30 de junho de 2012

NÃO HÁ DEMOCRACIA SEM INCLUSÃO

          No vizinho Paraguai, onde seus habitantes foram massacrados por brasileiros, argentinos e uruguaios no fim do século 19 (numa guerra financiada pelos colonizadores ingleses), 77% do território pertence a apenas 1% da população. Isso mesmo. Fico triste em pensar que para a maioria da população brasileira isso seja considerado normal, até porque (e disso poucos brasileiros sabem), um único proprietário de terras no Brasil possui um “punhadinho” equivalente a quase três vezes o estado de Santa Catarina. Só um grande analfabeto político – propositadamente ou por ignorância (caso da maioria) – poderia pensar que isso pode ser correto. Não pode haver democracia com esse imenso e desproporcional acúmulo de capital em detrimento de uma enorme e quase absoluta maioria de desvalidos, pobres, famintos e analfabetos.
          Pois bem, no quintal vizinho, como eu estava dizendo, esse percentual desigual de terra pertence à elite que se locupletou com a guerra e ficou no poder durante quase cem anos. Há pouco tempo, a população acordou e, democraticamente, elegeu Fernando Lugo para presidente. Ex-bispo da Igreja Católica, Lugo optou por um verbo que liberais e o tal “setor produtivo” detestam: incluir. Lugo, assim como qualquer pessoa com um mínimo de discernimento, sabe que não há democracia sem inclusão. Resolveu então apoiar os que não têm terra, ou seja, os outros 99% da população, que, pelas contas, seriam donas de apenas 23% do território.
          É assim a democracia na América Latina, sempre refém de uma minoria que tem muito, contra a maioria que não tem nada. Não é por outro motivo que políticos latino-americanos fogem tal qual o diabo da cruz quando se fala em educação e cultura. É muito mais fácil gastar com asfalto, túneis, viadutos, conceder licenças absurdas para a iniciativa privada encher nossa cabeça de prédios medonhos do que distribuir a riqueza para educar, instruir, alimentar, e, o mais importante, incluir.
O presidente paraguaio não foi tirado sumariamente do poder porque era considerado safado, ladrão ou coisa que o valha. O motivo principal foi exatamente dar ouvidos àqueles que não tinham terra. O mais cruel disso tudo é que Lugo foi expulso do cargo por apoiar 99% da população. E esta mesma população só não ser rebela porque é incapaz, tal e qual no Brasil, de compreender o real sentido da democracia, e de que está sendo roubada cotidianamente pela minoria que detém o poder há tantos anos.
          No Brasil, por exemplo, a classe média é tão ignorante que aceita pagar duas vezes para educar seus filhos, para ter saúde, segurança, transporte e cultura. A primeira quando paga seus impostos (muitas vezes cobrado direto do seu salário ou da comida que compra), que deveriam ser investidos (é o que diz a Constituição) justamente para educar, sanar, segurar e alimentar seu povo, e a segunda vez quando contrata serviços privados para obter o que já é de direito quando paga seus impostos. Se esta “bondade” do povo com os governos não se chama ignorância, honestamente, não sei mais o que possa ser. Meu medo é que o tal “setor produtivo” brasileiro, o mesmo que decidiu mudar o Código Florestal visando apenas seus interesses, reaja como os golpistas paraguaios (que na terça-feira vieram ao Brasil pedir apoio da bancada ruralista). Pior ainda, reaja do modo como reagiu nos anos 60 quando, pelos mesmos motivos, depuseram (na maior cara de pau e com apoio dos Estados Unidos) o presidente João Goulart, instalando uma ditadura longa e devastadora para a educação, à cultura e à inteligência dos brasileiros.

ALÉM DO MAIS...
DEMOCRACIA DA MOBILIDADE
          Falando em América Latina, li uma entrevista com o colombiano Henrique Peñarosa, ex-prefeito de Bogotá, entre 1998 e 2001, que dá inveja por ele não poder ser prefeito aqui da Ilha de Nossa Senhora dos Aterros. Digo isso, porque os últimos prefeitos e o atual são incapazes de compreender o que significa democracia e mobilidade, porque tem mais o perfil dos golpistas paraguaios do que políticos com vontade democrática e de incluir.
           A ideia central de Peñarosa no que diz respeito à democracia para a mobilidade tem um pressuposto jurídico e constitucional o qual somente com educação e cultura é possível compreender. Para ele, se o princípio básico da constituição é que todos sejam iguais perante a lei, seria lógico que cem pessoas em um ônibus teriam cem vezes mais direito do que uma pessoa dentro de um automóvel. Mas não é o que acontece.
           Uma cidade inteligente, para Peñarosa, não é aquela em que os pobres podem andar de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público. Para isso, é preciso dificultar o uso do automóvel nas grande cidades, seja reduzindo vagas (aqui na Ilha o poder público concede licença para construir gagarens em pleno centro histórico), seja investindo pesadamente em transporte público confortável e gratuito, seja construindo parques por onde possam ser instaladas ciclovias seguras. O problema é que estas medidas seriam consideradas um atentado à elite econômica. A mesma elite que dá golpes em cima de golpes para valer apenas os seus direitos de minoria, só porque tem grana  e em nome de uma "produtividade" quase sempre injusta, cruel, desumana. 

Publicado originalmente no Diário Catarinense, 30 de junho de 2012.
         

2 de junho de 2012

ESPAÇOS PÚBLICOS, EXPLORAÇÕES PRIVADAS

             Em todo lugar, país, cidade, estado ou até mesmo uma vila, pessoas são historicamente solicitadas (às vezes obrigadas) a mudar seu modo de vida. Os motivos, os mais variáveis, desde questões políticas, econômicas, sociais, desastres naturais, epidemias, violência generalizada, descrenças, guerras, poluição, até culturais. Afinal, o que nos difere dos outros animais é a cultura. Um dos paradoxos da vida nas cidades é que mudar uma sociedade para melhor, muitas vezes depende de pouca gente. Um empresário que vive da especulação do espaço urbano, por exemplo,  que nunca abriu um livro de filosofia ou um político que odeia arte (bastante comum em Santa Catarina) são incapazes de compreender (ou não desejam) que o prédio que pretendem construir ou conceder licença interferirá para sempre na paisagem urbana da cidade em que mora. Eles resistem às mudanças, não aceitando que suas ideias de arquitetura e de ocupação não podem ser maiores que o desejo de todas as outras pessoas que moram na mesma cidade. Por isso é que existe tombamento de patrimônio cultural e histórico, porque a paisagem urbana não pertence aos indivíduos, mas sim a todo o conjunto da população. O privado não pode tudo, até mesmo no país considerado como sendo o mais liberal de todos, os Estados Unidos.
             As leis, principalmente no Brasil, sempre foram feitas da elite para a elite. Em Santa Catarina a elite ainda é muito pior que a do resto do País. Afinal, partiu de um ex-governador do Estado a ideia de reformar para pior o Código Florestal Brasileiro. Parece até que fez por birra e vingança porque, não conseguindo mudar a legislação estadual quando governava o Estado, por ser atrelada à lei federal, quis, quando senador, mudar o país para tentar mudar o estado que governava. É uma situação par e par com o especulador urbano, típica de uma elite que, se pudesse, ou se o mundo não tivesse mudado tanto, não acharia nem um pouco aterrador manter um escravo em sua casa em nome da “produtividade” e da “força produtiva”.
            Neste mesmo processo de necessidade de mudança radical, todo mundo está cansado de saber que não é mais possível conviver com a degradação urbana e ambiental de modo geral. E as elites, inclusive na hora da escolha deste ou daquele candidato e na parceria maléfica, à maioria, com os financiadores privados das campanhas (sempre com alguma moeda de troca), são sempre as últimas a resistir a mudanças. Mudar significa para eles deixar de ganhar o seu. À elite que não se importa com o bem coletivo a ideia de mudança sempre é desesperadora.
           As mudanças necessárias mais radicais (no movimento de ir às raízes) hoje têm a ver com a paisagem urbana e com o meio ambiente. Políticos e empresários adoram o discurso do reciclável, porque não mexe necessariamente no bolso deles. Ainda por cima os qualifica diante da comunidade, mas oculta a real solução (que aí sim mexeria com seus bolsos) que seria a de reduzir ao máximo os níveis de produção – e a conseqüente exploração irracional dos recursos naturais – e de consumo. Qualquer estudante sabe que os recursos são esgotáveis e que o lixo é o hoje um dos grandes problemas ambientais. Reciclar é necessário, mas mudar os padrões de produção e consumo é emergencial. Afinal, produtos recicláveis também vão para o lixo, e mais rápido do que pensamos. Ambientalistas calculam que em menos de seis meses um produto reciclado também estará nos aterros sanitários.
           Portanto, o discurso das “classes produtivas” tem que mudar. Mas para isso, é preciso que a população compreenda – e pressione para as mudanças (e não é assistindo tevê ou indo ao centro de compras que compreenderá) – que a exploração dos recursos naturais não pode ser objeto de lucro pessoal ou empresarial, porque é justamente um dos princípios da geração da abissal e desproporcional distribuição de riquezas existente hoje no País. E mudar, nesse caso, é começar a rejeitar a crença de que precisamos de tudo o que a indústria pode produzir, de que precisamos mais carros, mais televisores, mais plásticos, mais isso e aquilo. O segundo passo é estar atento à exploração privada dos recursos naturais, que são bens públicos.


ALÉM DO MAIS - A PONTA DO CORAL

           E por falar em bem público, em qualquer outra cidade do mundo, onde não houvesse uma elite tão iletrada quanto a que vive na Ilha de Nossa Senhora dos Aterros, a Ponta do Coral – motivo de disputa entre o povo e um especulador urbano – já teria há muito tempo um grande museu de arte público, uma enorme biblioteca, um parque arborizado, um pequeno teatro e uma livraria aberta 24 horas por dia. Nessa mesma cidade letrada que sonhamos, o discurso do especulador e de boa parte da população desinformada de que o local vive sujo e abandonado não seria aceito. Principalmente porque em cidades bem cuidadas, o prefeito já teria solicitado, ao que se supõe proprietário, formalmente a limpeza do terreno. Em algumas cidades, o abandono e a sujeira são passíveis, inclusive, de desapropriação compulsória.
          O que não pode é o suposto proprietário usar a suposta sujeira e abandono, que ele mesmo mantém, como álibi da crença de que apenas um hotel manterá a assepsia do lugar. Aliás, é comum isso na Ilha. Existem vários imóveis tombados abandonados pelos seus donos aguardando que eles tombem de verdade para vender aos especuladores. Um prefeito inteligente teria mandado limpar a casa, o terreno, e tirar os tapumes, que sequer permitem a um cidadão caminhar na calçada que, se o prefeito ainda não aprendeu, é pública. E se fosse uma cidade mais letrada ainda, estes imóveis já teriam sido desapropriados e se transformados em espaços públicos. Mas eu esqueço que não estamos ainda em uma cidade assim. Quem sabe, um dia...

Publicado originalmente no Diário Catarinense, 2 de jungo de 2012

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...