Ciceroneando Vanessa
No começo desta semana, ciceroneei a publicitária e roteirista Vanessa, paulistana, que, como tantos, ficou encantada com a Ilha de Nossa Senhora dos Aterros. No primeiro passeio pelo centro histórico, admirou-se com a pouca altura dos prédios antigos (do que ainda resta desse acervo) e com sua singeleza arquitetônica. Passamos pela agência dos Correios, o Palácio Cruz e Sousa, a Catedral em reforma, e pelo pequeno acervo do casario envolto à Praça XV, misto de arquitetura colonial com peças modernistas. Pelas edificações novas, Vanessa não teceu comentários. Foi um silencio simbólico do óbvio. A arquitetura pós anos 1960 não difere em nada de qualquer cidade em qualquer lugar do mundo. Hoje, o que diferencia uma cidade de outra, o que lhe concede charme, o que chama a atenção, o que lhe torna única, é sua diferença arquitetônica e cultural, mais que sua natureza. Veja uma foto do centro de Cingapura e não haverá diferença alguma de Florianópolis.
Depois fomos ao aterro da Baía Sul. Avisei-a com cuidado que tudo aquilo ali, os camelódromos, os vazios, os estacionamentos, os restos de palmeira do projeto de Burle Marx, a distância do mar, o merdário bem na entrada da ponte, um monumento bizarro da maçonaria, a sujeira e o cheiro (misto de maresia e urina), o caixote do centro de eventos, o sambódromo, a vida de costas ao mar, tudo mesmo, um dia havia sido mar.
Ela quase não acreditou, e disse que a idéia de pisar sobre algo tão abandonado lhe dava medo, misturado ainda à idéia de que o mar, talvez um dia, pudesse querer recuperar o que foi seu. Disse a ela que não temesse, porque, infelizmente, a sabedoria humana capaz de fazer parecer terra firme aquilo que um dia foi líquido não é a mesma que fez transformar mar em merda.
Falando nisso, Vanessa contou a história de Tampa, na Flórida, que um dia já foi um pântano. Alguém, talvez seu padrasto com algum sotaque uruguaio, se não estou bem enganado, lhe disse quando ainda era pequena: Olha só, os norte-americanos conseguiram transformar um monte de merda em ouro. No Brasil, disse ele, tudo que é outro eles transformam em merda. A analogia serve para o aterro da Baía Sul.
Daniel é amigo de Vanessa, e paulistano igual. Mora há pouco menos de dois meses no Estreito, onde trabalha. Confidenciou, depois de uma cervejas, que nunca mais quer voltar a São Paulo. Tanto um quanto o outro acham a Ilha dos Aterros uma maravilha, da ponte Hercílio Luz às praias, do aparente sossego ao centro histórico, do silêncio à aparente segurança. Chego a conclusão que a Ilha dos Aterros é uma cidade aparente. Por trás da sua exuberante natureza esconde-se um dos piores índices de saneamento básico entre as capitais brasileiras, oculta-se uma das piores atuações públicas no que diz respeito à cultura. Diante de tanta beleza, vive uma das elites mais bregas do País, incapaz de se ver fora da sua própria ostentação, e que para mantê-la, não se furta de comprar licenças ambientais, subornar funcionários públicos e destruir mangues, poluir mananciais de água, construir prédios sem personalidade, enfim, fazer do que é público sua praia particular.
Esqueci de dizer que antes de tudo, tomamos um chope gelado na Kibelândia. Vanessa olhou para o pouco da lajota histórica que ainda se mantém ali, próximo da casa onde nasceu Victor Meirelles, e disse: que lindo. O resto, eu disse, virou asfalto. Aqui, tudo o que é belo se transforma. Ou em aterro, ou em piche, ou em merda. Vanessa foi embora no dia seguinte, porque tinha que ir. Mas ainda acha a Ilha dos Aterros uma maravilha. Perto de São Paulo, talvez seja. Mas se usarmos isso como consolo, que cidade teremos num futuro bem próximo?
6 comentários:
Sábio Bruggemann
Agora me lembro o que me faz odiar e amar essa cidade ao mesmo tempo...
As mulheres devem sentir inveja da paixão do meu amigo Fábio, por esta cidade maravilhosa.
Lembrando um outro colega de SP, o Alexandre, comento: a teoria darwinista da seleção natural ( e que seleção, eihn!) é comprovada pela exagerada beleza das mulheres, que quase quebraram meu pescoço quando aportartei meu navio nesta ilha e se pudesse completar lembraria que as pessoas ainda podem ser elegantes e educadas, afinal este sotaque não combinada com malandragem.
Ótimo texto!
Te dá medo? A mim dá...
eu não sei se as mulheres eram bonitas, vi duas e eram punk, não faz meu tipo...mas aquela ponte e a praça...lindas.
eu não sei se as mulheres eram bonitas, vi duas e eram punk, não faz meu tipo...mas aquela ponte e a praça...lindas.
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