Uma bomba sobre o Japão
Hoje faz 63 anos que a cidade de Nagasaki foi destruída pela segunda bomba atômica lançada pelos Estados Unidos, matando aproximadamente 74 mil pessoas. Três dias antes, em 6 de agosto, muito cedo, enquanto boa parte da população de outra cidade, Hiroshima, ainda acordava, o presidente norte-americano autorizava o lançamento da primeira bomba, matando 140 mil pessoas. As duas armas acabaram com a vida de 250 mil pessoas, contando os efeitos posteriores da radiação, que mata até hoje.
A crueldade do ataque não tem precedente. Aquelas pessoas que acordavam no Japão naqueles dias não escolheram participar da guerra, apenas nasceram naquele território. Não estavam uniformizadas, nem preparadas para qualquer batalha. Não foi, portanto, um ato de guerra, mas um massacre terrorista. E sendo assim, o maior de toda a história. Alguém foi punido? Não. O presidente norte-americano naquele começo de agosto chamava-se Harry Truman, e, ao que consta, morreu, em 1972, sem nenhum constrangimento por ter sido, possivelmente, o sujeito que mandou matar mais gente na história da humanidade.
É curioso que a imagem mais conhecida dos ataques não tenha sido a de alguém mutilado, carbonizado, ferido que seja, até porque não existem registros do instante, a não ser do alto, e feita pelos próprios terroristas. O governo norte-americano priorizou a divulgação da imagem do vôo do avião B-29, conhecido como a fortaleza voadora. A fotografia imortalizada pelos vencedores, porque é sabido que a escrita da história é contada por eles, é do piloto Paul Tibbets à janela da aeronave batizada de Enola Gay, em homenagem à sua mãe Enola.
Todo o simbolismo do ataque é amenizador. Do nome da mãe no avião, passando pelo adjetivo "alegre", ao "carinhoso" apelido da bomba, "Garotinho", tudo programado para fazer com que ninguém sinta culpa. O navegador do vôo, Theodore van Kirk, disse que levou uma Bíblia no avião, mas que nunca se arrependeu pelo que fez. Teve a desfaçatez de dizer que, se não tivesse feito isso, muita gente morreria. Pelo jeito, para ele, os que morreram nem eram gente. Talvez nunca tenham dito a Kir que a guerra já havia terminado, e que os milhares de japoneses assassinados não eram soldados e não estavam em guerra.
A crueldade não pára por aí. Escolheram Hiroshima e Nagasaki por serem cidades rodeadas de montanha. Este detalhe geográfico, previam os executores da bomba, ampliou os efeitos da destruição. Mais do que uma vingança pelos ataques a Pearl Harbour, pouco mais de três anos antes, e mais do que a tentativa de acabar com uma guerra que já havia terminado, o que os Estados Unidos fizeram foi massacrar da forma mais violenta já vista mais de 250 mil pessoas, cuja única diferença com Paul Tibbets, sua mãe Enola, o navegador Theodore van Kirk e o presidente Truman era os olhos um pouco puxados.
Hoje, apenas três países se recusaram a assinar um tratado para banir de vez do planeta a bomba atômica. Entre eles, os Estados Unidos. A cultura mais do que enraizada de seus cidadãos ainda acredita que Paul Tibets é um herói, só porque fez a homenagem mais imbecil e desumana que alguma mãe deve ter recebido em vida, e pelo seu sorriso sem graça na janela do B-52, quando pousou após o ataque. Os habitantes de Hiroshima e Nagasaki, há 63 anos, nem tiveram tempo de perguntar, como Pablo Neruda teve: "Sabes, porém, de onde vem a morte, se de cima ou de baixo?".
9 de agosto de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
SOBRE O ÓDIO
a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...
-
Tal e qual a maioria dos animais, ainda mais os mamíferos, humanos são gregários e se agrupam em tribos. A biologia da coisa, vamos diz...
-
Conheci o Fábio Brüggemann nos 80. Ele era o agitador cultural da Faculdade de Letras. Poeta, contista, escritor de crônicas, diret...
2 comentários:
Fábio,
a imagem mais conhecida dos ataques a Hiroshima e Nagasaki não é a da fortaleza voadora B-29, mas sim a do cogumelo atômico, que os americanos não conseguiram esconder (por motivos óbvios), e a imprensa livre dos EUA (leia-se New York Times) e as principais redes de TV desse mesmo país fizeram questão, por motivos essencialmente políticos, de divulgar. Noam Chomski, em livro recente sobre o 11 de setembro, falou exatamente disso: o ícone que os americanos fizeram questão de divulgar, em primeira mão, foi justamente o falo luminoso e rombudo do cogumelo atômico.
Teu texto: uma faca só lâmina.
Karl
Fábio, como sempre, excelente e oportuno texto.Fazes muito bem em lembrar, especialmente às pessoas mais jovens, esse terrível acontecimento. Há alguns anos estive em Hiroshima e vi, no museu que existe dentro do parque, sobre o qual explodiu a bomba, uma maquete do que restou da cidade. Nada praticamente. Ruínas. E, das fotos de pessoas mutiladas que existem lá, a mais impressionante é da sombra de uma pessoa que foi desintegrada na hora da explosão, devido ao calor excessivo que foi gerado. Uma sombra provocada pela luz gerada pela explosão.Absurdo.
Está de parabéns o Diário Catarinense por ter em suas páginas um colunista tão lúcido e corajoso como tu. ALFREDO FEDRIZZI, publicitário, Porto Alegre, RS.
Postar um comentário