29 de março de 2008

Quanto vale uma medalha?

Nos anos 50, o exército chinês invadiu as montanhas geladas do Tibete e tomou conta do território simbolicamente mais pacífico do mundo. Fosse eu jogador de qualquer esporte, e talentoso o suficiente para, com minhas pernas, mãos ou braços, ser considerado herói, usaria de toda minha influência para protestar contra o que os chineses fazem há quase 70 anos com o povo tibetano. Não iria para olimpíada coisa nenhuma e ainda falaria muito mal dessa tremenda barbárie. Será que é por isso que os esportistas têm muito mais espaço na grande mídia? Será que é porque não gostam de misturar, segundo eles, esporte com política? Não sabem ainda que viver é um ato político, e que o homem, já disse Aristóteles, é um animal político.

Um dos dirigentes do comitê olímpico, ao explicar o motivo pelo qual o boicote às olimpíadas chinesas não deu certo, disse que governantes dos países é que não aderiram ao protesto. Mas quem vai disputar os cem metros rasos? Quem fará as cestas? Quem driblará? Quem levantará pesos? Os políticos ou os desportistas? Até George W. Bush telefonou para o presidente chinês pedindo consideração com os tibetanos. Mas logo em seguida disse que os Estados Unidos não boicotariam as olimpíadas. Ué, atletas são soldados? Não que eu saiba, mas a maioria se comporta como tal, talvez pelo rigor dos treinamentos, pela disciplina quase militaresca que os impedem de seguir suas próprias vontades. E pos isso fazem o que seus governantes mandam.

Todos sabem o quão impactante seria um enorme boicote por parte dos atletas. Mas teriam que ter, primeiro, igual consciência história, a qual não têm, não por própria deficiência, mas porque os governantes aderem às olimpíadas cientes de que seus atletas não tiveram a educação razoável para ter tal consciência.

Quatro mil soldados norte-americanos foram mortos na guerra contra o Iraque. Da parte dos iraquianos sequer há estatísticas oficias, mais algumas ongs, citadas pelo jornalista Sérgio Dávila, estimam em mais de um milhão de mortos, entre civis e militares. O mesmo Bush, que mandou invadir o Iraque porque havia um ditador, que impõe um boicote econômico a Cuba porque lá há uma ditadura, sequer cogita de fazer o mesmo com a China, que é uma ditadura. O dinheiro tem duas faces, uma cara e uma coroa, mas a política que o ser humano faz - sempre por causa do dinheiro o - essa tem pesos e medidas distintas. É óbvio, nesse caso, que uma guerra ou um boicote contra a China, seja ditadura ou não, seria o desastre absoluto para a economia já frágil dos norte-americanos, por conta também de uma guerra contra um inimigo pobre.

Não há frase mais frágil do que a tão propalada pelos belicistas: "Se queres a paz, te prepara para a guerra". Ainda me espanto como pode alguém ir para uma guerra para defender algo que não tem sequer noção do que seja: uma ideologia? uma grana alta? um território? uma nação? uma religião? não seria o ser humano muito mais importante que essas profissões de fé? Os políticos deveriam treinar mais para correr, saltar, driblar e irem eles mesmos às olimpíadas e às guerras. Os soldados, mais consciência crítica antes de irem a uma guerra que não é deles e nem é por eles, e os atletas deveriam ter mais educação política para compreender que estão competindo por algo muito mais simbólico que uma medalha, e estão defendendo, nesse caso, o indefensável. É simbólico o fato de soldados e atletas ganharem medalhes pelos seus defeitos. Mas diante de tantos mortos, quanto vale, afinal, uma medalha?

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei, Fábio. Preciso e lúcido!
Abs,
Sandrar.

Sandrar disse...

Adorei, Fábio. Preciso e lúcido!
Abs,
Sandrar.

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