31 de dezembro de 2008

Tudo que sei do Bruggemann

A primeira coisa que eu descobri sobre o Bruggemann, quando trocamos o primeiro e-mail – e lá se vão uns quatro anos – é que ele detesta que escrevam seu sobrenome errado. Depois nos aproximamos um pouco, fui convidado para participar de um torneio com ares meio secretos, em sua casa, e então descobri algo que pouca gente sabe: Bruggemann é um ilustre jogador de futebol de botão. Com exceção do poeta Dennis Radunz – que recompensava seu futebol duvidoso com trocadilhos cada vez mais bêbados – todos os atletas eram competitivos e os torneios de futebol de botão se tornavam tradição e, finalmente, Bruggemann reinava absoluto no tosco ranking de pontuação que logo improvisamos no primeiro guardanapo.Mas a intimidade vai revelando fatos incríveis e foi quando, em uma festa de amigos, conheci Luna Bruggemann, sua filha – de quem, aliás, o pai morre de ciúmes, embora não admita inteiramente (em tempo: que se cuidem os mancebos galantes da ilha porque, embora seja muito amistoso, o cronista em questão tem quase dois metros de altura) – então neste dia o mais inesperado aconteceu. Estávamos discutindo o grande cinema europeu, e discutíamos calorosamente, e Bruggemann defendia as posturas mais radicais quando Luna, com sua ingenuidade incauta, disparou a revelação que ninguém esperava:“Mas, pai – e um silêncio – você já chorou comigo no cinema.”O homem por detrás da fumaça que emana de sua coleção de cachimbos – e me perdoe estas descrições meio baratas, leitora exigente, mas você terá que conviver com elas durante algumas semanas, pois o cronista titular já saiu de férias – o homem é um sentimental. O nome do filme fica por conta da imaginação de cada um; não direi a troco de nada – e crônica também não é lugar de fofoca, e sim exercício sério de reflexão. Mas a confissão de Bruggemann – afinal, tudo já estava perdido – a confissão vai de graça, e colocada no lugar mais nobre deste texto, como modo de sincera homenagem:“Sim, meus amigos, choro até em foguetórios de fim de ano, almoços de natal, despedidas de solteiro. Sou um grande sentimental.”

Victor da Rosa, Diário Catarinense, 27 de janeiro de 2008.

20 de dezembro de 2008

Dois sapatos para George W. Bush

Apesar de não gostar nem um pouco do criminoso de guerra George W. Bush, eu não jogaria um sapato nele. Mas adorei o gesto simbólico, ainda que pueril (mas não são as crianças os seres mais sinceros?) do jornalista iraquiano Muntadar al-Zeidi que, antes de ficar descalço, disse: “Isso é um beijo de despedida, seu cachorro”. Pena que errou.

Jogar os sapatos ainda vá lá, até porque é uma ofensa gravíssima levar uma sapatada no Iraque. Mas chamar o presidente norte-americano de cachorro é uma ofensa aos caninos, seres incapazes de fazer as sacanagens que fez Bush filho com os iraquianos e com seu próprio povo. Esse episódio só faz pensar numa pergunta à qual nunca consegui resposta satisfatória: por que o mundo é sempre governado por imbecis?

Tudo bem que os norte-americanos poderiam ter sido enganados na primeira eleição. Mas o mais incrível é que o o cara foi reeleito. Está provado porque os políticos fogem da palavra educação, porque jamais um povo culto elegeria George W. Bush. Como disse Caetano Veloso: “Se você vir um deputado em pânico mal dissimulado, diante de qualquer, mas qualquer mesmo, plano de educação que pareça fácil, pense no Haiti”.

Muitas perguntas ainda podem ser feitas diante da imbecilidade da maioria dos políticos. Por que tem eleições no Brasil a cada dois anos, se até o cachorro da esquina sabe que seria muito menos oneroso juntar todas num mesmo ano? Por que o Senado aumentou as vagas para vereador, se todos sabem que se gasta horrores com estes caras? Por que a justiça demora tanto para julgar governadores suspeitos de crime eleitoral? Como a sociedade será ressarcida dos anos em que estes mesmos governos ocuparam ilegalmente o poder no caso de serem cassados? Por que os deputados ainda mantém um crucifixo acima da mesa diretora da casa se a Constituição diz que o Estado é laico?

Como já fiz perguntas demais nesse ano, dou um descanso aos meus 10 leitores por um mês. Até 2009.

Diário Catarinense, 20 de dezembro de 2008

13 de dezembro de 2008

A CIGANA LEU A MINHA MÃO

O nome de batismo é Estefânia, como sua mãe a chama, mas ela insiste em dizer que é Stephanie e em ler minha mão. Não creio em oráculos, previsões, destino, e não deixaria minha mão nas mãos de uma cigana com nome atípico para ciganas. Mas o carinho com que ela me abordou, os lábios grossos, os olhos rasgados e escuros, essa mistura de sedução e tentativa de me dizer que meu futuro estava em minhas mãos me prenderam.
São três linhas, ela explicou, numa síntese quase insossa da vida. A do amor, a do dinheiro e a da vida. Só isso, eu perguntei? Minha vida se resume a três questões? E o que somos, de onde viemos, para onde vamos?, isso não conta? As linhas pelo menos são mutáveis? Ela disse que não, está escrito ali e tá acabado.
A primeira, a do dinheiro, diz que sua vida é estável. Você nunca será rico, mas também nunca passará por necessidades. A segunda, a do amor, é um caos. Tem tanta linha aqui, que chego a ter pena de você, ela disse. Mas daqui a pouco, tá vendo essa linha aqui, que quase dobra à outra parte da mão? Ela é a companhia que irá até o fim da sua vida. É uma mulher inteligente, doce, jovem, e que te adora. Você demorou a encontrá-la, mas terá uma vida feliz e estável ao lado dela. Depois suspirou muito fundo e disse: “Quem dera fosse eu, que sou tão sozinha”.
Antes que eu tentasse assimilar a idéia de que uma cigana seria essa pessoa, ou de que eu precisasse mesmo ter alguém que me acompanhe, numa mistura de sonho, delírio, confusão mental, acreditando que Estefânia tinha um poder quase absurdo, seja para prever, seja para desejar, seja para seduzir, antes que eu caísse na tentação de beijar seu lábio carnudo que me oferecia, perguntei sobre a linha da vida.
Você viverá o suficiente, ela disse. O que é suficiente, eu perguntei? , mas ela não respondeu. Disse apenas que, por tradição, eu teria que lhe dar uma moeda. Cobro muito mais, mas eu gostei de você, ela disse. Eu dei a moeda, ela largou da minha mão e logo pegou a de outro homem que passava, o seduziu do mesmo modo, com a mesma malícia. Por instantes ele será feliz e deixará ser enganado, num ciclo quase natural do desejo, do mesmo modo como eu fui.

6 de dezembro de 2008

Aniversário e lançamentos

Hoje a editora Letras Contemporâneas comemora 15 anos de sua fundação e lança dois livros: Como viver sem perguntar?, deste blogueiro, e Relatos de um corvo sedutor, de Péricles Prade. Será na sede da Fundação Cultural Badesc, na Visconde de Ouro Preto, 216, à partir das 19 horas. Estão todos convidados.

O banco redondo

Pouca gente deve saber onde fica a Praça Etelvina da Luz, mas quase todos já ouviram falar do famoso Banco Redondo. Quando cheguei por aqui, no início dos anos de 1980, não era a Ponte Hercílio Luz (visível à distância) que me davam como referência. Cada vez que eu perguntava onde era tal lugar, a primeira frase era: "Não tem o Banco Redondo?". Levei um tempo a encontrá-lo, porque imaginava se tratar de uma instituição financeira cuja arquitetura fosse efetivamente arredondada.

Mas não, o Banco Redondo é apenas um banco redondo mesmo, num minúsculo e triangular espaço público, a tal Praça Etelvina da Luz, com um flamboyant no meio e uma mesa de xadrez ao lado, cercado pelas barulhentas Mauro Ramos e Altamiro Guimarães. Seu tamanho reduzido, porém, não lhe tira a importância. Palco de protestos, namoro, debates, tiroteios, teses, o Banco Redondo, com seus 15 metros quadrados, resistiu a todas as pressões imobiliárias. Dizem até que para obter o "Mané card" é imprescindível saber de sua localização.

Casas lindas e históricas foram derrubadas em seu entorno, como a da família de Haro ou a ex-sede do jornal A Notícia, na Altamiro Guimarães, de onde eu enviava, via telex ainda, as colunas semanais para Joinville. Acabaram com o Campo da Liga e, no seu lugar, construíram um enorme centro de compras. Mas o Banco Redondo continua lá, resistindo, cercado por um sobrado no qual eu sempre quis morar (e temo pelo seu destino, por causa dessa espécie de predileção quase sádica pela destruição de patrimônios históricos), por um boteco onde os vizinhos fazem seus habituais churrascos de final de semana e por uma loja que vende produtos eróticos.

Para uma ilha que se pretende turística, ter o Banco Redondo como referência de patrimônio cultural é de uma comoção sem precedentes. É uma ode ao mínimo, e que só resiste porque é pequeno demais para a construção de um prédio. Eu e o Jorginho, que nasceu e se criou na Ilha, e que me cantou essa letra, combinamos de visitá-lo qualquer dia destes. Sentaremos no seu batido concreto, carunchado de gás carbônico, e, na pouca sombra do velho flamboyant, admiraremos a destruição gradativa e lenta da Ilha de Nossa Senhora dos Aterros.

SOBRE O ÓDIO

a cena mais emblemática da insanidade coletiva causada não pelo vírus, mas pelo mentecapto presidente, é a do governador ronaldo caiado, de...