era preciso de duas pessoas. Enquanto um levantava a corda, para que ele descesse por ela, o outro tinha que baixá-la, e vice-versa.

O poeta Mario Quintana escreveu, num de seus epigramas, que as coisas perdidas – e inclua-se os indefectíveis guarda-chuvas, os botões que se desprenderam, as dentaduras postiças (objetos que ele chama de heteróclitos e tristes) – vão parar nos anéis de Saturno, e que ficam lá eternamente girando.

Perdi muitos amigos, perdi muitos amores. Mas também encontrei outros tantos, amores e amigos. Uns circulam por aí, não sei em que cidade, em qual país. Outros, a “indesejada das gentes já levou”. Onde andam o Zé, o Almirante, o Romualdo, a Rose, a Carol, a Suzane, a Deneuza? Em que planeta ou plano se escondem o Jonibaldo, a Sandra, a Gerusa? Em que cidadezinha se meteu a Inês, em que lugar foi parar a Maria, que me deu o primeiro beijo?

Em que biblioteca foi parar o livro de fotografias com reproduções manuscritas de poemas de poetas franceses, que, pra falar a verdade, nem era meu, mas do Fernando Karl. Onde está o primeiro filme que fizemos, feito em super-8, e se chamava Tema para chuva? Nele, a Jonira chora na frente do pipoqueiro, o Ricardo fura uma bola com uma faca, e o Marcão cheira a flor que nasce de um sapato velho. Na cena mais importante, a Carol dança com um vestido de cigana e um guarda-chuva colorido sob uma chuva falsa, feita de mangueira. Carol, onde andas? Naqueles dias perdidos, eu tenho certeza de que fui feliz, e aquela felicidade foi parar nos anéis de Saturno, junto com todos os outros achados há muito já perdidos.

3 de outubro de 2009

A nau do saber pede socorro

Livros são armas perigosas para os governantes, porque fabricam cidadãos inteligentes, e estes não votam em gente sem escrúpulos. Político gosta mesmo é de asfalto, e a maioria odeia livros. Como não existe uma política de Estado para a cultura, e muito menos para o livro, a Ilha de Nossa Senhora dos Aterros vive à míngua no que se refere a essas questões.

Prova disso é que não existem bibliotecas públicas municipais na cidade. A única municipal, e não vale contar as das escolas públicas, porque são delas, fica no continente, e pertence, pasmem, à Secretaria de Obras. Sim senhores, é desse modo que esses caras veem os livros. Não me admirarei o dia em que, para recapar a Beira-Mar pela centésima vez (porque pra essa gente, asfalto bom é asfalto que se deteriora logo) usarão os livros da biblioteca Barreiros Filho junto com piche.

A única biblioteca pública da cidade fica na Lagoa. É pública porque é aberta, mas não é no que se refere à administração. A Barca dos Livros, que fica ali no trapiche, é ideia de cidadãs que trabalham de graça para manter o espaço navegando.

Tânia Piacentini, uma das idealizadores, lançou nessa semana um manifesto pedindo socorro para que o espaço e o acervo maravilhoso de que dispõe literalmente não naufrague. A nau do saber é mantida pela Sociedade Amantes da Leitura, e existe desde 2007. O problema é que manter um espaço aberto, e gratuito a todos, só com paixão pelo livro não resolve. De vez em quando a Barca consegue emplacar um projeto nas leis de incentivo, mas não dá para mantê-la sem um comprometimento efetivo e permanente do poder público. Afinal, é dever do Estado o incentivo à educação e à cultura.

Uma média de1,8 mil pessoas passam por lá todo mês, tanto para ler ali mesmo quanto para pedir livros emprestados. Em um ano, a Barca emprestou quase 20 mil livros.

Uma cidade que pretende ser referência turística deveria ter, pelo menos, uma biblioteca pública em cada bairro. Mas aqui na Ilha, parece até ridículo ter que pedir apoio público para o funcionamento de uma que é referência, que dirá pedir pela a abertura de novas. Desse modo, em breve, seremos a Capital do mangue ocupado, do patrimônio destruído, do asfalto podre, menos a de uma cidade de leitores, o que seria o sonho ideal.

Diário Catarinense, 3 de outubro de 2009.

26 de setembro de 2009


E depois do boi?

Cadê o toucinho que estava aqui? O gato comeu. Cade o gato? Foi pro mato. Cadê o mato? O fogo queimou. Cadê o fogo? A água apagou. Cadê a água? O boi bebeu. E depois do boi, esqueci. Nem sei o motivo pelo qual essa sequência infantil apareceu na minha cabeça. Assim do nada, em plena viagem, descendo a Serra, ela entocou no cérebro. A memória é uma ilha de edição, escreveu o grande poeta Wally Salomão. Por que será que ela me fez lembrar uma brincadeira de criança, mas ao mesmo tempo não me trouxe a brincadeira toda?

Estou há alguns dias querendo saber o que vem depois do boi, mas não consigo lembrar. Sim, eu poderia procurar no Google, ligar pra um amigo, perguntar pra mãe. Mas achei que estaria dando muita moleza pra memória. Ou eu me esforço, ou vou achar que todas as respostas estão no grande oráculo, como diz a Maria.

Muitos leitores escreveram emocionados com o presente que ganhei da G., relatado aqui, no sábado passado. Alguns perguntaram se inventei a história toda. Não, ela existe, se chama Gabriela se veste de palhaço pra alegrar as crianças, e, por isso, deve saber o que vem depois do boi. Além do mais, vários destes leitores escreveram para dizer que são o décimo quinto leitor. Foram tantos, que já perdi a conta de quem é quem. Suponho que já devo ter bem uns 25, sem contar a carta da professora Ivonete, da Escola de Educação Básica Governador Celso Ramos, de Joaçaba, avisando que agora não são mais quatorze, mas muitos. Decerto que tenho que parar com essa brincadeira e aceitar tamanha responsabilidade.

Falar em responsabilidade, sei que jornal é coisa séria, tem que ter notícia e informação. Afinal, golpistas militares depuseram o presidente eleito, a Austrália sofreu uma invasão de areia, direitistas norte-americanos vão às ruas porque Barack Obama quer investir em saúde, o Correio está em greve, os congressistas votaram pela ampliação do número de vereadores, a violência aumenta cada vez mais, e eu aqui preocupado porque não sei o que vem depois do boi. Meus inestimáveis e agora incontáveis leitores, afinal, o que vem depois do boi?

Diário Catarinense, 26 de setembro de 2009

19 de setembro de 2009

Uma caixa com uma carta dentro

Depois de falar durante quase duas horas, num pavilhão cheio de gente, e de comandar um palco maior que ela, como se o palco fosse dela, G. se aproximou e pediu pra tirar uma foto comigo. Se ela não pedisse, eu mesmo pediria. Nunca sei o quanto alguém me quer próximo, principalmente quando eu mesmo quero estar. E quando a maioria das pessoas foi embora, ela me deu um embrulho. Era uma caixa de madeira, pintada de azul, ainda com cheiro de verniz. Na tampa, uma ilustração com a metade de um relógio (lembrei que alguém havia comentado sobre o tempo, talvez ela?), um jogo de dados (jamais abolirá o acaso?), um óculos redondo e um recorte ilegível de jornal.

Abri a caixa, e dentro havia um cachimbo e uma carta manuscrita, que dizia, numa letra de forma, sem disfarçar palavras rabiscadas, e sobrepostas por algum arrependimento gramatical, textualmente assim:

“Já estou explicando que não farei uma boa carta a você, com vírgulas e pontos no lugar certo, mas por favor entenda e leia até o fim, ou não. Esta caixa fui eu quem fiz, nos últimos dias. Desculpa o cheiro de verniz. Ela é muito simples, mas mais ainda é o cachimbo que encontrou. Pois bem, em Joaçaba estas coisas são extintas, e eu não entendo nada. Olhei para esse, entre as poucas opções (o cara me disse que é caboclo) e resolvi comprar. Ele é bem estranho, mas faça o que estiver com vontade. Já errei várias vezes por aqui, mas não tenho mais folhas. Daqui a pouco você estará aqui nesse pavilhão. Nada disso importa. Eu só fiquei muito bem quando comecei a ler algumas crônicas suas. Quando eu estava em meio às garotas, me sentia torturada, pois todas sabiam as faculdades, os cursos e tudo mais. Eu não. Você não deve ter muito tempo para ler cartas de uma aluna que quer agradecer você. Isso parece extremamente ridículo, mas já foi. Que você seja novo mesmo quando o tempo passar, e que eu possa ler suas crônicas quando me sentir insegura do meu destino, rumo a sei lá. Obrigada, G.”.

Depois disso, desapareceu, sem dizer o nome além do enigmático G. Obrigado eu, senhorita G., você nem faz ideia do quanto essa caixa com uma carta dentro mexeu comigo, e por isso a divido agora com meus 14 fiéis leitores.

Publicado originalmente no Diário Catarinense, 19 de setembro de 2009.

12 de setembro de 2009

Contra a censura na internet

Alguns políticos ainda são enormes dinossauros, comprometidos apenas com sua manutenção no poder. Nessa semana, o Senado colocou em votação uma proposta para lá de inaceitável. O texto base da (mais uma) reforma eleitoral pretende usar a censura, que a lei eleitoral já exerce sobre os jornais impressos e sobre as emissoras de televisão, também na Internet.

Já faz tempo que eu não assisto tevê, com exceção de uma ou outra partida de futebol. Mesmo assim, sempre achei um absurdo o horário eleitoral gratuito. Do mesmo modo que é insensato e inconstitucional a censura na mídia impressa durante as eleições. Mas boa parte da reeleição de uma porção de gente sem nenhum compromisso coletivo e com a democracia só acontece por causa dessa parte abominável da lei eleitoral. Se os jornais e tevês fossem livres, muitos destes dinossauros não teriam sido reeleitos.

E pelo jeito, os autores da proposta desconhecem a Internet. Primeiro porque, ao contrário das outras mídias, ela é gratuita. Segundo, porque é o mais democrático dos meios de comunicação. Qualquer cidadão que tenha acesso a computador e à Internet pode ter um blogue, uma página pessoal em qualquer sítio de relacionamento, no Twitter, ou postar seus vídeos no Youtube. E, por último, como a Justiça Eleitoral vai fiscalizar, que seja, o Orkut de um garoto que pensar que o prefeito é um péssimo administrador, por exemplo, e quer manifestar essa opinião? Além do mais, a Constituição é bem clara, em seu artigo 220, parágrafo segundo, que diz: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Mais claro impossível.

Fico admiradíssimo que ainda tenha político com projetos de lei que, a priori, já nascem ilegais. A discussão voltará à Câmara e deve ser votada antes do dia 30 de setembro, para que tenha validade para a próxima eleição. Se não retirarem a parte que proíbe, na Internet, opiniões ou “tratamento privilegiado” a qualquer candidato, é porque a insanidade tomou conta geral dos dinossauros. Mas o pior mesmo é que uma lei como essa pode ser apenas o começo de uma censura muito maior à rede. E é isto o que os dinossauros mais querem.

Publicado originalmente no Diário Catarinense, 12 de setembro de 2009.

5 de setembro de 2009

Educação para o mercado

As políticas públicas para a educação no Brasil são as piores do mundo. Depois da sacanagem que foi o golpe militar, financiado pelo governo norte-americano, baseado numa política expansionista, neocolonial e, por isso, usurpadora, tudo piorou. No pacote ditatorial veio uma reforma educacional que detonou com as políticas públicas de educação, que, no Brasil dos anos de 1950 ainda eram decentes. A escola pública sempre foi melhor, porque a elite acreditava nela. Só ia para a escola privada o filhinho de papai que se dava mal nas provas.

O golpe militar também implantou uma ideologia tacanha, tirando dos cursos básicos o ensino da filosofia e de outras cadeiras das humanas, privilegiando o tecnicismo com vistas exclusivamente ao mercado de trabalho. A lógica capitalista não precisa de gente que pensa, apenas que trabalhe.

Sendo assim, a reforma do ensino implantou no currículo a educação religiosa (que, no caso, se baseava no ensino dos fundamentos apenas da Igreja Católica, aliada ao golpe), o ensino de moral e cívica (sem nenhuma proposição dialética) e a iniciação para o trabalho. Adeus pensar, viva a lavagem cerebral, esta era a ideia. O pior é que, mesmo com o fim da ditadura, e vivendo hoje num país que se diz democrático, o ensino ainda é excludente, e o que é pior, reacionário, autoritário e formador apenas de mão de obra, não de pensadores e críticos.

O costariquenho Vernor Muñoz Villalobos, relator especial da ONU pelo direito à educação, disse textualmente que a educação está em crise, e faz uma avaliação estarrecedora, ainda que óbvia, se prestássemos mais atenção nos detalhes da história. Ele diz: “A educação como sistema surgiu no mesmo momento em que apareceram o sistema penitenciário, as fábricas e os hospitais psiquiátricos. Isso quer dizer que as escolas foram pensadas como uma forma para disciplinar a mão de obra para o mercado”.

O pior não é constatar isso, pior mesmo é perceber que as empresas, os políticos, os professores, e, por que não, os próprios estudantes, estão com a cabeça tão bem feita desde o golpe militar, que acham que deve ser assim mesmo. Tanto que as escolas privadas já chamam seus alunos de clientes e todos acham normal. Educação não pode ser tratada como negócio, mas, infelizmente, cada vez mais é pensada desse modo.

29 de agosto de 2009

O cheiro das coisas

Coisas, pessoas, épocas, lugares, roupas, fatos, situações, tudo isso tem cheiro. O cheiro que as coisas têm é a máquina do tempo, mas com rumo apenas na direção do passado. Comecei a fumar aos 14 anos, em uma época que por esta idade os meninos já eram mais homens do que são hoje. Aos 11, eu pegava ônibus sozinho, com dinheiro no bolso e contas para pagar, numa cidade que já era metrópole em 1973. E eu lembro bem do cheiro de Curitiba, do cheiro da fumaça da oficina mecânica da Marechal Deodoro, onde, na hora do lanche, comíamos sanduíche de pão d’água com mortadela e tomávamos coca-cola de garrafinha. Não tomo mais coca-cola, mas basta sentir o cheiro, que é como se eu me transportasse para aquela oficina, naquela cidade.

A fumaça, até uns 11 anos atrás, quando deixei de fumar cigarros, durante muito tempo ocultou de mim estes cheiros. Quando abandonei o cigarro, voltei a Lages, onde nasci, e senti o cheiro da minha infância. O cheiro sempre esteve lá, meu nariz é que estava encoberto pelo odor da nicotina.

Alguns cheiros, mesmo sem cigarros, se perderam para sempre. Por mais que o cheiro do bebê da Ana e do Lui, a doce e temporona Júlia, e o cheiro de quando minha afilhada Dandara era bebê, e já é quase adolescente, sejam apenas cheiro de bebê, nenhum era igual ao cheiro do meu bebê.

O cheiro da cerveja escura que lembra café e chocolate, do brandy no inverno, da fumaça da chaminé do forno à lenha da pizzaria aqui ao lado, que anuncia todos os dias o cheiro da lenha; o cheiro do tabaco, do café quente, dos livros assim que chegam da gráfica, mas também o cheiro da biblioteca e seu pouco de mofo; o cheiro da mata quase extinta; o cheiro de um casaco de lã abandonado, o cheiro de um molho pesto no talharim fresco que acabo de fazer e comer; o cheiro de uma Ilha coberta por aterros por causa do cheiro do dinheiro, que atrai tanta gente; o cheiro do churrasquinho de gato dos jogos de domingo do Internacional de Lages, onde, sem dinheiro para o ingresso, pulávamos o baixo muro. Se palavra tivesse cheiro, a que se pareceria o cheiro da espera? O cheiro faz lembrar, o cheiro faz esquecer, o cheiro, no final das contas, é o que decide.

Publicado originalmente no Diário Catarinense, 29 de agosto de 2009

22 de agosto de 2009

Entre aqui para ler a resenha do livro Os melhores poemas de Lindolf Bell, publicada hoje no Diário Catarinense. Abaixo, alguns videos para ver o poeta declamando.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...