12 de janeiro de 2008

O mundo alheio

Filósofos, no mundo dos gregos, eram mais do que pensadores. Eles praticavam medicina, toda sorte de experimentos científicos, escreviam a saga de sua geração, contavam a quantidade de planetas e astros, inventavam fórmulas matemáticas para explicar ou pensar o mundo, enfim, possuíam uma formação eclética e heterogênea.

Não é à toa que ainda dependemos muito de suas primeiras investigações.

Hoje, pais, tios e professores, desde a primeira infância, perguntam à criança, coitadinha, o que será quando crescer. Ela não pode querer ser bombeiro ou motorista de táxi, porque isso não dá dinheiro nem orgulho na hora do pai ou a mãe contar ao vizinho, como se ninguém no mundo precisasse de bombeiros ou condutores. Mas alguma coisa a criança tem que responder. E quando fala médico, advogado ou engenheiro, a família ri orgulhosamente alienada.

O objetivo da formação acadêmica hoje é formar sujeitos especialistas. Do cara que saber apertar exclusivamente um parafuso de seis polegadas, porém não consegue compreender o funcionamento daquele de duas polegadas (desculpem pela hipérbole necessária), até o outro que coloca e tira o coração escangalhado de um peito aberto mas não sabe quem escreveu Dom Casmurro, a sociedade hoje é composta de alienados, na expressão cunhada por Marx, porque desconhecem o alheio.

Sabemos muito bem o resultado de uma operação matemática simples, porém, somos incapazes de compreender o quanto talvez seja importante saber um pouco mais (e saber mais às vezes é saber menos) sobre a vida dos macacos. Esses nossos antepassados são capazes de nos mostrar que a espécie humana é mesmo uma evolução (ainda que às vezes "perder" seja evoluir) dos símios. Chimpanzés, quando disputam a liderança de seu grupo, são bem humanos.

Eles sobem nas árvores e distribuem frutos para outros macacos, mas tão logo alcançam a condição de líder abandonam seu altruísmo temporário. Com políticos é a mesma coisa.

A ausência de uma formação mais abrangente tem fabricado seres humanos especialistas notáveis, porém, alheios ao objeto de estudo do outro. Os outros, como escreveu Sartre, são o inferno. Criam-se, assim, linguagens específicas para determinadas tarefas que são incompreendidas por outros profissionais que realizam outras tarefas específicas. A educação moderna está formando cidadãos desinteressados em outros cidadãos que realizem tarefas cujo resultado lhe é útil, porém, não lhe interessa conhecer o processo. Muitos vão ao cinema, mas não sabem como se faz um filme. Sobem e descem elevadores, porém desconhecem seu funcionamento.

Admiram aviões modernos, mas ainda se espantam quando suas rodas levantam do chão.

A alienação é o pior hábito do homo xopins. O destino coletivo depende da partilha do conhecimento individual. Como votar sem conhecer? Como dizer sim sem conhecer? Como negar sem conhecer? Como mudar esse mundinho cada vez mais violento sem perguntar sobre suas causas? E o alheamento, talvez, seja a primeira delas.

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