Para que serve o cronista?
A primeira resposta, pragmática, avisa que no jornal impresso não cabe mais o furo, e que por isso o leitor precisa mais da opinião sobre o fato do que sobre o fato em si. Os acontecimentos, não todos, apenas aqueles a que chamamos notícia, estão antes na internet e na televisão. Sobrou ao jornal impresso a opinião. Por vários motivos, entre eles: pouca gente sabe ler, tem tempo pra ler, gosta de ler, tem grana para comprar jornal (mesmo custando apenas R$ 2), a leitura é uma atividade restrita à maioria da população brasileira. O que sobra, uma espécie de elite leitora, quer opinião, imagino, porque já teve a notícia antes.
Mas será que vale essa primeira resposta? Afinal, antes da tevê e da internet já existiam os cronistas. Sinal, talvez, de que o leitor não se contenta apenas com o fatos. Mas houve um período, do final dos anos 80 do século passado, até o final dos 90, que os jornais impressos ainda guardavam a crença na notícia. Hoje, eles se diferenciam apenas pelas matérias investigativas financiadas pelo próprio veículo e pelos seus formadores de opinião. A notícia hoje chega aos jornais. Houve uma época em que os jornais procuravam por elas.
Mas o cronista, independentemente dessas transformações, continua a falar de si mesmo sem a menor cerimônia, como se sua vida fosse exemplar e especial. E não é, sabemos disso. Mas o leitor escreve dizendo que gosta (ou não gosta) tanto daquela lamúria melancólica, da história da mãe, da viagem com a filha, quanto da crítica aos costumes e aos idiotas no plantão dos governos. Seria o modo, a linguagem (onde, talvez, a crônica se aproxime um pouco da literatura, ainda que nunca venha a sequer encostar nela) com a qual o cronista comenta que interessa? Seria o acontecimento? Seria, ainda, a curiosidade do leitor sobre a vida do cronista? Seria nada disso?
Ainda que não saiba para que serve, o cronista segue com suas idiossincrasias, cata vocábulos, reinventa a língua, envia mensagens subliminares à mulher que não gosta dos prelúdios, se espelha, aguarda, crê em mudanças, enfim, de um modo ou de outro quer agradar o leitor. Mas, espera aí, pergunta o cronista. Afinal, quem é o leitor? Ele tem matizes de compreensão, de gosto, temas e tem uma extensão vocabular alheia ao cronista. Ainda que o leitor seja múltiplo, que leia apenas o que lhe interessa, que cata notas aqui e ali para avalizar sua própria opinião, que procura polêmicas, dissidências, recorta e cola pedaços de jornal numa pasta preta, fica enfurecido com algo sobre o qual discorda, passa pelo cronista na calçada e diz: continue assim, meu filho. Enfim, o leitor, como conjunto, não existe, mas é para ele que o cronista escreve, criando uma relação um tanto esquizofrênica, de culpa, cobrança, encantamento e crédito. Uma relação de alguém que não sabe para que veio ao mundo com aquele que não existe como unidade, ainda que seja escrito no singular: o leitor.
De qualquer modo, me orgulho dos meus oito (sim, outro dia alguém confessou timidamente ser o oitavo). Faça frio ou sol, seja contra ou a favor, sempre escreve ao cronista para agradecer, reclamar, elogiar, ou apenas para dizer que naquele dia ele não estava lá muito inspirado. Chego ao fim sem responder para que serve o cronista, mas talvez compreenda a fundamental existência do texto lírico-crítico no universo estranho, violento, às vezes doce, importante, noutras melancólico em que vivemos nas páginas do jornal impresso. Fica a pergunta: quem é o leitor?