20 de março de 2010

Ilha dos Aterros, 284

A Ilha de Nossa Senhora dos Aterros comemora 284 anos e está se transformando numa metrópole cada vez mais feia. Não adianta dizer que estamos cercados por não sei quantas praias e isso e aquilo, porque pelo ritmo da especulação imobiliária e da quantidade de automóveis cadastrados diariamente, não vai sobrar praia com água própria para o banho.

Além do mais, temos um espaço urbano tenebroso. Não há um único prédio construído após os anos de 1970 (e isso já são mais de 40 anos) que alguém com uma câmara tenha vontade de fotografar. O pouco que sobrou de patrimônio histórico, os empresários da construção civil (que não gostam de arquitetura, pelo jeito), os últimos prefeitos, as últimas legislaturas, os comerciantes, e, enfim, o próprio povo, não faz nenhuma questão de manter.

A Ilha dos Aterros tem uma das elites mais ignorantes do Brasil. Basta olhar em volta. Dê um passeio pelo centro, olhe atentamente. Foram capazes de construir um enorme merdário na entrada da cidade. Olhem bem aquela estátua da Polícia Militar (nada contra a instituição). É uma das coisas mais fora de qualquer conhecimento sobre história da arte, arte pública ou estética que alguém já pode ter concebido. Por que está lá? Reparem nos azulejinhos extemporâneos dos prédios, nas fachadas, e no modo como gulosamente os terrenos são ocupados.

E de onde vem esse mau gosto, essa cafonice toda? Da elite, é óbvio. Uma elite que não tem bibliotecas em casa, que não vai ao cinema, que só vai ao teatro quando tem um ator famoso. E quando vai, é só pra tirar fotografia ao lado da celebridade e mandar fazer um quadro pra pendurar na parede da sala. Como essa elite pode ter alguma noção estética, de comprometimento com mobilidade, distribuição de renda, educação pública de qualidade, noção mínima de políticas públicas para a cultura, se tudo o que conhece é apenas o que vê na televisão?

Em breve, será votado o novo Plano Diretor da cidade. E pelo que pude perceber até agora, não fomos capazes de planejar uma cidade minimamente flanável. Parabéns, Ilha dos Aterros. Adoro morar aqui porque meus amigos estão aqui. Mas que é duro conviver com essa elite ignorante, ah, isso é.

13 de março de 2010

Sobre o direito de dizer

Nessa semana, Alexandre Nodari, doutorando em Teoria Literária e blogueiro, como ele mesmo se define, publicou no seu blogue Cultura e Barbárie excelente artigo chamado A dimensão formal do Direito. Ele questionou o motivo pelo qual os ministros do Supremo Tribunal Federal não deram voz de prisão ao senador Demóstenes Torres, apesar de ele ter cometido “crime de racismo”. Segundo Nodari, o problema está na dimensão formal do Direito. Não importa o crime, segundo o blogueiro, mas sim o modo como ele se deu, ou a forma como as palavras “racistas” foram ditas, no que concordo. Tudo está na forma. Existem duas formas de dominação. Uma pela força, outra pelo convencimento, e este é feito com palavras.

Mas o artigo de Nodari me fez pensar numa questão que me incomoda faz tempo, que é a ideia de “crime de racismo”. Independentemente se o senador cometeu ou não, não seria ela contraditória à liberdade de expressão? Não vejo como problema jurídico o fato de alguém dizer bobagens. Do mesmo modo, palavras como “honra” numa me disseram nada. A justiça brasileira perde muito tempo e dinheiro julgando ações por danos morais, como aconteceu outro dia, quando o publicitário Nizan Guanaes criticou o cantor Bell Marques, líder de um dos milhares de grupos de axé da Bahia. Bell processou Nizan por danos morais apenas por criticá-lo em público. Ora, e quem vai processar o cantor pelas bobagens que ele canta? Eu é que não. Está no direito dele, e azar de quem o consome. Proibir o “outro” agora é o mesmo que proibir a si mesmo no futuro.

Essa proliferação de ações pelo que o “outro” diz pode criar jurisprudência contra a liberdade de expressão. E quando o Direito atinge esse ponto fundamental da democracia, que é o direito do outro dizer o que bem entender, não estaríamos perdidos, confundindo as coisas, e abandonando a própria ideia do Direito?

A criminalização contra a “ofensa” é o reconhecimento dela como uma coisa importante. Pensei tudo isso porque não considero “honra” ou “ofensa” como coisas importantes. Eu jamais ficaria ofendido em ser chamado de qualquer coisa. Nessas horas, dou uma risadinha e viro as costas. Mas talvez eu apenas esteja pensado em voz alta mesmo.

Publicado originalmente no Diário Catarinense, de 13 de março de 2010

6 de março de 2010

Animais políticos

A ausência de uma formação histórica consistente é o que provoca a apatia política. Se bem que é uma suposta apatia, porque toda vez que um cidadão diz que não gosta de política, ou que não se interessa por ela, está querendo dizer que não gosta de si mesmo. Aristóteles, há mais de 2.300 anos, escreveu que somos animais políticos. Se concordarmos com ele, significa que não há como escapar dela ou de si mesmo. Das nossas ideias, passando pelo nosso discurso, até nossos atos, e o modo como fazemos um se transformar no outro, tudo é política. A falta desse conhecimento de si mesmo e do significado de política é a responsável pela eleição e manutenção no poder de cidadãos cada vez mais babacas e corruptos.

Digo cidadão, porque ao chamar o vereador, o prefeito ou o deputado de político, estou tirando de mim mesmo a condição de político que não se pode tirar, se mantivermos ainda a máxima aristoteliana. Estes caras todos que ocupam os poderes estão pelo voto. Antes de serem políticos como nós todos, têm outras profissões. Estão ali provisoriamente, porque pela mesma falta de formação, de educação, de conhecimento histórico, uma maioria de 50% mais um assim o quis.

Ausentar-se do debate, opinar sem conhecimento histórico, não levar em conta as nuanças da situação, não sequer ter lido um livro na vida não faz um cidadão ser melhor do que outro. A qualidade de uma democracia é proporcional à qualidade da educação de um povo. Se existem representantes imbecis no poder público, me parece óbvio, segundo essa lógica, que somos igualmente imbecis.

Por isso, sou contra o voto obrigatório. Aliás, sou contra qualquer tipo de obrigação, porque política é também desejo. A negação da política continua sendo um ato político, e é natural que se permita a sua própria negação dentro das regras democráticas.

Apenas com uma altíssima formação, com profundo conhecimento histórico é que será possível, um dia, termos representantes com espírito público. Enquanto isso, nos contentamos com o que somos: um país de semianalfabetos políticos, que mal sabe que não há como fugir da política. Basta acordar, abrir os olhos e dizer “bom dia”, que os animais que somos estaremos fazendo política. Ter essa consciência é o primeiro passo para expulsar os babacas do poder.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...