Tropa de Elite
O filme Tropa de Elite, de José Padilha, tem suscitado debates interessantes e de variados matizes, sempre caros à sociedade. O primeiro refere-se ao próprio filme, sua concepção estética, e a velha dicotomia realidade versus ficção. O segundo, sobre o abandono por parte do Estado de uma parcela enorme da população, a mais pobre, que paga impostos sem nem mesmo ter como sonegá-los, como faz grande parte da elite. O terceiro, sobre a violência. Talvez não seja demais dizer - ainda que todos digam reconhecer - que os três temas estão ligados intimamente.
Sobre o primeiro aspecto, o filme, possivelmente, será o de maior bilheteria da história do cinema nacional. Não porque tenha renovado a linguagem, ou porque seja original. Características, aliás, que nunca levaram muita gente ao cinema. Pelo contrário, é muito bem fotografado, com uma história bem contada, e uma forma de filmar do cinemão norte-americano, do qual todos nós fomos bem-educados para compreendê-lo, com seus cortes rápidos, narrativa ágil e sem muita conversa comprida. Mas o que confunde muita gente, e que tem a ver com o cinema e suas idiossincrasias, e muito menos com a chamada "vida real", é a tendência a pautar a vida como se fosse a arte ou vice-versa. É dessa premissa que surge a identificação de grande parte da população que assistiu ao filme com o personagem Nascimento e seus métodos nada legais. E como o filme trata de um assunto caríssimo e insolúvel à sociedade, talvez a única forma de fazê-lo tão popular seja mesmo usar uma forma de filmar já conhecida de todos.
O segundo aspecto é a sensação cada vez maior de que o estado existe para socializar o prejuízo e privatizar o lucro. Com forte teor moral e religioso, ainda que a Constituição afirme sua laicidade, o debate sobre uso ou não de drogas passa, infelizmente, por estas convicções. Um estado laico levaria em conta, em primeiro lugar, o direito do indivíduo de se mutilar da forma como bem entender, e não colocaria na pauta da discussão as carolices de uma sociedade que ainda acredita que usar drogas é caso moral ou de polícia, e não de saúde, como deveria ser tratado. Como afirma Durkheim, em Ética e Sociologia da Moral: "Todas as grandes verdades morais correspondem a verdades econômicas". Só não vê quem não quer.
O terceiro aspecto atinge um ponto crucial da vida coletiva: a generalização da violência. Nesse caso, sem ter que entrar em questões antropológicas e históricas, pelo reduzido espaço, falo da violência ligada ao tráfico de drogas. Por este aspecto, o filme ganha, e muito, porque foge do estereótipo do cinemão, onde é normal a criação de personagens maniqueístas. Em Tropa de Elite não existem figuras boas e más, todos têm culpa no cartório, desde o estado, passando pelo policial corrupto, o traficante sem escrúpulos e violento (mesmo que a Lei de Newton diga que para cada ação existe uma reação), pela elite que usa drogas, alimentando o tráfico, e por nós, cidadãos, que não temos formação suficiente para propor mudanças paradigmáticas radicais. Enfim, um moto-perpétuo social e sem solução. Aliás, o próprio Padilha afirmou que pretendeu apenas mostrar relações de causa e efeito, sem culpar ninguém.
Porém, se o filme pretendeu colocar na berlinda um assunto necessário, e por isso abdicou (de forma inteligente) de uma opção mais antenada com a história das vanguardas cinematográficas, pecou por não dar defesa inteligente às personagens da elite. Toda vez que alguém as culpa por fomentar o comércio de drogas falta um contraponto (se para todas as outras personagens há esse contraponto), que deveria dizer sobre o seu direito de usar drogas, porque, afinal de contas, por que pode fumar cigarro, beber cachaça e não pode usar maconha? Se existem tantos médicos, professores, advogados, jornalistas, deputados, juízes e empresários que fumam maconha e cheiram cocaína, por que seu uso ainda é proibido? Não é hipocrisia social isso?
O velho argumento de que o uso de droga gera violência, ao que parece, já caiu por terra. O que pode ser mais violento do que a atual brutalidade do tráfico e sua repressão? A solução mais inteligente é liberar de vez o uso, como foi feito com o álcool, o cigarro, o automóvel a mais de cem quilômetros por hora, as armas e a burrice. Aliás, a burrice é a grande geradora de violência, e ela está, como a maconha, nas escolas , nos tribunais, nas ruas, e tem cada vez mais viciados. Como diz Tom Zé: "A burrice, todos os dias, do Oiapoque ao Chuí, já é gloriosamente festejada".
Sei que não era propósito do filme tocar no assunto "liberação", e talvez o suscite sutilmente. O filme quis fazer uma biografia do Batalhão de Operações Especiais da PM.
Um comentário:
fábio, bem legal teu texto.
eu só vi a versão pirata do filme.
achei q grande parte da crítica se equivocou quando passou a criticar não o filme mas a possível "recepção" feita pelo grande público. a crítica tava mais preocupada com como o público interpretaria o filme do que com o filme em si.
valeu!
abrações
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